Política

“Direitos Humanos não defendem bandidos, defendem a lei”, diz Freixo

O deputado era alvo de plano mortal interceptado pela polícia. Discurso bolsonarista de ‘limpeza’ estimula a violência, avalia especialista

Freixo, a filha de Marielle Franco e a viúva Mônica Benício (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)
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No dia em que foram presos os primeiros suspeitos de envolvimento no assassinato de Marielle Franco, a polícia carioca agiu a tempo de evitar outra tragédia de cunho político. Descobriu-se que criminosos haviam marcado hora, data e local para matar Marcello Freixo, amigo e colega de trabalho da vereadora.

O caso ocorrido na quinta 13 é um exemplo gravíssimo da onda de violência contra políticos e ativistas, em especial aqueles ligados à defesa dos direitos humanos. Um levantamento da União dos Vereadores do Brasil (UVB) aponta que quinze vereadores e prefeitos foram mortos no ano passado — superando a média de um por mês.

“Não é só um atentado contra a minha vida, é um atentado contra o poder público. Precisamos descobrir qual grupo político tem o monopólio da violência”, declarou em coletiva sobre o caso, nesta sexta 14.

Freixo vê esse fenômeno como parte de uma cultura que trata a defesa dos direitos humanos como inimiga da segurança pública. “É por essa visão que temos tantos defensores dos direitos humanos mortos, tantos policiais mortos. Não defendemos bandidos, ao contrário, os bandidos querem nos matar. Quem defende os direitos humanos defende a lei.”

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As ameaças mais robustas envolvem justamente os parlamentares do PSOL no Rio de Janeiro: além do próprio Freixo e de Marielle – cujo crime completa nove meses sem solução -, o deputado federal Jean Wyllys também é alvo de uma torrente de ameaças.

Wyllys vive sob escolta policial desde a morte de Marielle. São tantas ameaças que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos pediu ao estado brasileiro que zelasse por sua integridade. “Tenho medo de acabar como ele”, disse à Carta Capital em novembro.

A força do discurso

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Manuela D’Ávila também tem sido alvo recorrente de ameaças desde que concorreu como vice na chapa de Fernando Haddad nas eleições presidenciais. Em setembro, ela acionou o TSE e pediu proteção policial depois da explosão de notícias falsas que indicavam o envolvimento dela com o homem que esfaqueou Bolsonaro.

O sociólogo Giorgio Romano, professor da UFABC, acredita que o estímulo a esses casos está principalmente no discurso do grupo político que tomou o poder na última eleição, representados na figura de Jair Bolsonaro e do governador Wilson Witzel (PSC).

Witzel foi eleito sob a bandeira do combate ao crime nas favelas. Ele defende que bandidos sejam abatidos e prometeu contratar atiradores de elite para ‘mirar na cabecinha e … fogo’.  Aliados do pesselista quebraram placas em homenagem a Marielle em pleno comício de Witzel no centro do Rio, em outubro.

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“Não acredito que tenha a ver com impunidade, porque a justiça nunca funcionou efetivamente no Brasil. Mas acende um sinal verde quando um núcleo em torno do presidente diz que isso [atuação de grupos paramilitares] é certo, que trata-se de uma ‘limpeza’, que esses grupos ajudam acabar com a violência”, afirma o sociólogo.

A deputada Maria do Rosário concorda. “Quem incita a violência também puxa o gatilho”, diz. Ela própria já foi vítima de ameaças constantes, além de acusada de ‘defender bandidos’ por seguidores de Bolsonaro. “A sensação é que todos nós [que defendemos os DH] estamos em uma linha de tiro.”

A simpatia de Bolsonaro pelas milícias não é recente. Ele chegou a fazer a defesa de grupos de extermínio quando era parlamentar. Em 2003, ele usou os microfones da Câmara para parabenizar um esquadrão da morte que atuava na Bahia. Quatro anos mais tarde, criticou o relatório final das CPIs das Milícias – elaborado por Freixo. “Querem atacar o miliciano, que passou a ser o símbolo da maldade e pior do que os traficantes.”

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Entenda o caso

Segundo denúncias recebida pela polícia, o atentado contra Freixo aconteceria neste sábado 15 durante um encontro político do deputado no Campo Grande, bairro da da zona oeste do Rio dominado por milícias. Não sabe ainda se os envolvidos no plano são os mesmos que tramaram a morte de Marielle.

No caso da vereadora, a Polícia investiga a participação de um grupo de matadores de elite formado por policiais e ex-policiais. O envolvimento de milicianos e agentes públicos é dado como certo por Raul Jungmann e pelo general Richard Nunes, secretário de Segurança Pública do Rio.

De acordo com o militar, a execução de Marielle foi motivada pela disputa de terras na Zona Oeste da capital fluminense. Ela teria sido morta porque interferiu no interesse de milicianos em grilar terrenos dessa área. Na manhã desta sexta, foram apreendidos documentos e computadores do vereador Marcello Siciliano (PHS).

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