Economia

Congresso aprova proposta sobre emendas com brecha para manter padrinhos ocultos

A individualização foi uma das principais cobranças feitas pelo ministro do STF Flávio Dino nas decisões que suspenderam o envio dos recursos a estados e municípios

Congresso aprova proposta sobre emendas com brecha para manter padrinhos ocultos
Congresso aprova proposta sobre emendas com brecha para manter padrinhos ocultos
Plenário da Câmara dos Deputados durante sessão conjunta do Congresso Nacional destinada à deliberação de Projeto de Resolução do Congresso Nacional. Mesa: presidente do Senado Federal, senador Davi Alcolumbre (União-AP); vice-presidente do Senado Federal, senador Eduardo Gomes (PL-TO). Foto: Roque de Sá/Agência Senado
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O Congresso Nacional aprovou, nesta quinta-feira 13, um projeto de resolução que promete dar mais transparência às emendas parlamentares. A proposta, costurada pelas cúpulas da Câmara e do Senado em conjunto com o Supremo Tribunal Federal, não precisa ser sancionada por se tratar de um conjunto de regras internas do Legislativo.

Entre os deputados, 361 votaram favoravelmente à matéria e 33 foram contrários. No Senado, 64 endossaram o texto e três votaram contra. Era o único item na pauta da sessão conjunta desta quinta.

A regulamentação prevê a padronização das atas das reuniões das comissões e das bancadas, além da criação de planilhas com um padrão único sobre as verbas debatidas nos encontros. Os códigos das emendas e os números completos das notas de empenho também passam a ser exigidos.

As emendas parlamentares representam uma parte cada vez mais significativa do Orçamento da União. São recursos que deputados e senadores destinam a seus redutos eleitorais para a realização de obras e projetos, nem sempre baseando-se em critérios técnicos. No ano passado, o montante reservado para esses gastos foi de cerca de 52 bilhões de reais.

O texto aprovado em sessão conjunta, contudo, manteve a brecha que pode manter ocultos os reais padrinhos das emendas de comissão. A individualização das emendas foi uma das principais cobranças feitas pelo ministro do STF Flávio Dino na série de decisões que suspendeu o envio dos recursos federais a estados e municípios até a adoção de novas regras de transparência e rastreabilidade.

Atualmente, a forma como as verbas de comissão são indicadas impede o reconhecimento dos parlamentares. Nas plataformas de transparência, a emenda é registrada apenas como “RP-8 – emenda de comissão”, inviabilizando que cidadãos e órgãos de controle detectem qual congressista sugeriu a destinação do recurso.

O parecer do senador Eduardo Gomes (PL-TO) inicialmente definia que que propostas de indicações seriam analisadas primeiro de forma interna, nas bancadas partidárias. Neste modelo, caberia aos membros de determinada sigla aprovar as sugestões de emendas e enviá-las para aprovação final nas comissões.

Uma nova versão apresentada ao longo desta quinta permite que líderes e parlamentares indiquem as emendas. Mas, na ata a ser encaminhada aos colegiados com informações sobre os valores e os favorecidos, não há qualquer menção ao nome do parlamentar que solicitou o repasse.

Depois de aprovar as indicações acatadas, a comissão deverá enviar uma nova ata com os detalhes das emendas ao governo federal. No documento em questão há um campo previsto para indicar o congressista que pediu a verba, mas não está claro se o espaço deve ser preenchido em nome do verdadeiro padrinho ou do líder partidário que encaminhou os pedidos ao colegiado.

Durante a sessão, parlamentares contrários à iniciativa, como os deputados Glauber Braga (PSOL-RJ) e Adriana Ventura (Novo-SP), também reclamaram que o texto foi protocolado menos de 24 horas antes do início da votação. O presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (União-AP), decidiu manter a deliberação.

Os partidos também solicitaram que a proposta fosse alterada para explicitar o autor das emendas indicadas pelas bancadas, o que o relator não acatou. Ainda propuseram um destaque para que esse trecho fosse retirado da resolução, mas Alcolumbre argumentou que a medida não tinha amparo no regimento comum do Congresso e a rejeitou sem votação.

As emendas de bancada estadual também contam com uma brecha. Inicialmente o texto pede a apresentação de um formulário que indica a autoria do autor da emenda, mas em um segundo momento faz referência a um documento diferente, no qual não se exige esse nome.

Turbinadas após o STF declarar a inconstitucionalidade do orçamento secreto, as emendas de comissão estão no centro do que Dino considerou uma “balbúrdia” no Orçamento da União. Após o julgamento no tribunal, os congressistas passaram a utilizar os recursos dos colegiados temáticos para direcionar dinheiro a seus redutos eleitorais, sem a identificação dos autores.

O magistrado, então, cobrou mais transparência e exigiu que as indicações passassem por votação nos colegiados. Ele também criticou o mecanismo por transformar emendas de comissão em “emendas de líderes partidários”, uma vez que estes eram os únicos nomes que apareciam nos registros oficiais.

Ainda assim, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), driblou a determinação e manobrou para que não houvesse votação e para que as indicações fossem assinadas em conjunto pelos líderes da Câmara, mais uma vez escondendo os autores originais. Foi o estopim da tensão entre Legislativo e Judiciário, mesmo após terem chegado a um consenso sobre as emendas.

Na ocasião, Dino não apenas mandou anular os efeitos de um ofício sigiloso assinado por 17 líderes partidários com a inclusão direta de 5.449 indicações de emendas que não têm registro em atas nem passaram por deliberação formal (ao todo, as indicações representariam 4,2 bilhões de reais), mas determinou que a Polícia Federal investigasse o caso por suposto peculato.

“A proposta ignora o ponto central das determinações feitas até o momento pelo STF e insiste em institucionalizar a prática característica do ‘orçamento secreto’ em suas diversas versões históricas: a ocultação dos autores de proposições e indicações de emendas”, pontuaram as ONGs Transparência Brasil e Associação Contas Abertas em nota divulgada na quarta-feira.

A minuta do anteprojeto, conforme mostrou CartaCapital na quarta-feira, continha um dispositivo que esvaziava a competência da consultoria técnica do Congresso. Tratava-se da criação de uma Secretaria Especial do Orçamento, que trabalharia no assessoramento dos parlamentares sobre o tema. No entanto, o trecho foi retirado do texto após protesto de deputados.

Veja as principais mudanças aprovadas pelos congressistas: 

  • Emendas de bancada estadual: Cada estado terá direito a até onze emendas, sendo que três delas devem ser destinadas exclusivamente para concluir obras já iniciadas. As indicações, de acordo com o texto aprovado nesta quinta, terão de ser aprovadas por três quartos dos deputados e dois terços dos senadores que compõem cada bancada estadual.
  • Emendas individuais – Pix: Poderão chegar a até 2% da receita corrente líquida (soma da arrecadação) do ano anterior. O montante será dividido igualitariamente entre os parlamentares de cada Casa, seguindo os seguintes percentuais: 1,55% dos recursos de emendas individuais devem ser partilhados entre os deputados e 0,45% entre senadores. Também neste caso as emendas devem ser destinadas “preferencialmente para a conclusão de obras inacabadas”.
  • Mudanças no rito de análise do Orçamento: A Comissão Mista de Orçamento não poderá votar as emendas às leis orçamentárias sem que o Comitê de Admissibilidade de Emendas aprecie anteriormente as indicações. O texto também dá poder à CMO para criar novas normas complementares para o processo de análise de emendas parlamentares.
  • Emendas já aprovadas: A proposta estabelece que as comissões da Câmara e do Senado deverão ratificar todas as emendas aprovadas pelos colegiados ao Orçamento de 2024. Na nova análise, de acordo com o texto, os colegiados deverão seguir os novos formatos de atas, tentando atender às determinações para identificar os padrinhos verdadeiros das indicações.

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