Política

Como toda fábula, mais uma história real

Intoxicado após incêndio, o secretário de Saúde do Rio, Sérgio Côrtes, usou ambulância pública para ir a um hospital privado

O secretário em janeiro, no município de Cardoso Moreira. Côrtes preferiu ir a um hospital particular quando precisou de atendimento. Foto: Mauricio Bazilio / Governo do RJ
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Na semana passada, a adega dúplex de Sérgio Côrtes, secretário estadual da Saúde do governo de Sergio Cabral (PMDB), pegou fogo. O próprio secretário, que já trabalhou com os bombeiros, tentou ajudar a apagar o incêndio. Intoxicado pela fumaça acabou sendo levado em ambulância pública para um hospital particular.

É claro que um povo como o carioca imediatamente fez piadas em cima do fato. Entre os gozadores está meu amigo apelidado de Raposa, porque, como já disse anteriormente, ele não perde qualquer acontecimento da cidade – com um humor para lá de inteligente e ácido – e satiriza até sua sombra.

Sobre o incêndio, a internação do secretário e as ligações do grupo do governo Cabral que ficou famoso pelas festas em Paris, e ironizando o recente “apoio político” do governador ao prefeito campeão de votos Eduardo Paes (PMDB), passo para os leitores do site de CartaCapital, com autorização do Raposa, a imperdível historinha que ele escreveu sobre este passado recente.

A vingança de Tutankamon ou Os profanadores do cofre

Tragédias rondam um grupo próximo ao soberano de uma província longínqua das Pirâmides. Ano passado, por ocasião das festividades de aniversário de um importante construtor que erguera monumentos (ao desperdício) e túmulos (que guardavam múmias de dinheiro público), um grupo de amigos do faraó morreu num acidente de helicóptero, um estranho engenho que, de uma hora para outra, passou a brinquedo preferido dos endinheirados da dinastia.

A partir do triste episódio, surgiram manuscritos e modernos hieróglifos relatando festas suntuosas realizadas nas mais caras hospedarias do outro lado do Mediterrâneo, que expuseram cruamente as entranhas do poder da província e as relações escabrosas do faraó com o empreiteiro-chefe.

O grupo passou a ser tratado como pandilha, e o soberano condenado a um isolamento constrangedor, sumindo como se por encanto. Passado algum tempo, o faraó Cabralis II voltou a aparecer em público, ao lado de protegidos políticos os quais exibia ao povo como se fossem paladinos da moral e das boas práticas administrativas. Não se dava conta de que emprestava uma popularidade que já não tinha. No fundo, era ele quem precisava dos favores dos que ainda mantinham certo prestígio.

E justamente quando voltava a ensaiar alguns passos, a circular pelas ágoras e ruas, e que as imagens fortes das orgias do seu grupo apagavam-se da memória do povo, surgiu outra fatalidade com um dos membros de seu círculo íntimo. A pirâmide dupla do encarregado das curas na província, pegou fogo e, pior, ao invés de o curandeiro-chefe ter se socorrido da rede pública que ele próprio administra, seguiu em uma quadriga oficial para uma clínica de curandeiros particulares. Temia, claro, que as feitiçarias e poções aplicadas aos mortais comuns fossem ineficazes a ele e aos membros do séquito do faraó.

Outros textos de Edgard Catoira:

O fogo, segundo a Brigada de Incêndio provincial, ironicamente começou na adega da pirâmide, instalada na parte superior – o que a voz do povo chamava de “puxadinho”, num dos bairros aristocráticos da cidade. Os cronistas da época lembraram que durante a construção do “puxadinho”, o urbanista-chefe da província, também membro do séquito, fez pouco das denúncias estampadas em todos os papiros do império de que seu colega estaria dando um mau exemplo, ao edificar ilegalmente. Seria apenas uma reforma. Pois, agora, o fogo tratou de dissipar qualquer dúvida sobre a extensão dessa reforma. O andar extra, que não existia nos documentos oficiais, acabou pegando fogo na vida real.

Alguns leitores podem até considerar de mau gosto o fato de este escriba explorar o infortúnio do curandeiro-mór para tecer-lhe críticas. Mas infortúnio maior experimenta a esmagadora maioria da população, quando se dirige a um dos centros de cura administrados pelo sinistrado.

Enfim, para os supersticiosos, o fogo foi mais um sinal da maldição contra aqueles que, na província, profanaram o erário. O mesmo já havia acontecido na sede do império, tempos antes, com a equipe que revelou e se apropriou dos tesouros de Tutankamon.

Mas, para os mais céticos, as perdas foram ínfimas: apenas algumas poções, extraídas de prestigiadíssimas vinhas e que constituem o nec plus ultra dos abastados. Nada que o sofrido curandeiro não consiga repor em suas andanças pelo mundo.

Na semana passada, a adega dúplex de Sérgio Côrtes, secretário estadual da Saúde do governo de Sergio Cabral (PMDB), pegou fogo. O próprio secretário, que já trabalhou com os bombeiros, tentou ajudar a apagar o incêndio. Intoxicado pela fumaça acabou sendo levado em ambulância pública para um hospital particular.

É claro que um povo como o carioca imediatamente fez piadas em cima do fato. Entre os gozadores está meu amigo apelidado de Raposa, porque, como já disse anteriormente, ele não perde qualquer acontecimento da cidade – com um humor para lá de inteligente e ácido – e satiriza até sua sombra.

Sobre o incêndio, a internação do secretário e as ligações do grupo do governo Cabral que ficou famoso pelas festas em Paris, e ironizando o recente “apoio político” do governador ao prefeito campeão de votos Eduardo Paes (PMDB), passo para os leitores do site de CartaCapital, com autorização do Raposa, a imperdível historinha que ele escreveu sobre este passado recente.

A vingança de Tutankamon ou Os profanadores do cofre

Tragédias rondam um grupo próximo ao soberano de uma província longínqua das Pirâmides. Ano passado, por ocasião das festividades de aniversário de um importante construtor que erguera monumentos (ao desperdício) e túmulos (que guardavam múmias de dinheiro público), um grupo de amigos do faraó morreu num acidente de helicóptero, um estranho engenho que, de uma hora para outra, passou a brinquedo preferido dos endinheirados da dinastia.

A partir do triste episódio, surgiram manuscritos e modernos hieróglifos relatando festas suntuosas realizadas nas mais caras hospedarias do outro lado do Mediterrâneo, que expuseram cruamente as entranhas do poder da província e as relações escabrosas do faraó com o empreiteiro-chefe.

O grupo passou a ser tratado como pandilha, e o soberano condenado a um isolamento constrangedor, sumindo como se por encanto. Passado algum tempo, o faraó Cabralis II voltou a aparecer em público, ao lado de protegidos políticos os quais exibia ao povo como se fossem paladinos da moral e das boas práticas administrativas. Não se dava conta de que emprestava uma popularidade que já não tinha. No fundo, era ele quem precisava dos favores dos que ainda mantinham certo prestígio.

E justamente quando voltava a ensaiar alguns passos, a circular pelas ágoras e ruas, e que as imagens fortes das orgias do seu grupo apagavam-se da memória do povo, surgiu outra fatalidade com um dos membros de seu círculo íntimo. A pirâmide dupla do encarregado das curas na província, pegou fogo e, pior, ao invés de o curandeiro-chefe ter se socorrido da rede pública que ele próprio administra, seguiu em uma quadriga oficial para uma clínica de curandeiros particulares. Temia, claro, que as feitiçarias e poções aplicadas aos mortais comuns fossem ineficazes a ele e aos membros do séquito do faraó.

Outros textos de Edgard Catoira:

O fogo, segundo a Brigada de Incêndio provincial, ironicamente começou na adega da pirâmide, instalada na parte superior – o que a voz do povo chamava de “puxadinho”, num dos bairros aristocráticos da cidade. Os cronistas da época lembraram que durante a construção do “puxadinho”, o urbanista-chefe da província, também membro do séquito, fez pouco das denúncias estampadas em todos os papiros do império de que seu colega estaria dando um mau exemplo, ao edificar ilegalmente. Seria apenas uma reforma. Pois, agora, o fogo tratou de dissipar qualquer dúvida sobre a extensão dessa reforma. O andar extra, que não existia nos documentos oficiais, acabou pegando fogo na vida real.

Alguns leitores podem até considerar de mau gosto o fato de este escriba explorar o infortúnio do curandeiro-mór para tecer-lhe críticas. Mas infortúnio maior experimenta a esmagadora maioria da população, quando se dirige a um dos centros de cura administrados pelo sinistrado.

Enfim, para os supersticiosos, o fogo foi mais um sinal da maldição contra aqueles que, na província, profanaram o erário. O mesmo já havia acontecido na sede do império, tempos antes, com a equipe que revelou e se apropriou dos tesouros de Tutankamon.

Mas, para os mais céticos, as perdas foram ínfimas: apenas algumas poções, extraídas de prestigiadíssimas vinhas e que constituem o nec plus ultra dos abastados. Nada que o sofrido curandeiro não consiga repor em suas andanças pelo mundo.

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