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O Congresso enrola o STF e pede tempo para dar transparência às emendas parlamentares

Suspeita de chantagem por trás do recuo de Rosa Weber e o caso Josimar Maranhãozinho

O Congresso enrola o STF e pede tempo para dar transparência às emendas parlamentares
O Congresso enrola o STF e pede tempo para dar transparência às emendas parlamentares
Casal 20: Pacheco e Lira fazem de tudo para deixar Bolsonaro feliz
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Rosa Weber, 73 anos, completa dia 19 uma década no Supremo Tribunal Federal. Assumirá a presidência da Corte em setembro e verá dali a sucessão de Jair Bolsonaro. Na eleição de 2018, comandava o Tribunal Superior Eleitoral e foi aquele festival de mentiras do ex-capitão, aberração que o próprio TSE, em julgamento recente, avisou que não vai mais tolerar. Mas avisou também, que bravura!, que Bolsonaro fica, nada de cassar a chapa dele, apesar de tudo. Em dez anos de STF, Rosa ganhou o epíteto de “esfinge”: difícil saber como decidirá uma causa (na área social, costuma ser a favor). O ápice dessa faceta foi uma obra-prima de sinuosidade. Em abril de 2018, o tribunal julgava um habeas ­corpus de Lula contra a prisão decretada por Sergio Moro e a gaúcha disse que seguiria a maioria, a qual (contra o petista) existiu graças ao voto dela, 6 a 5.

A juíza acaba de dar outra aula de sinuosidade, e as hipóteses para explicar seus motivos incluem uma espécie de chantagem por parte do Congresso. Mais especificamente do presidente da Câmara, Arthur Lira, um discípulo de Eduardo Cunha, personagem desprovido de superego. Na segunda-feira 6, Rosa voltou atrás e, com uma nova liminar, liberou pagar o “orçamento secreto”, caixa-preta a unir “Centrão” e Bolsonaro, a encobrir um escândalo potencial. Mais, curvou-se a uma desobediência do Congresso, que tinha até 5 de dezembro para cumprir uma decisão anterior dela. Agora Parlamento e governo têm até março. Se é que não enrolarão a magistrada outra vez.

“Orçamento secreto” quer dizer despesas enfiadas no caixa federal por um acerto no escurinho entre congressistas e o relator-geral do orçamento, as chamadas emendas RP 9. Não se sabe quem propôs o quê, para gastar onde, nem a razão. Esta farra disporá de 16 bilhões de reais em 2022, conforme versão prévia aprovada por deputados e senadores no dia do recuo da ministra Rosa, quantia igual à de 2021. Esses valores e regras são um convite à corrupção. Dúvida: seriam RP 9 as emendas na mira da Polícia Federal em um esquema no Maranhão, caso que tem como estrela um aliado de Bolsonaro, o deputado Josimar Maranhãozinho, chefe estadual do PL, o novo partido do presidente? Desse enredo, a correr sob sigilo no Supremo, falaremos adiante, por ora de volta ao recuo da magistrada Weber.

Orçamento secreto significa despesas no caixa federal, graças ao acerto entre congressistas e o relator-geral

Em 5 de novembro, uma liminar dela ordenara que Congresso e governo abrissem a caixa-preta. Deveria ser publicada em 30 dias uma lista com o nome do proponente de emendas RP 9 em 2020 e 2021, a justificativa e a destinação. A juíza também suspendera o pagamento dessas emendas este ano. Tudo referendado pelo plenário do Supremo. Ao dar marcha à ré com um despacho ­individual, a ministra passou por cima dos colegas. Esquisito, não? Vai ficar mais.

Desde o início, Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, sinalizavam que não acatariam a liminar. Sopravam ser impossível identificar milhares de emendas, que a decisão não podia retroagir, que haveria ciumeira entre parlamentares. Em 25 de novembro, assinaram um ato que definia regras para divulgar as emendas de 2020 e 2021, com quantias e destinos. Nome dos padrinhos, nada. Também anunciaram que iria a voto uma mudança na forma de inserir gastos no orçamento, a fim de conter o tamanho do “orçamento secreto” e de permitir à sociedade que sugira despesas também. E pediram ao Supremo a revogação da liminar. O parecer de um consultor do Senado, Fernando Moutinho Bittencourt, era claro: as providências de Lira e Pacheco continham alegações falaciosas e driblavam a liminar da ministra.

Na antevéspera das providências de faz de conta, a Câmara havia sacado uma arma contra o Supremo. Em 23 de novembro, a Comissão de Constituição e Justiça aprovara duas propostas sobre a composição da Corte. A aposentadoria cairia de 75 para 70 anos. Teriam de pendurar a toga Rosa e o paulista Ricardo Lewandowski, de idade igual. A juíza talvez jamais chegasse a ser presidente da Corte. Lewandowski, conforme apurou CartaCapital, não brigaria para continuar, não se esforçaria para uma entidade da sociedade civil, como a OAB ou um partido, tentar virar o jogo no próprio STF. O presidente da Corte, Luiz Fux, era outro atingido, no médio prazo: fim de carreira em 2023.

A “esfinge” faz e desfaz. Talvez volte a fazer

Rejuvenescer o Supremo é desejo do bolsonarismo, para o presidente botar mais gente dele lá. Dar corda à ideia quando o Congresso estava encurralado pelo tribunal servia aos propósitos de Lira e o Centrão. A outra proposta aprovada subia de 65 para 70 anos a idade que um escolhido para o Supremo pode ter. Dois juízes do Superior Tribunal de Justiça gozam da simpatia do ex-capitão poderiam chegar ao STF com a alteração na idade, João Otávio de Noronha, o salvador de Flavio “rachadinha” Bolsonaro, e Humberto Martins. Em suma, o sinal da Câmara era: vamos abrir duas vagas no Supremo já e os candidatos a elas são estes.

Para o líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon, do PSB, aquelas votações da CCJ da Câmara foram “uma clara reação à decisão do STF de vetar o orçamento secreto”. Configuravam, segundo ele, “uma tentativa de intimidar o Supremo e mandar um recado aos ministros do STF: se ousarem tomar decisões que contrariam o interesse de uma maioria da Câmara, a retaliação virá”. E por que a ameaça? Medo. Em 23 de novembro, um prefeito da Bahia contou a portas fechadas na Câmara: a grana para emendas RP 9 é tanta que muito congressista passou a direcioná-las para longe das bases eleitorais, em troca de propina empresarial. Com uma lista detalhada, haveria um ponto de partida para o Ministério Público e a Polícia Federal investigarem corrupção.

Os senhores engravatados se riem de nós

Lira e Pacheco foram à ministra em 2 de dezembro, falar das providências adotadas e do prazo a vencer dali a três dias. Pacheco, que antes dizia ser impossível apontar os autores de milhares de emendas, mudou o discurso e pediu 180 dias para o relator-geral do orçamento de 2021, senador Márcio Bittar, do MDB, cumprir a liminar. Um documento divulgado pelo Estadão na terça-feira 7 mostra ser possível, sim, detalhar a autoria. Em junho passado, houve uma troca de ofícios entre o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, e o relator-geral do orçamento de 2020, deputado Domingos Neto, do PSD. Marinho pedia para identificar os padrinhos das emendas RP 9 destinadas à pasta dele, e Neto respondia que, com a bênção da ­cúpula do Congresso e dos líderes partidários, estava tudo na Secretaria de Governo, negociadora do Palácio do Planalto com parlamentares.

Na liminar da segunda-feira 6, a ministra Rosa Weber deu 90 dias, prorrogáveis, para a lista de emendas ficar pronta. E anotou: “Mostra-se prematuro aferir, neste momento, a idoneidade das medidas adotadas” para cumprir a liminar de novembro. A juíza ainda espera informações do governo. E, ao liberar o pagamento das emendas de 2021, mostrou ter sido convencida pelo argumento no qual Lira e Pacheco embalaram o “orçamento secreto”: os gastos atendem a área social. Para a ministra Rosa, haveria “potencial risco à continuidade dos serviços públicos essenciais à população”. Professores de Direito não pouparam a juíza. Conrado Hübner (USP): “Contribuiu para desmoralizar mais uma vez o STF”. Rafael Mafei (USP): “Tribunal que é ignorado e não consegue reagir à altura não é tribunal, é só um monte de gente fantasiada de padre”. Eloisa Machado (FGV): “Apoio do STF” a um “governo autoritário”.

Os bens declarados por Maranhãozinho crescem de 463 mil reais em 2008 para 14,5 milhões em 2018

Se a ministra sensibilizou-se com o argumento social pró-emendas, podia dar atenção a um caso que corre sob sigilo no gabinete de Lewandowski. É um inquérito sobre o já citado Josimar Maranhãozinho. Aos 45 anos, ele é o chefe do PL no Maranhão, o deputado federal mais votado­ do estado em 2018. Sua base eleitoral é Maranhãozinho, cidade de 15 mil habitantes a 236 quilômetros de São Luís. É um dos 80 municípios mais pobres do País, informa o IBGE. O que não impediu Josimar de esbaldar-se em bufunfa, após ter sido prefeito de 2005 a 2012. Ao reeleger-se, em 2008, tinha 463 mil em bens. Em 2014, na campanha a deputado estadual, tinha 6,5 milhões. Ao chegar a federal em 2018, acumulava 14,5 milhões, dos quais 10% cash.

Em setembro, Josimar lançou-se pré-candidato a governador, contra o grupo do governador Flávio Dino, do PSB, que ele já apoiou. Cerca de 50 prefeitos aliados no PL, no Avante e no Patriota participaram de um ato que lhe custou uma ação por propaganda antecipada, com pedido de multa, movida pelo Ministério Público Eleitoral. E como o deputado consegue ter uma base desse tamanho (há 217 cidades no Maranhão)? Desvio de grana de emendas parlamentares destinadas à área social é uma grande possibilidade, a julgar pelas investigações da Polícia Federal.

Em dezembro de 2020, a PF realizou a Operação Descalabro contra Josimar, tudo autorizado por Lewandowski, que ainda mandara bloquear 6 milhões em bens do alvo. A suspeita era de que o deputado controlava um esquema de desvio de verbas de emendas, não se sabe ao certo se as do tipo RP 9 ou das tradicionais. Funcionou assim o esquema, segundo os federais: Josimar arranjou em Brasília 15 milhões para gastar com saúde no Maranhão. Os fundos municipais beneficiados teriam firmado, através de licitações fajutas, contratos com empresas do deputado dirigidas por laranjas. E a estes cabia sacar a grana para entregá-la, em espécie, ao chefe no escritório de Josimar, em São Luís.

Molon denuncia a tentativa de intimidar o STF

Ao longo das apurações preparatórias, a PF havia gravado vídeos do deputado, e um desses acaba de vir a público, na revista CrusoÉ. Josimar aparece com maços de dinheiro na mão. Outro vídeo daquela ocasião também acaba de ser divulgado, este por O Globo. Nele, o deputado diz: “Valdemar cumpriu certinho comigo”. Valdemar é, tudo indica, o presidente nacional do PL, Valdemar Costa Neto. O vídeo é da época da eleição municipal de 2020, e as palavras de Josimar referem-se, provavelmente, à verba do fundo partidário repassada pela direção do PL ao diretório maranhense. Curioso: são vídeos com mais de um ano e só foram vazados após Bolsonaro entrar no PL.

Em 1º de dezembro, um dia após a filiação de Bolsonaro ao partido, a PF realizou uma espécie de Fase 2 da Descalabro, contra Josimar. Houve mandados de busca e apreensão em quatro cidades do Maranhão, entre elas, Zé Doca, cuja prefeita é irmã do deputado Josinha Cunha. As suspeitas aqui são de falcatruas não na área da saúde, mas de infraestrutura. Josimar diz ser inocente. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1187 DE CARTACAPITAL, EM 9 DE DEZEMBRO DE 2021.

CRÉDITOS DA PÁGINA: FÁBIO RODRIGUES POZZEBOM/ABR E NELSON JR./STF – GERALDO MAGELA/AG.SENADO E REDES SOCIAIS

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