Política
Consciência global
As evidências da crise climática estimulam a ação, considera o embaixador André Corrêa do Lago


A oito meses da COP 30, a conferência do clima das Nações Unidas, em Belém do Pará, o embaixador André Corrêa do Lago, escolhido para comandar o evento, intensifica os preparativos e os contatos internacionais. No fim de março, Lago participou de um seminário em Berlim sobre meio ambiente e cumpriu uma agenda repleta de reuniões com lideranças políticas e empresariais europeias. Embora bastante requisitado durante a curta viagem, o diplomata arrumou um tempo, antes de embarcar de volta ao Brasil, para uma conversa exclusiva com CartaCapital. “Ficou mais difícil negar as mudanças climáticas. Isso é um grande incentivo à ação”, afirma na entrevista a seguir.
CartaCapital: A COP 30 será capaz de tomar decisões que levem ao controle do aumento da temperatura no planeta? O senhor está otimista?
André Corrêa do Lago: Primeiramente, ficou cada vez mais difícil negar os efeitos da mudança climática. Isso é um grande incentivo à ação. Segundo, há cada vez mais exemplos de como o combate à crise climática pode ser economicamente positivo e gerador de empregos. Em terceiro, senti aqui em Berlim, no Diálogo de Petersberg, uma determinação política maior do que eu esperava. No fim das contas, é extremamente importante ter um desejo político de avançar nessa agenda. Em economias de países democráticos e em especial naqueles que estão em guerra, evidentemente há outro tipo de prioridade, mas há espaço de diálogo.
Périplo. O diplomata cumpre intensa agenda internacional preparatória – Imagem: José Cruz/Agência Brasil
CC: Há um temor de atraso na organização da conferência? Existem motivos para receios? Como está o cronograma?
ACL: Publicamos uma carta da presidência para a comunidade internacional com ideias que o Brasil gostaria de dividir com o resto do mundo. As primeiras estão concentradas no desejo de união. Não queremos que esse seja um tema desagregador (…) A mudança do clima, juntamente com o buraco na camada de ozônio, são os dois únicos temas verdadeiramente globais. Onde quer que seja a emissão, no Brasil, na Alemanha ou na Somália, o impacto será o mesmo, por isso a dimensão econômica é muito central. Países como a China ou Alemanha estão convencidos de que investir em tecnologias e em comportamentos que levem em conta as ameaças da mudança do clima será bom para a economia do país, para a liderança, para criar empregos etc. Não basta, porém, convencer os líderes políticos, é preciso convencer os setores econômicos. De modo geral, os setores econômicos que acham que vão perder mais com o combate ao clima são os que mais pressionam os governos. Os setores que podem ganhar têm muito menos poder do que aqueles que podem perder. Por isso, a agenda de ação é tão importante. Nela, trata-se da questão num nível que você pode reduzir a preocupação setorial.
CC: O mundo vive uma guinada antiambiental?
ACL: Há uma clara agenda de prioridades. O governo brasileiro e, acredito, o governo da Alemanha, assim como outras administrações, estão convencidos de que as demais prioridades não precisam tirar o foco do combate às mudanças climáticas. Obviamente, a depender do país, a percepção sobre a crise do clima é diferente. Se você é uma pequena ilha que nunca contribuiu com emissões de gases de efeito estufa e a elevação do nível do mar vai engolir parte do seu território, acaba por ter uma posição distinta em uma nação em posição menos vulnerável. No ano passado, enfrentamos eventos climáticos gravíssimos no Brasil, de norte a sul. Porto Alegre evidenciou a importância da adaptação a essas mudanças. Poderia ter se evitado que Porto Alegre tivesse sofrido tanto, mas quando você olha para os rios da Amazônia, não é uma questão de adaptação. Não há o que fazer para conseguir que os rios tenham água. É uma questão de mitigação, frear a mudança do clima. Em algumas situações, a adaptação funciona, em outras só se resolve por meio da mitigação. A experiência brasileira no ano passado mostrou o quanto precisamos atuar nas duas dimensões.
“A determinação política é maior do que esperava”, avalia o presidente da COP 30
CC: Ruralistas ameaçam realizar uma anti-COP em novembro. Isso o preocupa?
ACL: A esmagadora maioria dos produtores agrícolas no Brasil está consciente da mudança do clima e de quanto o Brasil é um dos países que mais podem contribuir para o combate a essa crise. A agricultura brasileira tem condições excepcionais de se integrar em um mundo no qual a mudança climática é tema central. Há, claro, uma parcela dos ruralistas que temem a COP, mas quanto mais esclarecermos, menos produtores ficarão preocupados com os resultados da conferência. É muito importante explicarmos e traduzirmos o que realmente significa o Brasil sediar esse encontro. Durante 12 dias, o mundo estará de olho em Belém do Pará.
CC: De que forma a postura negacionista do governo Trump e a emissão de poluentes pela China, por conta do crescimento econômico, atrapalham um acordo global de combate às mudanças climáticas?
ACL: Os Estados Unidos anunciaram a saída do Acordo de Paris, mas o governo norte-americano não pode ser chamado de negacionista. Eles refutam a relevância e a eficácia econômicas do combate aos danos, mas a Secretaria de Energia não nega a crise climática, só o argumento de que o problema se combate com a redução de emissões de gás carbônico. Eles parecem acreditar mais em adaptação. A China, por sua vez, investe em setores que combatem a mudança do clima. Os chineses passaram a produzir energia solar de maneira mais barata e eficiente e fabricam carros elétricos muito mais em conta.
CC: As reuniões em Berlim o levaram, de alguma forma, a pensar em ajustar a agenda da COP 30?
ACL: Ouvi várias sugestões que fortaleceram a nossa intenção e me alertaram a respeito de como tirar mais proveito da agenda de ação e da reunião dos chefes de Estado. O Brasil ainda não tem todas as respostas, mas temos escutado os principais setores, a sociedade civil, a ciência e a academia e buscado qual será a melhor maneira de abordar o tema para a centralidade que o Brasil acha que ele merece. •
Publicado na edição n° 1356 de CartaCapital, em 09 de abril de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Consciência global’
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