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Curto-circuito

Em vez de responder às dúvidas da oposição, a estatal Copel processa um deputado contrário à privatização

Pedra no sapato. Chiorato lidera a frente de defesa das empresas públicas – Imagem: Pedro de Oliveira/ALPR
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O governador Ratinho Júnior tem pressa em vender a ­Copel, estatal de energia do Paraná. Em fevereiro, a base de apoio do pessedista na Assembleia Legislativa aprovou a toque de caixa, sem consulta pública, o processo de privatização. O preço fixado àquela altura era de 3,1 bilhões de reais, valor irrisório diante do lucro de 5,1 bilhões da companhia no ano passado. O risco de prejuízo ao Erário levou um grupo de depu­tados estaduais do PT, PSDB e PDT a criar a Frente Parlamentar das Empresas Públicas. A coalizão quer esclarecer, entre outros pontos, as suspeitas de irregularidades processuais e maquiagens contábeis no balanço da empresa.

Um dos contratos questionados pela Frente Parlamentar é a parceria entre a Copel e o Fundo de Investimentos em Participações FIP IEER, que deu origem à Companhia de Energias Renováveis (CER), da qual a estatal tinha 49,9% das ações. O acordo delegava a uma câmara de arbitragem a resolução de eventuais conflitos entre as partes. A sociedade não prosperou. Segundo os representantes do FIP IEER, a Copel deixou de investir o valor combinado. A CER participou de leilões e conquistou quatro projetos que exigiam investimentos de 2,1 bilhões de ­reais, mas a contrapartida da estatal nunca teria sido depositada.

A pendência foi parar na Câmara de Comércio Brasil-Canadá. O veredicto, de 2015 e sem chance de recurso, obrigou a estatal paranaense a indenizar o fundo em 3,5 bilhões de reais. Desde então, os valores provisionados em balanço para o pagamento da dívida ficaram muito aquém do montante necessário para cumprir a decisão da arbitragem. Em 2021, foram reservados apenas 670 milhões de reais, menos de 20% do total da dívida.

Imagem: Copel/GOVPR

Coordenador da Frente Parlamentar, Arilson Chiorato acusa a empresa de omitir as informações dos relatórios públicos, inclusive daqueles enviados à Bolsa de Valores de Nova York, onde a ­Copel negocia ADRs. “Por que este caso se encontra em segredo se não há dados de caráter comercial ou estratégia empresarial?”, pergunta o deputado. Chiorato apresentou requerimento à Assembleia para obrigar a companhia a esclarecer as dúvidas. O pedido não foi aprovado. Em vez disso, o petista virou alvo de interpelação na Justiça, na qual a estatal exige que ele explique as “denúncias”. A ação fere o artigo 53 da Constituição, segundo o qual os direitos de um parlamentar “são invioláveis, cível e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Suspeita-se que a falta de provisionamento da dívida seria uma tentativa de minimizar os prejuízos e assegurar maior rentabilidade aos acionistas.

Denúncias foram encaminhadas ao Tribunal de Contas do Estado e à Comissão de Valores Mobiliários. Além da omissão de informações, o grupo destaca a suspeita contratação por 4,1 milhões de reais de uma consultoria que tem entre os sócios o filho de uma conselheira da Copel. “São questões que tornei pública em diversas oportunidades, mas agora reunimos em um processo e formalizamos a denúncia. Encaminhamos documentos que mostram imposição de sigilo sobre informações que deveriam ser públicas e a divulgação de informações privilegiadas ao mercado de ações envolvendo a Copel”, afirma Chiorato.

O petista Chiorato foi interpelado após perguntar sobre uma dívida que teria sido subestimada

Segundo o deputado Requião Filho, também do PT, o governo tenta dar ares de modernidade a uma prática antiga, privatizar por meio do mercado de ações, diluindo a empresa para diversos acionistas e reduzindo o valor do controle. “Vendem a preço de banana, dinheiro fácil, a troco de quê? O montante arrecadado com a venda das ações entraria nos caixas da empresa em três, quatro anos, em vez disso, entregam nossa energia para sempre ao capital privado em troca de receber em apenas um.”

Em 17 de abril, a Frente Parlamentar promoveu, em Curitiba, uma audiência pública para debater a questão. Além dos parlamentares, representantes de movimentos sociais, sindicalistas, técnicos e especialistas apontaram as incongruências de um projeto que contraria os interesses da sociedade. Para ­Leandro ­Grassmann, presidente do Sindicato dos Engenheiros do Paraná, historicamente as privatizações de empresas de energia no Brasil trazem mais agravantes do que benefícios aos consumidores, a começar pelo aumento no preço das tarifas e a piora nos serviços prestados. No caso da ­Copel, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica, Aneel, classificam a empresa como a de menor tarifa do mercado.

A privatização, acrescenta Grassmann, pode levar o Estado à perda de 500 milhões de receitas anuais, com seu consequente impacto na implantação e manutenção de políticas públicas. “O Paraná deixaria de embolsar 9% dos lucros a que tem direito.” No ano passado, os dividendos pagos pela estatal ao governo somaram 494 milhões. “Uma coisa é certa”, diz o engenheiro, “privatização não é, necessariamente, sinônimo de qualidade nem melhor prestação de serviços.”

CartaCapital enviou perguntas à ­Copel. Por meio da assessoria de imprensa, a companhia informou que a interpelação judicial contra o parlamentar “impõe-se frente às afirmações sem fundamento publicadas em redes sociais e outros meios”, pois, “desde 2015, as informações constam regularmente das demonstrações financeiras publicadas pela companhia”. A estatal, diz a assessoria, possui um sistema de governança referencial no País e segue as melhores práticas do mercado. Nos Estados Unidos, ainda segundo a nota, cumpre normas da Securities and Exchange Commission e da New York Stock Exchange. Na Espanha, aquelas do Latibex, Bolsa y Mercados Españoles. •

Publicado na edição n° 1259 de CartaCapital, em 17 de maio de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Curto-circuito’

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