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Desventuras em série

Acossado por denúncias, Cláudio Castro vê a vantagem em relação a Freixo derreter na reta final da campanha

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Vidraça. Washington Reis, o vice de Castro, teve a candidatura impugnada. O ex-secretário Allan Turnowski foi preso - Imagem: Tânia Rêgo/ABR e Rafael Campos
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Quem é esse cara?” Elaborado pelos marqueteiros de Cláudio Castro, o slogan da propaganda de rádio e televisão do governador do Rio de Janeiro sintetiza a estratégia de levar aos eleitores mais informações sobre o titular do Palácio Guanabara e candidato à reeleição pelo PL. A ideia parecia boa. Castro, apoiado por Jair Bolsonaro, está no cargo desde agosto de 2020, quando substituiu o governador cassado Wilson Witzel, mas pesquisas qualitativas mostravam que ele permanecia desconhecido para mais da metade da população fluminense. O maior tempo de propaganda proporcionado pela coligação de 14 partidos deu ao governador o espaço necessário para vender o peixe de sua gestão, vitaminada pelos recursos obtidos com a privatização da Cedae, que permitiram dezenas de obras no interior. Castro cresceu nas pesquisas e chegou a abrir vantagem de 15 pontos porcentuais em relação ao deputado federal Marcelo Freixo, candidato pelo PSB apoiado por Lula e o PT. Mas tudo indica que a maré começou a virar nas últimas duas semanas, após denúncias jogarem luz sobre irregularidades cometidas por ex-secretários de Castro, além de trazerem o próprio governador para o centro de uma investigação sobre corrupção.

Ironicamente, o bordão “quem é esse cara?” tornou-se palavra de ordem da oposição e uma pergunta incômoda que travou o crescimento do governador. Na mais recente pesquisa Datafolha, divulgada em 15 de setembro, Freixo aparece com 27% das intenções de voto, novamente em situação de empate técnico com Castro, que soma 31%. Além disso, mais de um terço dos eleitores (36%) afirma que ainda pode mudar seu voto. Já a pesquisa Ipec divulgada na terça 20 mostra o governador estagnado no mesmo patamar de 15 dias antes (37%), enquanto o adversário do PSB cresceu 5 pontos e chegou a 27%.

A expectativa na reta final da campanha é da apresentação de provas por um ex-assessor de Castro que negociou sua delação premiada no âmbito da Operação Catarata, comandada pelo Ministério Público do Rio de Janeiro para investigar fraudes cometidas no governo estadual e na prefeitura do Rio. Na delação, o empresário Marcus Vinicius Azevedo da Silva afirmou que Castro, quando ainda era vereador na capital, recebeu 20 mil dólares em propina durante uma viagem de férias com a família à Flórida. O pagamento foi um “prêmio” por ele ter intercedido com sucesso junto ao então prefeito Marcelo Crivella para acelerar a aprovação de contratos que beneficiaram uma empresa dirigida pelo delator e outra pertencente ao empresário Flávio Chadud: “A gente tinha como mandar recurso através de doleiro para o exterior. Foi direto. Quando chegou lá, uma pessoa entregou para ele”, disse Silva. Os dólares serviram para pagar a viagem da família de Castro à Disney: “Dei uma parte. Flávio deu outra”.

O Datafolha de 15 de setembro já indica um cenário de empate técnico

A esperança de que as denúncias possam derreter a candidatura de Castro renovou os ânimos de seu principal oponente na disputa. “A transparência é um dos alicerces da democracia. O eleitor deve ser muito bem informado sobre seus candidatos. Todas as denúncias sobre Cláudio Castro, e não são poucas, foram publicadas na imprensa, que, ao contrário das fake news que são despejadas nas redes, faz um trabalho sério de checagem”, diz Freixo. O candidato do PSB pede atenção ao eleitor: “Já vivemos o trauma de ter cinco governadores presos e um afastado por corrupção. Castro caminha a passos largos para ter esse mesmo destino”.

O vazamento da delação premiada reacendeu uma antiga acusação que paira sobre Castro. Silva confirmou uma denúncia feita no ano passado por Bruno Selem, ex-funcionário da Servlog, empresa que mantinha contratos com o governo Witzel. Segundo Selem, o então vice-governador Castro teria recebido 100 mil reais em espécie como propina, após um contrato firmado entre a empresa e a Fundação Leão XIII, órgão destinado a dar assistência social à população de baixa renda. Sobre essa denúncia existe um vídeo que circula na internet e mostra Castro saindo do endereço citado na delação com uma mochila nas costas, que, de acordo com o delator, continha os maços de dinheiro.

Outro flanco de desgaste para o governador foi a prisão do ex-secretário de Polícia Civil Allan Turnowski, que havia deixado o posto para se candidatar a deputado federal pelo PL. Segundo as investigações realizadas pelo MP, ­Turnowski, que ficou conhecido nacionalmente por estar no comando da operação que resultou em 28 mortes na Favela do Jacarezinho no ano passado, recebia regularmente propina do jogo do bicho. Ao lado do delegado Maurício Demétrio, também preso, participou da elaboração de falsos flagrantes para atingir politicamente adversários do governador. Turnowski é o quinto integrante do primeiro escalão do governo estadual preso nos últimos três anos, engrossando uma lista que começou com o então secretário de Saúde Edmar Santos, acusado de corrupção na montagem de hospitais de campanha durante a fase aguda da pandemia, e teve sequência com Lucas Tristão (Desenvolvimento Econômico), Pedro Fernandes (Educação) e Raphael Montenegro (Administração Penitenciária).

Esperança. Freixo torce para que o delator de Castro apresente provas do pagamento de propina ao governador – Imagem: Márcio Menasce

Da mesma forma, vêm sendo exaustivamente exploradas pelos adversários de Castro as denúncias de que o Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores do Rio de Janeiro, o Ceperj, foi utilizado para pagamentos na boca do caixa a apoiadores que supostamente participaram da execução de programas sociais do governo. A lista de 27 mil beneficiários inicialmente não identificados inclui 1,2 mil servidores do governo, da Assembleia Legislativa do Rio e de prefeituras aliadas. O governador nega as acusações: “Não comento ações em segredo de Justiça. O vazamento desse conteúdo é criminoso e visa única e exclusivamente interferir no processo eleitoral. Infelizmente, no Rio, há uma indústria de delações feitas por criminosos que querem se livrar da cadeia e acusam autoridades de forma leviana”, disse em nota. Sobre o Ceperj, Castro admite que possa ter ocorrido um “erro de transparência” nos pagamentos efetuados e diz já ter proposto um Termo de Ajustamento de Gestão ao MP. Por conta das denúncias, a direção do Ceperj anunciou a extinção de seis programas: Agentes de Trabalho e Renda; Esporte Presente; Casa do Consumidor; Cultura Para Todos; Resolve RJ; e Junta Perto de Você.

Dos 24,9 bilhões de reais obtidos com o leilão da Cedae, pelo menos 193 milhões irrigaram a folha de pagamentos do ­Ceperj. A controversa venda da lucrativa estatal também possibilitou o lançamento pelo governo estadual do Pacto RJ, a prever investimentos de 17 bilhões de reais em 50 projetos junto a prefeituras do interior: “O uso da máquina administrativa não é uma novidade na política fluminense. Os recursos da venda da Cedae estão obviamente sendo usados para a compra de votos, mais uma vez reproduzindo em larga escala a prática política clientelista de um modelo muito bem montado a partir do governo Chagas Freitas, repetido por Moreira Franco e no segundo governo Brizola, e intensificado por Garotinho, Rosinha, Cabral, Pezão e Witzel”, observa o cientista político Luiz Eduardo Motta. Castro, acrescenta o professor da UFRJ, “despiu-se do véu” da moralidade administrativa. “Ele, ao lado de Witzel, foi eleito com o discurso moralista da extrema-direita, mas hoje rompe com esse discurso e externaliza a prática clientelista que era negada em 2018.”

“Não podemos deixar de apontar os riscos que o Rio corre se reeleger Castro”, diz Freixo

O inferno astral do governador inclui um importante revés político com a renúncia do vice em sua chapa, ­Washington Reis, do MDB, que foi substituído pelo deputado estadual Thiago Pampolha, do União Brasil. Com uma condenação de 2016 por crime ambiental confirmada em 31 de agosto pela Segunda Turma do STF, o ex-prefeito de Duque de Caxias, hoje um baluarte do bolsonarismo, não teve escolha após sua candidatura ser negada pela Justiça Eleitoral. Com isso, Castro perdeu seu principal cabo eleitoral na Baixada Fluminense, região onde os votos costumam ser pendulares. Para piorar, Reis retornou às páginas policiais no dia seguinte, ao ser alvo de uma operação conjunta da Polícia Federal e do MP fluminense que investiga o favorecimento a uma cooperativa ligada ao empresário Mário Peixoto, que atuou na área de saúde em Duque de Caxias e recebeu 563,5 milhões de reais da prefeitura na gestão do emedebista.

Na reta final da campanha, os adversários pretendem explorar a proximidade de Castro com figuras como ­Turnowski, Reis e Witzel, que, segundo o Datafolha, têm a rejeição de 47% do eleitorado. Nas tropas de Freixo, as projeções para o segundo turno são animadoras. Na pesquisa Datafolha, a vantagem de Castro (43%) é de apenas 2 pontos para o candidato do PSB, que aparece com 41% em situação de empate técnico com o governador. Já na pesquisa Ipec, a vantagem sobre Freixo é de 10 pontos (45% a 35%). “É uma disputa em aberto. Com a ajuda de Lula, que vencerá no primeiro turno e poderá vir mais vezes ao Rio, vamos ganhar esta eleição”, diz Freixo. Na segunda rodada, a estratégia será ampliar o alcance das denúncias contra o governador. O pessebista diz que sua candidatura é propositiva, mas que “não podemos deixar de apontar os riscos que o Rio corre se reeleger Castro”.

Fantasmas. Castro admite “erro de transparência” nos pagamentos feitos pelo Ceperj – Imagem: Marcelo Freixo 40

Tudo indica que haverá segundo turno na disputa estadual, diz Motta. “E vai ser uma nova eleição, uma incógnita. Se abrirá um novo campo de debate sobre alianças.” O cientista político avalia que o atual cenário permite uma eventual virada de Freixo: “Essas denúncias fortíssimas de corrupção no aparato estatal estão tendo um efeito negativo na campanha do governador”. Motta avalia que “é complicado afirmar” que o eleitor fluminense esteja anestesiado ou imune às denúncias de corrupção, após ter tantos ex-governadores presos: “Só as urnas responderão a esse enigma”.

Apesar da possível virada sugerida pelas pesquisas, o sociólogo Marcos Coimbra relativiza o impacto das denúncias de corrupção sobre uma população tão maltratada pelos desmandos de seus governadores: “A descrença no sistema político é grande no Rio e existe pouca curiosidade acerca de denúncias sobre governantes. É impossível dizer se haverá impacto sobre a candidatura de Castro”, diz. O presidente do Instituto Vox Populi é irônico ao fazer uma constatação: “As denúncias contra Castro certamente serão decepcionantes para os eleitores que acreditavam nele”. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1227 DE CARTACAPITAL, EM 28 DE SETEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Desventuras em série “

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