Política

Dirceu e o ‘mensalão’

Se tivessem resistido às pressões, as CPIs e o MPF achariam os elos de Dirceu com o núcleo do esquema: a venda da Telemig, um dos tantos lobby de Marcos Valério no governo, para beneficiariar Daniel Dantas

O banqueiro Daniel Dantas. Foto: Wilson Dias/ABr
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por Sergio Lirio

 

O advogado do ex-ministro José Dirceu abre hoje o tempo reservado à defesa dos réus do chamado mensalão. As próximas sessões até o dia 14 serão dedicadas à argumentação dos defensores, embora, nesta altura, a exposição no plenário tenha pouquíssimo efeito sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal. Alguém duvida de que os 11 magistrados já elaboraram seus votos?

A defesa de Dirceu sustentará a falta de provas contra o ministro. É um argumento forte, pois a acusação, como deixou claro o próprio procurador-geral da República na sexta-feira 3, é bastante omissa neste ponto. Aponto aqui um dos motivos dessa ausência de provas. Nem as tantas CPIs que investigaram o esquema, com especial destaque para a dos Correios, nem o Ministério Público Federal tiveram interesse em aprofundar a participação do banqueiro Daniel Dantas no financiamento do chamado “mensalão”. Se tivessem resistido às pressões, achariam os elos de Dirceu com o núcleo do esquema.

Reproduzimos aqui uma reportagem da edição 354, de 10 de agosto de 2005, intitulada “A Conexão Lisboa” (leia clicando ). Naquela altura, o resto da mídia noticiava que o publicitário Marcos Valério e o então tesoureiro do PTB Emerson Palmieri viajaram a Lisboa para negociar a venda do estatal Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) com o Espírito Santo, banco português.

CartaCapital foi a única publicação à época a relatar o que aconteceu de fato, como atestam agora os testemunhos colhidos durante o inquérito e hoje repetidos pelo restante da mídia: a dupla viajou para tentar vender a Telemig Celular à Portugal Telecom. O Espírito Santo era (ou é) um dos principais acionistas da operadora portuguesa, por isso o encontro de Marcos Valério e Palmieri com dirigentes da instituição financeira.

É importante reforçar: quando CartaCapital noticiou o real motivo da viagem a Portugal, o resto da mídia ignorou e insistiu na tese da venda do IRB. Como o fato está citado na denúncia da PGR, os jornalistas agoram o noticiam como se, para eles, não fosse novidade. Como se sempre tivessem informado corretamente seus leitores, ouvintes e telespectadores.

A venda da Telemig era um dos  tantos lobbies de Marcos Valério no governo. Sua concretização renderia milhões a Dantas (e a quem o ajudasse). Qual era o plano? Vender a Telemig Celular e, com o dinheiro, comprar a parte da Telecom Itália na Brasil Telecom. Qual era o problema? Os fundos de pensão, em especial a Previ, em intensa batalha judicial contra o Opportunity. Dantas precisava convencer os fundos a aceitar o negócio nas condições propostas por ele.

Havia uma divisão dentro do governo do PT. De um lado, o ministro Antonio Palocci era simpático à causa de Dantas. De outro, o ministro Luiz Gushiken, aliado dos fundos de pensão, era terminantemente contra. Com o passar do tempo, Dantas cooptou um ex-adversário: Henrique Pizzolatto, então diretor de marketing do Banco do Brasil (ele recebeu uma bolada do esquema de Marcos Valério e comprou um apartamento). Dirceu, que atuava como pêndulo, também acabou cooptado.

A função de Dirceu era conseguir dobrar os fundos de pensão. Por isso, o ministro, segundo relatos colhidos por mim em 2005, trabalhou para derrubar Sergio Rosa da presidência da Previ e instalar no seu lugar um aliado, talvez Pizzolatto, ex-dirigente da fundação. Vencida a resistência da Previ, maior acionista das teles entre os fundos, os demais (Funcef e Petros) viriam a reboque.

Ao encontrar os portugueses em Lisboa, Marcos Valério se apresentou como emissário do governo brasileiro. Garantiu o aval do Planalto à transação e disse que a resistência dos fundos, bem como a intensa litigância no setor, seria vencida. Palmieri, durante a viagem, entendeu melhor o papel do publicitário no financiamento do PT. E relatou tudo a Roberto Jefferson, que mais tarde revelaria ao Brasil a existência do “careca” Marcos Valério.

Colocar Dantas no meio do mensalão era inconveniente para todo mundo, inclusive para o PSDB, pois o banqueiro aparece igualmente no valerioduto mineiro, e para a mídia, que perderia o discurso atual: de que se trata de um escândalo sem precedentes no Brasil, baseado na compra de votos de parlamentares. E não um sistema nascido em Minas Gerais e absorvido pelo PT, um clássico esquema de caixa 2 (que deve ser punido com o mesmo rigor, aliás).

Por causa do esforço de uns poucos parlamentares, o banqueiro acabou convocado à CPI dos Correios. No relatório final da comissão, foi citado por alto. Gushiken, grande desafeto de Dantas, entraria no rolo. Acusado de participar do chamado “mensalão”, virou réu no processo (agora o Ministério Público pede sua absolvição por falta de provas).

Veremos se o STF se convenceu ou não da tese do pagamento regular a parlamentares em troca de apoio no Congresso. As dúvidas continuam: por que deputados do PT precisariam receber para votar com o governo? Por que o padrão das votações de matérias de interesse do Palácio do Planalto não mudou substancialmente nos períodos em que o mensalão foi supostamente pago? Houve desvio de recursos públicos? Em que quantidade?

Dirceu conta com a dificuldade da PGR em responder a tais perguntas.

por Sergio Lirio

 

O advogado do ex-ministro José Dirceu abre hoje o tempo reservado à defesa dos réus do chamado mensalão. As próximas sessões até o dia 14 serão dedicadas à argumentação dos defensores, embora, nesta altura, a exposição no plenário tenha pouquíssimo efeito sobre os ministros do Supremo Tribunal Federal. Alguém duvida de que os 11 magistrados já elaboraram seus votos?

A defesa de Dirceu sustentará a falta de provas contra o ministro. É um argumento forte, pois a acusação, como deixou claro o próprio procurador-geral da República na sexta-feira 3, é bastante omissa neste ponto. Aponto aqui um dos motivos dessa ausência de provas. Nem as tantas CPIs que investigaram o esquema, com especial destaque para a dos Correios, nem o Ministério Público Federal tiveram interesse em aprofundar a participação do banqueiro Daniel Dantas no financiamento do chamado “mensalão”. Se tivessem resistido às pressões, achariam os elos de Dirceu com o núcleo do esquema.

Reproduzimos aqui uma reportagem da edição 354, de 10 de agosto de 2005, intitulada “A Conexão Lisboa” (leia clicando ). Naquela altura, o resto da mídia noticiava que o publicitário Marcos Valério e o então tesoureiro do PTB Emerson Palmieri viajaram a Lisboa para negociar a venda do estatal Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) com o Espírito Santo, banco português.

CartaCapital foi a única publicação à época a relatar o que aconteceu de fato, como atestam agora os testemunhos colhidos durante o inquérito e hoje repetidos pelo restante da mídia: a dupla viajou para tentar vender a Telemig Celular à Portugal Telecom. O Espírito Santo era (ou é) um dos principais acionistas da operadora portuguesa, por isso o encontro de Marcos Valério e Palmieri com dirigentes da instituição financeira.

É importante reforçar: quando CartaCapital noticiou o real motivo da viagem a Portugal, o resto da mídia ignorou e insistiu na tese da venda do IRB. Como o fato está citado na denúncia da PGR, os jornalistas agoram o noticiam como se, para eles, não fosse novidade. Como se sempre tivessem informado corretamente seus leitores, ouvintes e telespectadores.

A venda da Telemig era um dos  tantos lobbies de Marcos Valério no governo. Sua concretização renderia milhões a Dantas (e a quem o ajudasse). Qual era o plano? Vender a Telemig Celular e, com o dinheiro, comprar a parte da Telecom Itália na Brasil Telecom. Qual era o problema? Os fundos de pensão, em especial a Previ, em intensa batalha judicial contra o Opportunity. Dantas precisava convencer os fundos a aceitar o negócio nas condições propostas por ele.

Havia uma divisão dentro do governo do PT. De um lado, o ministro Antonio Palocci era simpático à causa de Dantas. De outro, o ministro Luiz Gushiken, aliado dos fundos de pensão, era terminantemente contra. Com o passar do tempo, Dantas cooptou um ex-adversário: Henrique Pizzolatto, então diretor de marketing do Banco do Brasil (ele recebeu uma bolada do esquema de Marcos Valério e comprou um apartamento). Dirceu, que atuava como pêndulo, também acabou cooptado.

A função de Dirceu era conseguir dobrar os fundos de pensão. Por isso, o ministro, segundo relatos colhidos por mim em 2005, trabalhou para derrubar Sergio Rosa da presidência da Previ e instalar no seu lugar um aliado, talvez Pizzolatto, ex-dirigente da fundação. Vencida a resistência da Previ, maior acionista das teles entre os fundos, os demais (Funcef e Petros) viriam a reboque.

Ao encontrar os portugueses em Lisboa, Marcos Valério se apresentou como emissário do governo brasileiro. Garantiu o aval do Planalto à transação e disse que a resistência dos fundos, bem como a intensa litigância no setor, seria vencida. Palmieri, durante a viagem, entendeu melhor o papel do publicitário no financiamento do PT. E relatou tudo a Roberto Jefferson, que mais tarde revelaria ao Brasil a existência do “careca” Marcos Valério.

Colocar Dantas no meio do mensalão era inconveniente para todo mundo, inclusive para o PSDB, pois o banqueiro aparece igualmente no valerioduto mineiro, e para a mídia, que perderia o discurso atual: de que se trata de um escândalo sem precedentes no Brasil, baseado na compra de votos de parlamentares. E não um sistema nascido em Minas Gerais e absorvido pelo PT, um clássico esquema de caixa 2 (que deve ser punido com o mesmo rigor, aliás).

Por causa do esforço de uns poucos parlamentares, o banqueiro acabou convocado à CPI dos Correios. No relatório final da comissão, foi citado por alto. Gushiken, grande desafeto de Dantas, entraria no rolo. Acusado de participar do chamado “mensalão”, virou réu no processo (agora o Ministério Público pede sua absolvição por falta de provas).

Veremos se o STF se convenceu ou não da tese do pagamento regular a parlamentares em troca de apoio no Congresso. As dúvidas continuam: por que deputados do PT precisariam receber para votar com o governo? Por que o padrão das votações de matérias de interesse do Palácio do Planalto não mudou substancialmente nos períodos em que o mensalão foi supostamente pago? Houve desvio de recursos públicos? Em que quantidade?

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