Política

Dilma e a democracia à espera do veredito do Senado

Se confirmada a tendência pela cassação da presidenta afastada, o PMDB retornará ao poder pela terceira vez de forma indireta

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Reeleita em 2014 com 54 milhões de votos, Dilma Rousseff enfrentará, nesta quarta-feira 31, o veredito do Senado. A petista tem ciência do que a espera. O número de senadores que já declararam, em algum momento, voto favorável ao impeachment é suficiente para a cassação do seu mandato, com a consequente perda dos direitos políticos por oito anos.

Se os parlamentares mantiverem a posição anunciada anteriormente, Dilma será a primeira presidente a deixar o cargo desta forma. Em 1992, Fernando Collor de Mello renunciou antes da votação final – algo que a petista, ex-militante da luta armada contra a ditadura, sempre se negou a fazer.

Na coordenação do julgamento do impeachment, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski permitiu que os pronunciamentos de senadores avançassem pela madrugada, de forma a assegurar uma decisão hoje.

O início da sessão está previsto para às 11 horas. O voto será nominal e aberto, computado pelo painel eletrônico, onde o placar será divulgado. Assim, é improvável a repetição do circo montado na Câmara em 17 de abril, quando deputados assumiram o microfone para dedicar votos a parentes, vilarejos e até mesmo torturadores.

Ciente de que o processo de impeachment chegara à reta final praticamente definido, Dilma adotou um discurso bem mais incisivo ao depor no Senado, na segunda-feira 29. “Estamos a um passo de um verdadeiro golpe de Estado”, afirmou na ocasião. Ao longo de pronunciamento de cerca de 40 minutos, Dilma acusou a oposição ao seu governo de não respeitar o resultado das urnas e de semear a crise.

“Os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram de tudo para impedir a posse e estabilidade do meu governo. Pediram auditoria nas urnas, impugnaram minhas contas eleitorais e após a posse buscaram de forma desmedida quaisquer fatos que pudesse justificar um processo de impeachment”, afirmou Dilma. “As provas produzidas deixam claro que as acusações contra mim dirigidas são meros pretextos. São apenas pretextos para derrubar um governo legítimo, escolhido em eleição direta. São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição”.

Iniciado na quinta 25, o julgamento no Senado expôs, uma vez mais, a fragilidade da base jurídica do impeachment. Formalmente, a presidenta é acusada de violar a Lei de Responsabilidade Fiscal ao editar decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso, além de atrasar repasse de 3,5 bilhões de reais do Tesouro Nacional ao Banco de Brasil para pagamento do Plano Safra, programa de crédito agrícola. Para acusadores, tal prática configura um irregular empréstimo cedido por um banco estatal à União.

Esses são os atos pelos quais Dilma é julgada, mas no debate legislativo são pouco lembrados. Até mesmo os advogados que assinaram o pedido de impeachment recorrem, com frequência, a bravatas políticas. Na terça 30, Miguel Reale Jr. aproveitou o espaço aberto à acusação no Senado para atacar os governos petistas, tanto de Dilma quanto de Lula. “É uma administração pública não baseada no mérito, mas na sinecura, na difusão de que o que importa é ser malandro. O País não quer mais isso”.

Janaína Paschoal, por sua vez, lançou mão de mais um discurso inflamado, apresentando-se “como uma defensora do Brasil”. A advogada classificou as ações do governo Dilma como um “estelionato eleitoral” e afirmou que a falta de cortes de gastos em 2014 levou à crise econômica. “Tudo isso foi muito bom para o povo ver como é o modo PT de ser. É a enganação. É o PT que não pede desculpas”.

 

Não é tudo. Paschoal atribuiu a Deus a inspiração que levou tantas pessoas a se articularem o impeachment. Para completar a teatralizada preleção, pediu desculpas a Dilma pelo sofrimento imposto pelo desgastante processo. “Peço que ela um dia entenda que eu fiz isso pensando também nos netos dela”, emendou, com os olhos marejados.

Defensor de Dilma no processo, o advogado José Eduardo Cardozo, ex-ministro da Justiça e da Advocacia-Geral da União, ironizou a fala de Paschoal. “Dilma foi torturada. É possível que, naquele momento, alguns de seus acusadores, tomados por uma crise de sentimentalismo, tenham dito: ‘Menina, nós estamos te prendendo pelo bem do País, nós estamos pensando em seus filhos e netos’.”

Cardozo descartou, ainda, a tese de que Dilma cometeu crime de responsabilidade fiscal, além de acusar parlamentares de distorcerem provas. “A Constituição permite que leis autorizem decretos que fazem suplementação de crédito”, disse. “Os decretos podem ser baixados se houver compatibilização com as metas orçamentárias”. Segundo ele, a oposição usa “pretextos jurídicos” para promover um golpe. E alertou: a punição “pelo conjunto da obra” não cabe ao Senado, e sim ao povo.

A despeito do abrasado debate jurídico, os parlamentares não demonstraram a menor disposição de rever as posições anunciadas anteriormente. “É um julgamento de cartas marcadas”, observa Marcello Lavenère, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil e um dos signatários do pedido de impeachment de Collor, em 1992.

A situação de Dilma, avalia Lavenère, é radicalmente distinta daquela de 24 anos atrás. “Até os próprios senadores que afirmam, da boca para fora, que é crime de responsabilidade sabem que não existe nenhum crime”, diz. “O que hoje se discute, pedaladas e Plano Safra, são absolutamente irrelevantes para se constituir crime de responsabilidade com a gravidade de se tomar o mandato do presidente da República”.

O processo teve início em dezembro de 2015, quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, acolheu o pedido de impeachment dos advogados Hélio Bicudo, Janaína Paschoal e Miguel Reale Jr. A decisão foi tomada logo após a bancada do PT anunciar apoio à cassação do mandato do peemedebista no Conselho de Ética da Casa.

De lá para cá, ocorreram ao menos quatro deliberações sobre o tema no Congresso. Primeiro, a Comissão Especial do Impeachment na Câmara aprovou o parecer do relator Jovair Arantes, do PTB, favorável à abertura do processo. O plenário da Casa Legislativa referendou o relatório em 17 de abril, quando 367 deputados entenderam que havia motivos suficientes para dar seguimento ao impeachment de Dilma.

 

No Senado, o tucano Antonio Anastasia, assumiu a relatoria do caso. Como previsto, apresentou parecer favorável à destituição da presidenta petista. O texto foi aprovado tanto na comissão especial do Senado dedicada ao tema, quanto no Plenário da Casa.

Essa última votação no plenário do Senado, em 10 de agosto, terminou com 59 votos favoráveis a levar Dilma a julgamento – prenúncio da forte tendência de aprovação do impeachment. São necessários 54 votos entre os 81 senadores para que a petista seja afastada definitivamente.

O interino Michel Temer tem pressa. Pretende viajar ainda hoje para o encontro do G20 (grupo das maiores economias do mundo) na China. Outro que não esconde a ansiedade é o senador tucano Aécio Neves, derrotado por Dilma nas eleições de 2014. Ao discursar no Senado na terça-feira 30, fez questão que acenar para a gestão do peemedebista: “O Brasil precisa de um conjunto de reformas que demandarão coragem, ousadia e determinação do novo governo e estaremos do seu lado para construir um tempo de esperança e confiança”.

Se confirmado o impedimento de Dilma, o PMDB retornará ao poder pela terceira vez de forma indireta. A primeira ocorreu em 1985, quando o então vice José Sarney assumiu o governo após a morte do presidente Tancredo Neves, antes mesmo de tomar posse. A segunda aconteceu em 1992, com a renúncia de Collor. Eleito vice-presidente pelo PRN, Itamar Franco filiou-se ao PMDB pouco antes do episódio.

* Com informações da agência Deutsche Welle

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