Política
Devastação verde-oliva
Ambientalistas opõem-se à construção de uma escola de sargentos em área preservada de Mata Atlântica


Em meio aos eventos climáticos extremos do momento, com ondas de calor em vários estados, secas severas no Norte e Nordeste e chuvas torrenciais no Sul do País, uma área de 130 hectares de Mata Atlântica em Pernambuco poderá ser transformada em um megacomplexo militar que o Exército pretende construir para abrigar uma escola de sargentos. O local faz parte da Área de Proteção Ambiental Aldeia-Beberibe, na Região Metropolitana do Recife, o que vem provocando reação de ambientalistas, a alegarem que a obra fere a legislação ambiental e contribui para a devastação de um bioma quase extinto. O Exército nega qualquer irregularidade e diz que haverá uma compensação pelo desmatamento. Interessado no projeto, o governo pernambucano ofereceu uma contrapartida que inclui desde a ampliação de estradas até a realização de obras de saneamento.
A ideia do projeto é centralizar em um só local a formação de sargentos de todo o País, hoje pulverizada em vários estados. A obra inclui um centro escolar para receber mais de 2 mil alunos, um parque de tiros, uma vila olímpica, um hotel de trânsito e duas vilas militares com 24 prédios residenciais, totalizando 576 apartamentos para abrigar as famílias dos alunos. O empreendimento foi estimado em 1,8 bilhão de reais, incluindo 110 milhões de contrapartida do governo do estado. A expectativa é de que mais de 6 mil pessoas frequentem o local diariamente.
De acordo com Herbert Tejo, presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia, a obra vai acarretar uma série de impactos negativos para o meio ambiente e às populações de cidades próximas. Pode, inclusive, comprometer o fornecimento de água na região. Isso, porque o Campo de Instrução Marechal Newton Cavalcanti, área de 800 hectares do Exército na qual o complexo será construído, passa pela sub-bacia do Rio Catucá, com nascentes e mananciais que alimentam o Sistema Botafogo. A barragem Botafogo é responsável por abastecer 1 milhão de habitantes da Região Metropolitana do Recife e cidades da Zona da Mata, um serviço já precário.
“O campo de instrução fica encravado na unidade de conservação. A gente considera um santuário, porque constitui o maior bloco de Mata Atlântica ao norte do Rio São Francisco”, explica Tejo, acrescentando que a mata foi recuperada após ter sido devastada pela cana-de-açúcar em meados do século passado. “Eram 11 engenhos que foram desapropriados na época do governo Getúlio Vargas para preparar os soldados brasileiros para a Segunda Guerra. A guerra acabou e foi construído apenas um quartel. Durante esses quase 80 anos, aconteceu um processo de regeneração natural fantástico.” O ambientalista diz-se favorável à escola de sargentos, mas sugere a mudança na localização. “Existe uma alternativa. Não somos contra o projeto, somos contra o desmatamento de um bioma em extinção.”
Carol Vergolino, ex-deputada estadual e uma das articuladoras do movimento que tenta barrar a obra dentro da mata densa, cita o artigo 14 da Lei da Mata Atlântica para justificar a ilegalidade do empreendimento. “Não pode derrubar árvore alguma, exceto em casos de utilidade pública e se não houver alternativa locacional. A grande questão é que essa alternativa existe, uma área de 196 hectares já desmatada e dentro da propriedade militar.”
O megacomplexo militar deve dispor de instalações para abrigar até 6 mil frequentadores
O Exército não se mostra, porém, disposto a ceder. Alega a proximidade com o Recife e sustenta que a alternativa apresentada pelo Fórum Socioambiental de Aldeia dificulta acesso ao centro urbano e à escola militar onde devem estudar os filhos dos militares. O comando da força ainda ameaça levar o empreendimento para outro estado. “É comum a gente ver centros de excelência migrarem para o Sul e Sudeste. O Exército também estava centralizado nessas regiões, mas resolveu fazer um movimento contrário e trazer para o Nordeste um centro de referência. Será uma das maiores escolas de formação de sargentos do mundo”, destacou o general Joarez Alves Pereira Júnior, durante audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco, no início de novembro.
O oficial garante que o complexo militar está fincado no “tripé de sustentabilidade”, que contempla as dimensões econômica, social e ambiental. “Vamos trabalhar para oferecer a compensação ambiental naquilo que for suprimido. Com um volume gigantesco de obras, prevê-se a geração 11 mil empregos diretos e 17 mil indiretos.” Empenhado na manutenção da mata, o vereador Ivan Moraes, do PSOL do Recife, critica a intransigência do Exército. “Existe uma alternativa que corresponde exatamente aos critérios exigidos pelos militares, sem derrubar árvore alguma. Não vejo motivos para insistir num lugar inadequado. A diferença é de apenas 6 quilômetros entre uma área e outra. Acho que está faltando um pouco de boa vontade para entender que nem tudo é do jeito que o Exército quer.”
Renato Antunes, deputado estadual e presidente da Frente Parlamentar que acompanha a obra, destaca a grandiosidade do empreendimento e a importância para Pernambuco. “O concurso para sargento é mais concorrido que o vestibular da Faculdade de Medicina. Neste ano, são mil vagas e se inscreveram mais de 100 mil pessoas. Serão respeitadas todas as normas ambientais. Além disso, vai ter um incremento social para desenvolver uma região que precisa, com um povo carente que parece ter sido esquecido.”
Diante do impasse, o governo do estado criou um grupo de trabalho, envolvendo 11 secretarias, representantes da sociedade civil, Ministério Público e Assembleia Legislativa para acompanhar o caso. O megaprojeto foi aprovado no final do governo Bolsonaro, numa parceria com o governo Paulo Câmara, do PSB, e será o primeiro complexo militar dessa magnitude no Nordeste. Antes de escolher Pernambuco, o Exército cogitou levar a obra para Ponta Grossa, no Paraná, e Santa Maria, no Rio Grande do Sul. Pesou a favor de Pernambuco a logística, pelo fato de Recife ser um dos principais polos do Nordeste, com aeroporto internacional e voos diários para todos os estados, além de contar com uma base militar bem estruturada, com hospitais e escolas. A previsão é de a obra começar em 2025 e ser concluída em 2032. •
Publicado na edição n° 1287 de CartaCapital, em 29 de novembro de 2023.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Devastação verde-oliva’
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