Política
Conflitos fundiários atingem o maior número desde 1985; contaminação por agrotóxicos dispara
O número de conflitos por água também cresceu, após quatro anos seguidos de queda, segundo relatório da Comissão Pastoral da Terra


Os números de conflitos por terra e de pessoas afetadas por eles em 2024 são os maiores registrados no País desde 1985, quando a Comissão Pastoral da Terra passou a divulgar um relatório anual com o panorama dos embates no campo. Os dados do ano passado foram divulgados nesta quarta-feira 23.
Houve 1.768 casos registrados em 2024. Quando se considera o total de conflitos no campo (que incluem, além da terra, disputas por água ou ligadas ao trabalho), o número sobe para 2.185, o segundo maior da série histórica. O índice só é menor que o registrado em 2023, quando houve 2.203 ocorrências.
O total de atingidos por esses conflitos também alcançou em 2024 a maior marca da série, com 904 mil pessoas vivendo em áreas em disputa. Na liderança do ranking dos conflitos por terra está o Maranhão (363), seguido de Pará (234), Bahia (135), Rondônia (119) e Amazonas (117).
Também houve um aumento significativo em ocorrências de contaminação por agrotóxicos, com 276 casos no ano passado — em 2023, foram 32, uma diferença de 762%.
Mais uma vez, o estado chefiado por Carlos Brandão (PSB) aparece no topo, com a maioria dos episódios (228) de pulverização aérea de agrotóxicos.
Áreas de expansão agrícola na Amazônia e no Cerrado têm registrado recordes de conflitos fundiários. Os territórios da Amacro, no sudoeste da Amazônia Legal, e do Matopiba correspondem, respectivamente, a parte dos estados do Amazonas, Acre e Rondônia, e do Maranhão, Tocantins, Piauí e da Bahia.
Na Amacro, foram registrados 185 conflitos no ano passado, um aumento de quase 60% com relação ao contabilizado em 2015. O professor da Universidade Federal de Rondônia Afonso Maria das Chagas define o cenário na região como “uma das mais agressivas estratégias de avanço do agronegócio desde os projetos de colonização dos anos 1970” no estudo da CPT.
Já no Matopiba, houve 415 casos de conflito por terra em 2024, 240% a mais que os 122 de dez anos atrás.
“Assim como o Matopiba foi constituído sobre um acúmulo de conflitos e contradições, a Amacro reproduz aceleradamente a perversidade dessas dinâmicas expansionistas”, completa Chagas no documento.
O número de conflitos por água cresceu após quatro anos seguidos de queda: foram 266 casos, envolvendo 283 mil pessoas. Em 2023, houve 230 ocorrências e 198 mil afetados. Já os trabalhistas correspondem a 151 episódios, com 1.953 envolvidos.
Embora as ocorrências tenham aumentado, o número de mortes provocadas por esses conflitos foi o mais baixo desde o início da contagem. Os mortos eram indígenas (5), sem-terra (3), assentados (3) e um quilombola. Até então, 2020, ano da pandemia de Covid-19, havia registrado o menor número de mortes: 21 assassinatos. Em 2023, foram 31 vítimas.
Outro destaque do relatório do CPT é a participação do Movimento Invasão Zero, grupo ruralista surgido na Bahia e composto por grandes fazendeiros, em ataques violentos a comunidades de áreas disputadas.
Além da ação direta em conflitos no campo, dizem os pesquisadores da comissão, o grupo exerce influência nas casas legislativas brasileiras, pressionando por projetos que buscam criminalizar ocupações de terras e a retomada de posse por movimentos sociais. Goiás, Maranhão, Pará e Pernambuco estão entre os estados onde ocorreram ações coordenadas pelo movimento.
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