Política

No DF, a Lei da Ficha Limpa volta a ser protagonista

Desistência de Arruda abre caminho para a ascensão de Rodrigo Rollemberg, do PSB, amparado no sólido apoio local a Marina Silva

O petista Agnelo, que teve seu nome envolvido em inúmeros escândalos e tem alta taxa de rejeição, esteve com Lula na quinta-feira 25 para tentar uma arrancada ao segundo turno
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As semelhanças entre as trajetórias recentes do Amapá e do Distrito Federal renderiam um bom estudo comparativo de Ciência Política. Em 2010, ambos tiveram governadores presos. José Roberto Arruda (DEM), então chefe do Executivo distrital, foi detido em fevereiro daquele ano após a divulgação de um vídeo em que recebia maços de dinheiro para distribuir entre seus correligionários, com o objetivo de garantir apoio da base nas eleições daquele ano. Poucos meses depois, Waldez Góes (PDT), afastado do governo do Amapá para concorrer ao Senado, foi preso ao ser acusado de participar de uma organização criminosa que teria desviado recursos públicos do estado.

Camilo Capiberibe (PSB) tinha 10% das intenções de voto antes da prisão de Waldez, mas acabou eleito governador do Amapá. Agnelo Queiroz (PT) imaginava uma dura disputa com Joaquim Roriz, tradicional oligarca da capital federal. Temeroso de ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa, que acabou não aplicada em 2010, Roriz abandonou a disputa e abriu caminho para a vitória do petista.

Quatro anos depois, Capiberibe e Agnelo contam com algumas das piores avaliações entre os governadores brasileiros. Um cenário de incentivo à “volta dos que não foram”. Segundo o Ibope, Waldez lidera a corrida pelo governo do Amapá com 37% dos votos. Mesma porcentagem aferida a Arruda antes de sua renúncia à disputa para o palácio do Buriti, sede do governo do DF.

Enquadrado na Lei da Ficha Limpa neste ano, Arruda teve um recurso negado pelo Superior Tribunal de Justiça e optou, em 13 de setembro, por desistir da candidatura. Sua saída levou um relevante quinhão do eleitorado a se dividir entre as candidaturas de Rodrigo Rollemberg (PSB) e de Jofran Frejat (PR), originalmente vice na coligação de Arruda. Aliado de Agnelo nos dois primeiros anos do governo petista, Rollemberg pulou de 18% para 31% na preferência dos eleitores brasilienses, segundo pesquisa Ibope divulgada na quarta-feira 24. Embora menos popular que o antecessor, Frejat, ex-secretário de Saúde em três governos de Roriz, conseguiu captar parte significativa dos votos de Arruda e está em segundo lugar, com 21% das intenções de voto. Agnelo terá dificuldades para chegar ao segundo turno – está em terceiro na disputa, com 19% dos votos.

A rejeição ao petista nas pesquisas impressiona: 44% dos eleitores afirmam não votar em Agnelo de jeito nenhum. O governo tributa essa negatividade às deficiências de comunicação ao longo do mandato. Como forma de remendar a falta de diálogo com os brasilienses, sua campanha lançou um portal que lista uma série de obras realizadas na gestão do petista. O site apresenta detalhes de mais de 5,3 mil projetos levadas a cabo por sua administração. Entre elas, o Estádio Nacional Mané Garrincha, sede dos jogos da Copa, orçado originalmente em 745 milhões de reais, com custo final de 1,6 bilhão. Em abril, o Tribunal de Contas do DF apontou superfaturamento de 431 milhões de reais na obra. Uma tendência comum em Brasília: a Ponte Juscelino Kubitschek, inaugurada no fim do terceiro governo de Roriz, em 2002, custou 160 milhões de reais. A previsão inicial era de 39 milhões.

À parte o superfaturamento apontado no estádio mais caro da Copa, Agnelo foi alvo de denúncias nos últimos anos. Após sua passagem pelo Ministério do Esporte, foi acusado de ter recebido recursos de uma ONG que teria desviado 3,4 milhões de reais da pasta. Em 2011, foi investigado pela Polícia Federal por suspeitas de ter recebido uma propina para a liberação de um medicamento, enquanto esteve à frente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária. No ano seguinte, foi considerado inocente pela Anvisa. Teve seu nome associado, em 2012, ao esquema do bicheiro Carlinhos Cachoeira, por suspeita de ter recebido caixa 2 da Delta Construções, acusação negada pelo governador em depoimento à CPI relativa ao caso. Independentemente da veracidade das denúncias, as polêmicas devem ser consideradas na sua baixa aprovação junto aos brasilienses, especialmente por ter assumido nas eleições passadas a bandeira de renovar a política local, após a prisão de Arruda.

Em entrevista a CartaCapital, Agnelo atribui sua rejeição à herança deixada pelo antecessor. “Nós herdamos um governo falido, parasitado por uma quadrilha”, afirma, antes de fazer um mea-culpa. “Minha comunicação não foi boa. A cidade não sabia do caos administrativo que pegamos. Mergulhei tanto nos problemas e na busca de soluções que deveria ter dado mais satisfação aos moradores.” Um bom exemplo da fragilidade de seu governo na área foi a mudança de lado do ex-secretário de Comunicação Ugo Braga. Após abandonar o cargo em 2013, aceitou ser um dos coordenadores de campanha de Arruda e Frejat.

Por sua vez, Rollemberg afirma que deixou o governo atual por causa de seus “erros e alianças”. Sem entrar em detalhes de quais equívocos e apoios de Agnelo o incomodaram, o pessebista afirma que o governo petista “é muito parecido com o de Arruda”. Segundo o candidato, o PSB não tem qualquer responsabilidade pela alta rejeição de Agnelo. “Nunca tivemos participação importante no governo”, afirma.

Segundo a coordenação de campanha de Rollemberg, o candidato tem apoio maciço no chamado Grande Piloto, formado por bairros de classe média e alta como Asa Sul, Asa Norte, Lago Sul, Lago Norte, Sudoeste e Cruzeiro, bem como algumas cidades próximas. Conforme pesquisas internas do PSB, estima-se que Rollemberg tenha 50% das intenções de voto na região. Vitoriosa no DF nas eleições de 2010, Marina Silva é a preferida de 43% dos brasilienses, segundo o Datafolha. A ascensão de Rollemberg é atribuível em grande parte ao aumento da participação de Marina nas peças de campanha do candidato ao Buriti e do deputado pedetista José Antônio Reguffe, que lidera a disputa ao Senado com 34%, de acordo com o Datafolha. O mesmo levantamento afere 13% para Geraldo Magela, do PT, e 10% para Gim Argello, do PTB.

Frejat, um dos poucos do grupo de Roriz, Arruda e Luiz Estevão cujo nome não está associado diretamente a escândalos de corrupção, reafirma sua experiência na Saúde do DF para atrair os eleitores. A popularidade de Arruda é, contudo, o seu maior trunfo. Na reta final, o foco da campanha são as atividades externas, nas quais Frejat se apresenta à população como o substituto do democrata. Na segunda-feira 22, ambos estiveram na Rodoviária do Plano Piloto para pedir voto nas baias dos ônibus. A estratégia é mesmo conveniente: o local aglutina diariamente grande parte dos trabalhadores das cidades próximas do DF, onde Arruda é bastante popular. Apesar de tudo.

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