Política

CPI dos Maus-Tratos: parlamentares podem ordenar condução coercitiva?

Ao negar recurso a curador da Queermuseu, Moraes defendeu o status de autoridade judicial de comissão presidida por Malta. Senador recuou

Até Magno Malta teve mais sensibilidade que Moraes
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Na quarta-feira 23, a CPI dos Maus-Tratos em Crianças e Adolescentes deve ouvir o depoimento de Gaudêncio Cardoso Fidélis, curador da Queermuseu, exposição de temática LGBT cancelada pelo banco Santander após ser acusada por grupos conservadores de promover a pedofilia e a zoofilia. 

No início de novembro, Fidélis foi alvo de um requerimento de condução coercitiva imposto pelo presidente da CPI, Magno Malta (PR-ES), pastor evangélico e entusiasta de pautas de conteúdo moral no Congresso. Convocado a depor no início de outubro na comissão, o curador pediu o adiamento da oitiva para se preparar, mas a ausência levou o parlamentar a exigir sua condução coercitiva em seguida. 

Fidélis recorreu ao Supremo Tribunal Federal contra a medida autoritária, mas Alexandre de Moraes manteve a decisão da CPI mesmo diante da intenção do convocado em depor espontaneamente. O magistrado considerou que Fidélis não apresentou argumentos razoáveis para justificar sua ausência inicial. 

Até Malta mostrou mais sensibilidade. A pedido da defesa do curador, o parlamentar pediu à Justiça, na terça-feira 21, a suspensão da condução coercitiva ao reconhecer a intenção espontânea de Fidélis em prestar esclarecimentos. 

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À parte o recuo, a decisão original de Malta desperta dúvidas jurídicas. Pode um presidente de CPI assumir o papel de juiz e dar ordens às autoridades policiais para conduzirem cidadãos à força?

A discussão envolve o próprio Moraes. Em seu livro Direito Constitucional, publicado em 2001, o atual ministro do STF defende que uma comissão de investigação não precisa recorrer ao Judiciário para determinar uma condução coercitiva e tem como prerrogativa o uso do instrumento de força. 

A interpretação de Moraes não é consensual. Na obra Comissões Parlamentares de Inquérito, o procurador e professor de Direito Constitucional Cássio Juvenal Faria defende que, apesar de a Constituição dar poderes de magistrados a CPIs, a legislação exige uma consulta ao Judiciário em caso de condução coercitiva por se tratar de uma medida relacionada aos direitos fundamentais. 

A divergência ocorre pelo disposto na Constituição Federal e na lei sobre as normas gerais das CPIs, aprovada em 1952. Anterior ao atual texto constitucional, a legislação a respeito das comissões determina que, em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade onde reside ou se encontra. 

A Constituição de 1988 entra em choque com esse entendimento ao estabelecer que CPIs terão os mesmos poderes de instrução penal das autoridades judiciais. Na decisão que barrou o recurso de Fidélis contra a condução coercitiva, Moraes afirma que as CPIs, “em regra”, têm os mesmos poderes instrutórios que os magistrados possuem. 

O ministro menciona que as CPIs devem respeitar também os limites da atuação do Judiciário nas conduções coercitivas. Um dos objetivos deve ser o de impedir, segundo ele, “que as investigações sejam realizadas com a finalidade de perseguição política ou de aumentar o prestigio pessoal dos investigadores”. Pelo visto, Moraes não enxerga essas características na comissão presidida por Malta.

Mudanças na lei das CPIs

Em dezembro de 2016, Temer sancionou junto com Moraes, à época seu ministro da Justiça, mudanças aprovadas pelo Congresso na lei que regulamenta as CPIs. Embora a previsão de poderes “próprios das autoridades judiciais” às comissões tenha sido incluída na legislação, não há no texto uma determinação expressa de que elas têm a prerrogativa para determinarem conduções coercitivas.

O artigo sobre o tema na Lei nº 1.579/52 continua a prever o mesmo: “Em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre”. 

Em 2007, a Câmara dos Deputados propôs um projeto de lei que incluía na legislação uma clara determinação sobre o poder das CPIs em autorizar conduções coercitivas, mas o texto não foi aprovado. 

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