Política
Dentro da Ceasa
Programa amplia o acesso de agroindústrias de pequeno porte a valiosos pontos de venda no País


No “país do agronegócio”, onde uma elite de grandes fazendeiros acumula fortunas com monoculturas voltadas à exportação e 65% dos alimentos consumidos pela população vêm de pequenos produtores, a abertura de mercados para a comercialização de itens da agricultura familiar ainda é uma obra em progresso. Ampliar o acesso dos brasileiros a uma produção mais saudável e diversificada, em contraste com a imposta pela indústria de ultraprocessados e pelas grandes redes varejistas, traria benefícios evidentes para as duas pontas da cadeia. Essa é uma bandeira histórica dos movimentos sociais e uma das metas do governo Lula. No entanto, transformar boas intenções em prática bem-sucedida requer iniciativa e trabalho conjunto.
Um importante passo nesse sentido está sendo dado em Minas Gerais, por meio de uma parceria entre a Ceasa e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), que, desde junho, permite a venda de diversos produtos da agricultura familiar na unidade da central de abastecimento em Uberlândia. Com foco em grupos prioritários – como assentados da reforma agrária, quilombolas, indígenas e pequenos produtores em perímetros urbanos –, o programa Caminhos da Inclusão tem como objetivo promover a regularização sanitária como instrumento de acesso das agroindústrias de pequeno porte aos principais espaços de venda do País.
Após a realização das primeiras oficinas, mais de cem produtores rurais mineiros estão cadastrados e 38 já comercializam seus produtos em Uberlândia. Outros dois entrepostos da Ceasa, em Governador Valadares e Contagem, receberão os primeiros agricultores dos grupos prioritários em agosto. No sábado 19, será inaugurada em Valadares uma horta comunitária que comercializará seu excedente de produção. Em Contagem, sede de uma das maiores centrais de abastecimento do Brasil, representantes do MDA e da Ceasa já iniciaram o cadastramento de pequenos produtores. Também foram realizadas visitas a regiões produtoras nos municípios de Araguari, Betim, Esmeraldas, Fortuna de Minas, Monte Alegre, Nova União, Paraopeba, Pitangui e São Joaquim de Bicas.
Dedicada ao cultivo de hortaliças no bairro Chácaras Bonanza, na área urbana de Uberlândia, Ludmila Ribeiro atesta o sucesso da iniciativa. “Produzimos há dois anos. No começo, a produção era pequena, e a gente vendia para pessoas próximas ou fazia entregas em sacolões. Depois que entramos para a Ceasa, aumentamos a produção e hoje vendemos quatro vezes mais. No atacado, conseguimos vender muito mais e em menos tempo, o que ajudou bastante no custo-benefício da logística, já que escoamos praticamente 90% da produção para a Ceasa.” Segundo Ludmila, o contato direto com comerciantes, feirantes e consumidores finais abriu portas para novos clientes fixos e até contratos com mercados e restaurantes. “Outro ponto importante é o incentivo à organização da produção e ao planejamento da colheita, uma vez que a demanda se torna mais constante”, acrescenta.
A iniciativa foca na regularização sanitária de produtos provenientes da agricultura familiar
Integrante do MST e produtor no Acampamento Zequinha Nunes, em São Joaquim de Bicas, Vagner Rodrigues destaca a importância do projeto também para o meio ambiente e a saúde da população. “Hoje, o MST é o maior produtor de arroz orgânico da América Latina. Nos acampamentos, adotamos práticas agroecológicas, com base na produção agroflorestal. Ainda não temos o selo de produtores orgânicos, mas não usamos nenhum defensivo químico. Nossa produção é sempre natural”, afirma. Para Fábio Nunes, presidente da Cooperativa Camponesa Central de Minas Gerais, o maior desafio continua sendo a inserção no mercado. “A agricultura familiar consegue organizar a produção, mas muitas vezes encontra dificuldade para acessar os canais de venda.”
Para enfrentar essas lacunas, o programa Caminhos da Inclusão é um dos eixos da Estratégia Nacional de Apoio à Inclusão Sanitária. Segundo o governo, a proposta visa identificar os principais gargalos na certificação sanitária das cadeias produtivas da agricultura familiar. “São levadas em consideração também as especificidades das cadeias de produtos da sociobiodiversidade, bem como as particularidades geográficas e culturais de comunidades quilombolas, indígenas e demais povos e comunidades tradicionais. O objetivo é qualificar o processo de fiscalização e emissão de registros sanitários das agroindústrias familiares, com foco na inclusão produtiva, social e sanitária desses empreendimentos”, explica Raquel Martins Luciano, coordenadora de Apoio à Inclusão Sanitária do MDA.
Secretária nacional de Abastecimento do MDA, Ana Terra Reis afirma que todas as cooperativas que participam do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) “podem e devem” estar inseridas nos processos de inclusão sanitária promovidos pelo governo. “As cooperativas, em geral, já seguem critérios rigorosos de controle sanitário. Todas aquelas que comercializam produtos agroindustrializados passam por processos de certificação, seja no âmbito federal, seja no estadual ou municipal”, afirma. “O ideal, para nós, é que todas as cooperativas que desenvolvem projetos ou atuam com agroindústria estejam devidamente vinculadas a serviços de inspeção e incluídas sanitariamente.”
Reis destaca que diversas ações vêm sendo realizadas com esse objetivo, entre elas o Seminário Nacional de Agroindústria e Inclusão Sanitária, realizado em 2024. No evento, foram apresentadas as principais demandas de cooperativas e demais organizações da agricultura familiar. “A partir dos encaminhamentos definidos no seminário, estão sendo promovidas atividades de formação em todo o Brasil, como palestras e oficinas, com o objetivo de apoiar essas organizações na adequação e regularização de suas produções, especialmente a agroindustrial”, informa. A secretária também ressalta que a regularização sanitária dos produtos, por meio dos serviços de vigilância ou inspeção, é um requisito obrigatório e prévio para a obtenção do Selo Nacional da Agricultura Familiar (Senaf).
Para Felipe Ávila, diretor técnico da Ceasa Minas, um dos maiores destaques do Caminhos da Inclusão é a aproximação com agricultores que, por falta de informação, muitas vezes não comercializam nos entrepostos da Ceasa. “Está no escopo do programa orientá-los para que possam utilizar insumos importantes no manejo agroecológico. Oferecemos ainda orientação sobre a importância do cooperativismo e do associativismo rural.” •
Publicado na edição n° 1371 de CartaCapital, em 23 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Dentro da Ceasa’
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