Política
De volta ao berço
A estratégia do PT para retomar o “cinturão vermelho” na Grande São Paulo


Um dos desafios do PT nas eleições deste ano é reconquistar o eleitorado do ABC paulista e de outros municípios estratégicos no entorno da capital. A hegemonia no chamado “cinturão vermelho” foi interrompida em 2016, quando o partido perdeu mais da metade das prefeituras que controlava, uma debacle embalada pelo lavajatismo e pela deposição de Dilma Rousseff. A estratégia, agora, é apostar na mesma fórmula que garantiu a vitória de Lula em 2022, com Geraldo Alckmin como vice: buscar alianças amplas, não restritas às legendas do campo progressista. Entre as prioridades está São Bernardo do Campo, antigo polo industrial e berço político do presidente Lula, onde ele vivia até 2022, quando precisou arrumar as malas para voltar a ocupar o Palácio do Planalto no início do ano seguinte.
Pré-candidato à prefeitura de São Bernardo, o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira acredita haver um desejo de mudança no ar, após oito anos de governo de Orlando Morando, do PSDB. “Unimos forças de campos políticos diferentes para retomar a cidade que tem sido muito prejudicada com o desmonte de políticas públicas e a desindustrialização”, comenta Teixeira. A exemplo de Lula na disputa pelo terceiro mandato, o petista disputará a eleição deste ano com um antigo adversário político no posto de vice, o ex-prefeito William Dib, do PSB. “Ele nos derrotou em duas eleições, depois nós o derrotamos. É do jogo. As diferenças são menores que os objetivos em comum.”
Com a bênção de Alckmin e do ministro do Empreendedorismo, Márcio França, a chapa foi articulada por Luiz Marinho, ministro do Trabalho e prefeito da cidade por dois mandatos. “O Marinho e o Dib já foram adversários ferrenhos. O que nos uniu é a necessidade de estancar a crise na cidade, que vem sofrendo com a fuga de grandes empresas”, diz Teixeira, em alusão ao fechamento da fábrica da Ford e à transferência da Toyota para o interior paulista. “Estamos vendo o empobrecimento da população, o comércio fechando, e acreditamos que São Bernardo tem um imenso potencial para voltar a ser uma das maiores economias do País.”
O partido busca alianças amplas e inspira-se no sucesso da dupla Lula-Alckmin no pleito de 2022
Antigo polo da indústria automobilística, a cidade sofre com um processo de desindustrialização iniciado nos anos 1990, mas que se intensificou na última década. Esse processo enfraqueceu os sindicatos dos metalúrgicos e de outras categorias profissionais, que no fim da década de 1970 foram protagonistas da luta dos trabalhadores contra a ditadura. Apesar disso, o pré-candidato garante que os sindicalistas seguem mobilizados e terão papel fundamental na campanha petista. O desafio, segundo o ministro Marinho explica, é ampliar a capilaridade do PT no setor de serviços, buscando maior proximidade com trabalhadores de aplicativos. “É um novo momento do mundo do trabalho, as atividades econômicas estão mais diversas e nós também precisamos apresentar propostas para a nova classe trabalhadora.”
Dos sete municípios do Grande ABC – Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e Rio Grande da Serra – o PT chegou a governar cinco simultaneamente no auge do primeiro mandato de Lula. Hoje controla apenas as cidades de Diadema e Mauá, onde os prefeitos José de Filippi Júnior e Marcelo Oliveira, respectivamente, disputam a reeleição.
Pré-candidata à prefeitura de Santo André, a professora Bete Siraque conta com a presença de Lula e seus ministros em seu palanque. “A deputada Gleisi Hoffmann, presidente do PT, já veio aqui e garantiu apoio. Há pouco tempo, recebemos também o ex-ministro José Dirceu. É notório que o partido está empenhado em recuperar a hegemonia na região”, avalia. Ex-vereadora e ex-secretária-adjunta de Educação, Siraque estende o convite à primeira-dama Janja. “Ela fez uma reunião com todas as pré-candidatas do Brasil e garantiu que estará presente para potencializar essas candidaturas.” A chapa ainda não foi definida, mas a aliança conta com PCdoB, PV, PSOL, Rede e PDT.
São Paulo. Marinho projeta crescimento do número de prefeitos e vereadores no estado – Imagem: Redes sociais
Segundo Marinho, uma das prioridades do PT é voltar a fincar raízes no território paulista. “Passamos esse último período buscando lideranças que tivessem maior expressão para liderar cada chapa, mas tendo clareza de que o ideal é buscar composições mais amplas.” Nas cidades onde o PT não tiver quadros de relevo, a ideia é apoiar aliados e focar no Legislativo. “Podemos crescer muito no estado. Devemos ampliar não apenas o número de prefeituras, mas também a nossa presença nas Câmaras Municipais.”
O deputado federal Kiko Celeguim, presidente do diretório estadual do PT, avalia que o partido tem grandes chances de recuperar as prefeituras de São Bernardo do Campo e Osasco, na Região Metropolitana, onde o pré-candidato é o deputado estadual Emídio de Souza, que foi prefeito por dois mandatos e elegeu seu sucessor. Em Mauá e Diadema, busca-se a reeleição dos prefeitos petistas e a ampliação do número de vereadores. Em Santo André, procura-se ao menos levar a disputa para o segundo turno, além de fortalecer os laços políticos. Em Rio Grande da Serra e Ribeirão Pires, o partido está disposto a apoiar candidatos de agremiações aliadas. O PT jamais governou São Caetano do Sul e pretende apostar em uma candidatura ideológica, de um sindicalista. “Nossas candidaturas mesclam nomes já experientes, como é o caso de Emídio, e quadros novos, que chegam com o apoio dos antigos para ganhar solidez, como o Luiz Fernando.”
O PT chegou a governar cinco das sete cidades do Grande ABC simultaneamente. Hoje, controla só Diadema e Mauá
Na avaliação de Celeguim, são muitos os fatores que fizeram o partido perder hegemonia na região. Primeiro, houve o estrago provocado pela Lava Jato. Depois, a instabilidade política que culminou no impeachment de Dilma. Mas o deputado também aponta um processo de renovação geracional dentro do PT. “Quem chega agora não tem a mesma densidade eleitoral de quem já está estabelecido no cenário político. Para ganhar essa densidade, é preciso passar por testes eleitorais.” No caso de São Bernardo do Campo, por exemplo, ele acredita que o apoio de Marinho será decisivo. “Quando o eleitorado souber que Luiz Fernando representa a continuidade do trabalho desenvolvido pelo ministro na cidade, muda a expectativa. Nas eleições de 2022, o PT teve bom desempenho na cidade. Haddad e Lula receberam muito mais votos do que Tarcísio de Freitas e Jair Bolsonaro.”
Na disputa pela prefeitura de Osasco, Emídio de Souza explica que, além de reproduzir a estratégia da aliança “Lula-Alckmin”, o partido também deve apresentar programas de governo focados em soluções modernas, cidades inteligentes e reestatização de serviços que foram privatizados. “Trata-se de cidades que nós já governamos, onde temos tradição e legado. Mas isso não basta, porque a disputa política é muito dinâmica. Sabemos que é hora de apresentar novas propostas, um programa de governo capaz de atender às demandas da população.” A retomada do “cinturão vermelho”, acrescenta o pré-candidato, também é importante para “sedimentar o caminho de uma futura disputa presidencial de Lula em 2026”. •
Publicado na edição n° 1315 de CartaCapital, em 19 de junho de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘De volta ao berço’
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