

Opinião
Da ressurreição das agências de risco à PEC do Estouro
Trata-se de uma escada para pressionar o futuro governo e Congresso contra um fundo que garanta que pobres, miseráveis e famintos recebam o Bolsa Família


Vejam como o acaso dos fatos da semana, por si só, já é elucidativo do que vivemos e do que viveremos por muitos anos. Na mesma semana em que recebemos a notícia de que o projeto de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro para comprar a reeleição fez com que milhares de bolsistas da Capes ficassem sem receber as suas – já defasadas – bolsas de pesquisa, o jornal O Globo ressuscitou as agências de risco. Lembram delas? Aquelas que passaram quase quatro anos sumidas de nossos grandes veículos.
Mas por quê? Simples. Porque Paulo Guedes e Jair Bolsonaro desde sempre assumiram o compromisso e, efetivamente, realizaram um governo voltado para o desmonte dos serviços públicos do Estado com doses cavalares de aversão absoluta a qualquer tipo de política social voltada para o combate à pobreza, à miséria, à fome, às desigualdades sociais, contanto que a roda da fortuna do rentismo (a turma de Paulo Guedes) continuasse girando bastante azeitada. Nessa equação, fica bastante claro que o tal “mercado” está se lixando para o tal do teto de gastos, uma ficção criada para conter quaisquer avanços duradouros em matéria de políticas sociais – um dos tantos legados do impeachment de 2016.
Por que as agências foram ressuscitadas? A chamada de O Globo é bastante clara: “País tem chance de ser rebaixado por agências de risco se PEC da transição chegar a R$ 200 bilhões”.
Trata-se apenas de uma escada para pressionar o futuro governo, Congresso, etc., para frear a possibilidade do Estado brasileiro manter um fundo, por alguns anos, que garanta que pobres, miseráveis e famintos recebam suas parcelas do Bolsa Família. Que garantamos, como nação, um contrato social de combate à fome, de segurança alimentar num país com mais de 30 milhões de famintos.
Contudo, vocês não vão se lembrar de qualquer notícia do tipo enquanto Paulo Guedes e Jair Bolsonaro arrombavam o teto de gastos e raspavam no tacho a Fazenda pública com o objetivo de comprar votos para a reeleição distribuindo bilhões a esmo sem qualquer moldura racional, responsável e bem-intencionada. Assim como o próprio “mercado”, essa entidade quase mediúnica que é sacada pela maioria de nossa grande imprensa sempre que o risco de políticas sociais a serem implementadas apareçam no horizonte.
Por sinal, alguém viu alguma reação do mercado diante do não-pagamento das bolsas de pesquisa de milhares e milhares de profissionais e estudantes? Pois é. Assim como, raramente, vimos alguma designação negativa para a chamada PEC dos Precatórios na grande imprensa. Obra de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro, aquela PEC foi, basicamente, um subterfúgio para aplicar calote em quem tinha valores a receber por parte do Estado. Deveríamos esperar algo como PEC do Calote, mas o que vimos foi um mero batismo descritivo. Bem diferente de como a PEC desse governo de transição já está sendo chamada: PEC do Estouro.
A diferença é gritante. As razões? Bem simples, como creio já estar evidente a este ponto. Temos um Fazenda efetivamente estourada por uma dupla que já é tratada como algo do passado. Paulo Guedes foi blindado de todas as formas possíveis nas coberturas econômica e políticas da grande imprensa. Inclusive escondendo-o sob termos e chamadas genéricas que subtraíam seu nome. Preparem-se porque, com Fernando Haddad assumindo a pasta, não teremos mais o “Ministério da Economia (ou da Fazenda), mas “O ministério de Haddad”, “as políticas de Haddad”, “os erros de Haddad”. O sujeito oculto já já vira coisa do passado porque a atribuição de responsabilidade passará a buscar o CPF.
Mas eis o ponto fundamental aqui: todas as equipes de transição do governo eleito mostram diagnósticos assustadores para os próximos anos. Isso estava claro ao longo da corrida eleitoral, mas foi extremamente ofuscado pela cobertura eleitoral nos moldes do que chamamos de corrida de cavalos (horse race). Nunca houve um real interesse em demonstrar que o Estado estava sendo dilapidado por Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Coisa inimaginável se fosse um Lula ou Dilma Rousseff o fazendo.
Ao que tudo indica, não demora muito para que esse legado de destruição, esse cenário de terra completamente arrasada sejam, aos poucos, jogados no colo da responsabilidade desse terceiro Governo Lula. Jair Bolsonaro e Paulo Guedes já se tornaram, praticamente, coisa do passado. Basta que constatemos toda a patrulha sobre a PEC que visa garantir recursos para não desamparar quem nem mais o básico possui quando constatamos, toda semana, que o Estado brasileiro foi roubado como nunca antes.
Se o Governo Lula tiver a lucidez que acho que deva ter, é preciso bolar um bom plano de comunicação para contar todas as verdades sobre o legado deixado por Guedes e Bolsonaro. Deve usar de todos os recursos disponíveis para tanto por uma simples razão: os grandes veículos já estão dando todos os sinais de que não estão muito interessados em contar essa verdade, mas garantir que o Estado continue sendo gerido para os de sempre e qualquer perspectiva mais à esquerda em matéria de economia seja sabotada.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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