Cultura
Daniela Mercury: “O Brasil está sem liderança”
Em entrevista, a cantora e compositora explica porque decidiu apoiar o impeachment de Bolsonaro
Na resistência aos desmandos de Jair Bolsonaro desde o primeiro dia de mandato, Daniela Mercury relutou muito em considerar a possibilidade de apoiar um pedido de afastamento do presidente. O processo é sempre traumático, e pode custar um preço ainda mais elevado em tempos de pandemia, pondera. Apesar da constatação, a cantora acredita que o Brasil chegou a uma situação limite.
“Sou uma pessoa de esquerda, faço oposição ao governo e defendo o Estado de bem-estar social, mas não acho que essa divergência é razão suficiente para pedir o impeachment. A questão não é pensar diferente, a questão é que o País está sem liderança e as ações de Bolsonaro são nocivas para toda a sociedade”, diz Daniela. “Precisamos travar esse debate, não dá mais para esperar”.
CartaCapital: Por que apoiar o impeachment de Bolsonaro?
Daniela Mercury: É muito desagradável puxar esse debate nesse momento, em meio à crise do coronavírus, mas chegamos a uma situação limite. A sociedade civil apresentou vários pedidos de impeachment, e acaba de protocolar outro, com mais de 500 assinaturas, porque chegou à conclusão de que é preciso colocar um freio ao presidente. O Brasil está sem liderança, perdido em um caos político causado pela incapacidade de Bolsonaro para o diálogo. Desde o início, ele demonstra-se incapaz de ouvir o contraditório e administrar o País, sem falar das graves acusações de interferência na Polícia Federal.
CC: A forma como Bolsonaro enfrenta a crise do coronavírus também tem um peso forte, não?
DM: Sem dúvida. Mesmo os presidentes de centro-direita e extrema-direita do mundo respeitaram a ciência nas ações de combate à pandemia, mas ele ignora as orientações da Organização Mundial da Saúde. Perdemos dois ministros, estamos completamente sem rumo. Vemos constantes agressões do governo brasileiro a outros países, o que atrapalha muito as relações internacionais. Não existe uma solução para essa crise sem cooperação internacional, principalmente diante da recessão que se avizinha. Fora o ataque às instituições democráticas, o desrespeito com a imprensa, o descaso com a cultura, as ameaças contra a natureza…
“Por muito menos, aconteceu o impeachment de Dilma Rousseff. À época, a alegação foi de que ela cometeu pedaladas fiscais. Agora, é muito pior”, argumenta a cantora.
CC: Isso basta para pedir o impeachment de Bolsonaro?
DM: Veja, eu sou uma pessoa de esquerda, faço oposição ao governo e defendo o Estado de bem-estar social, mas não acho que essa divergência é razão suficiente para pedir o impeachment. A questão não é pensar diferente, a questão é que o País está sem liderança e as ações de Bolsonaro são nocivas para toda a sociedade. Diariamente, ele cultiva crises que atrapalham profundamente a nossa vida. Nesse ano e pouco de governo, não passamos um dia sem uma fala do presidente agredindo ou constrangendo alguém, sem falar das denúncias de interferência na PF e outros escândalos envolvendo os seus filhos.
CC: É verdade, as crises se sucedem…
DM: A situação é muito grave. Se Bolsonaro fosse um líder de esquerda, será que a sociedade estaria suportando tudo isso? Se tivéssemos uma mulher no poder, a tolerância seria a mesma? Por muito menos, aconteceu o impeachment de Dilma Rousseff. À época, a alegação foi de que ela cometeu pedaladas fiscais. Agora, é muito pior.
CC: Na sua opinião, qual foi a gota d’água?
DM: Eu resisti muito em considerar o impeachment. Apesar de ser uma pessoa que pensa completamente diferente do governo, eu acho que esse processo traz um preço altíssimo para o Brasil pagar diante da crise sanitária que estamos passando, de todos os desafios sociais e econômicos que teremos de lidar. Mas considero inevitável discutir mais profundamente os crimes cometidos por Bolsonaro, os ataques à democracia, a provocação contínua aos outros poderes da República. Além disso, ele muda de opinião e troca de ministros a todo instante. Demonstra estar perdido, sem condições mínimas de liderar o País nesse momento tão delicado. Precisamos travar esse debate, não dá mais para esperar.
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