Política

Defensor de Temer, Doria recebe ajuda federal para projeto anti-crack

Auxílio ao prefeito, entusiasta da permanência do PSDB no governo, é intermediado pelo ministro Osmar Terra, apoiador da internação compulsória

João Doria e o ministro do Desenvolvimento Social, Osmar Terra: defensores da internação
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A gestão João Doria (PSDB) receberá 25 milhões de reais do governo Michel Temer (PMDB) para seu programa na Cracolândia de São Paulo, batizado de Redenção. O repasse será feito pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS), comandado pelo médico e ex-deputado federal Osmar Terra (PMDB-RS), defensor da internação de usuários de drogas.

A parceria foi selada na sexta-feira 9, na mesma semana em que Doria defendeu a permanência do PSDB na base aliada de Temer. “Nosso inimigo é o PT”, disse ele no dia 5, durante encontro do diretório estadual tucano. As palavras seriam repetidas na segunda-feira 12, na reunião da executiva nacional em que foi decidido que o PSDB se mantém no governo e na qual o prefeito teve participação de destaque. Doria é com frequência citado como eventual candidato do PSDB à Presidência da República, e contar com o apoio do PMDB em 2018 seria estratégico.

De acordo com a Prefeitura de São Paulo, o repasse “emergencial” de 25 milhões de reais será destinado à Secretaria Municipal da Assistência Social para investimento no Redenção. A pasta não deu detalhes e informou apenas que os recursos serão utilizados na instalação de equipamentos e serviços.

O MDS também concedeu um reajuste no valor repassado anualmente aos municípios, e São Paulo deve receber outros 25 milhões de reais, aproximadamente, por conta dessa correção. De acordo com a prefeitura, essa verba será usada pela Assistência Social em outras ações de atendimento a usuários de drogas, totalizando 50 milhões de reais para esse fim.

O hoje ministro Osmar Terra é autor de um projeto (PL 7663/2010) que pretende endurecer a Lei de Drogas (11.343/2006). O texto sugere, por exemplo, que a “internação para desintoxicação” – incluindo a internação compulsória – seja transformada em política pública de combate às drogas e prevê que, “na hipótese da inexistência de programa público de atendimento adequado à execução da terapêutica indicada, o Poder Judiciário poderá determinar que o tratamento seja realizado na rede privada”.

O ministro é entusiasta das comunidades terapêuticas, instituições privadas para tratamento de usuários de drogas que são “equipamentos sociais”, e não “equipamentos de saúde”. Ligadas muitas vezes a políticos e religiosos, essas entidades recebem recursos públicos e são bastante criticadas por parte da comunidade científica.

Com pouca fiscalização, as comunidades terapêuticas são com frequência envolvidas em denúncias de violações de direitos humanos. Dossiê publicado em 2016 pelo Conselho Regional de Psicologia de São Paulo apontou casos de trabalho forçado, participação obrigatória em cultos religiosos, medicação excessiva, violação de correspondência e discriminação.

Embora o comando da Assistência Social não pressuponha posição de liderança no debate sobre drogas, a questão se mantém como prioridade para Osmar Terra. Basta lembrar que em agosto de 2016 o ministro se auto-indicou para uma vaga no Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas (Conad) após a controversa “demissão” do representante da pasta no colegiado.

“Mesmo em um ministério importantíssimo, que tem simplesmente o Bolsa Família para cuidar e aperfeiçoar, o Osmar Terra colou sua ação política na questão das drogas e agora aproveita politicamente essa discussão sobre a Cracolândia”, afirma o antropólogo Mauricio Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). “Esse repasse precisa ser aplicado com transparência. Nós precisamos saber para onde vão esses recursos, se vão para o serviço de acolhimento da Assistência Social ou se vão para as comunidades terapêuticas, que ele [ministro] defende abertamente.”

A Plataforma solicitou informações sobre o programa Redenção à prefeitura e ainda aguarda parte das respostas. “Está mais do que claro que houve falta de planejamento. O programa começou a ser desenhado após a operação da polícia [do dia 21 de maio]”, completa Fiore.

A operação da Polícia Militar naquele domingo surpreendeu até mesmo secretários de Doria que trabalhavam na elaboração do Redenção, que não estava pronto. Então secretária de Direitos Humanos de Doria, Patrícia Bezerra pediu demissão após classificar a operação como “desastrosa”. A ação violenta fez com que a Cracolândia migrasse da alameda Dino Bueno para a praça Princesa Isabel, que também tem sido alvo de operações policiais.

O Redenção ainda não foi regulamentado em lei. Depois que o Tribunal de Justiça de São Paulo extinguiu a ação da prefeitura que pedia autorização para efetuar a remoção compulsória de usuários, os governos do Estado e do município anunciaram a ampliação dos leitos para internação em hospitais.

Não houve menção às comunidades terapêuticas, mas o governador Geraldo Alckmin, outro presidenciável tucano, já havia dito, após a primeira ação policial na Cracolândia, que o poder público realizou “320 internações no Cratod [Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas] ou comunidade terapêutica ou hospital”. O programa estadual de combate ao crack, chamado Recomeço e que atua em parceria com o Redenção, mantém convênio com diversas comunidades terapêuticas.

Em audiência pública sobre a Cracolândia promovida na terça-feira 13 pela Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), o psiquiatra Mauro Aranha, presidente do Conselho Regional de Medicina (Cremesp), criticou as “atitudes intempestivas do poder público” e cobrou transparência nas ações. “A transparência contribuirá para que nenhum desses equipamentos de atenção à saúde ou atenção social fiquem invisíveis à fiscalização da sociedade civil organizada.”

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