Política

Tributos, desintoxicar para reformar

A tributação do consumo gera bons resultados no curto prazo e falência, no longo

No Brasil, a tributação do consumo é tóxica
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É bem verdade que o “tributo é o preço que pagamos pela civilização”, como quis o magistrado norte-americano Oliver Wandel Holmes. O tributo está para a nutrição das relações sociais assim como o alimento está para a nutrição do corpo. Só que, quando se trata de tributação do consumo, aqui no Brasil pagamos mais por menos civilização.

E isso em função de um mau design de tributos e uma federação em que a competição é quase tudo e a cooperação quase nada. Poderíamos dizer que, por aqui, embora alimento de civilização, contém muitos elementos tóxicos. No Brasil, a tributação do consumo é tóxica.

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As consequências disso se dão na forma de obstrução do crescimento econômico, desestímulos aos investimentos, insegurança jurídica, portas abertas para a sonegação, corrupção e outras anomalias insistentemente lembradas pelos defensores de sua reforma.

Não bastasse isso, a toxidade do nosso modelo provoca um mal, tão pernicioso e corrosivo quanto esses, porém mais sutil e insidioso: aqui, todos desconfiam de todos, o setor privado do governo, como o governo do setor privado.

Para os primeiros, o governo, qualquer governo, só quer arrecadar e, para isso, comete todo tipo de arbitrariedade. Para o governo, o contribuinte, qualquer um, está sempre à espreita de uma oportunidade para sangrar os cofres públicos. Com os representantes do setor público dos três níveis da federação acontece o mesmo: todos desconfiam de todos.

Por isso, o processo de criar viabilidade para a aprovação de uma proposta de reforma tornou-se uma questão tão importante quanto a própria qualidade da proposta. Os estados tentam a todo custo produzir uma receita que somente o crescimento econômico e uma política de desenvolvimento regional poderiam trazer.  Nessa luta encarniçada, qualquer recurso é válido. 

A produção normativa ganhou escala industrial tornando-se um enorme esforço de criar normas para anular normas, numa tal escala que as regras tornaram-se exceção e as exceções, regras. Entre União e estados ocorre a mesma disputa: os ressentimentos são recíprocos, chegando a superar aqueles que um estado alimenta em relação a outro. União e estados disputam a tributação sobre uma mesma base, deixando de lado qualquer preocupação com sua harmonização.

Entre estados e municípios não é diferente. Os dois impostos de suas competências, ICMS e ISS, respectivamente, disputam um espaço de tributação tentando alargar uma fronteira cada vez mais difusa e artificial. A divisão entre o que é mercadoria e o que é serviço faz antever a ampliação desses conflitos num nível ainda mais encarniçado.

Temos uma federação fraturada, que condena o país a um atraso desnecessário. A busca quase desesperada por arrecadar no curto prazo, tem levado União, estados e municípios a se utilizar de recursos cada vez mais exóticos, levando-nos a participar da Marcha da Insensatez de que fala Fernando Rezende.

O resultado é uma complexidade que só se avoluma, porque se retroalimenta continuamente, produz um contencioso descomunal e custos de conformidade que estão entre os maiores do planeta. Juntos, esses problemas explicam uma parte do crescente descrédito do setor público junto à população.

Querer arrecadar sempre mais e em prazo cada vez mais estreito, é fazer o mesmo que faz um atleta que se utiliza de doping para obter resultados esportivos no curto prazo. Os resultados podem ser obtidos, mas com o sacrifício da saúde do corpo e de uma carreira prolongada. O que fazemos com nossa tributação do consumo é a mesma coisa: alguns bons resultados no curto prazo e falência, no longo.

Precisamos de um novo modelo de tributação, sem os “puxadinhos” tributários que só aumentam a complexidade e as vulnerabilidades do sistema e aumentam sua toxidade. Precisamos de uma solução nova, integral, que produza uma convivência cooperativa entre os entes federados e entre esses e o setor privado.

Isso não significa deixar de lado os problemas reais que temos para fazer o jogo do contente. Significa dissolvermos nossos traumas e nos desintoxicarmos para, juntos, enfrentarmos de peito aberto a nossa realidade com uma visão generosa de país. É isso que defende o Movimento VIVA e que nos faz apelar para um grande concerto social em torno de uma proposta de qualidade para nossa tributação do consumo.

Só assim poderemos pagar um preço menor por mais civilização.

JOSÉ ROBERTO SOARES LOBATO, diretor de assuntos estratégicos da Associação dos Agentes Fiscais de Rendas de São Paulo (Afresp), economista pela FEA-USP e coordenador do Movimento VIVA.

RODRIGO KEIDEL SPADA é auditor fiscal de São Paulo, vice-presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), presidente da Afresp, formado em Direito pela UNESP, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA – USP.

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