Política
Como o caso Marçal desafia a Justiça Eleitoral brasileira
A rápida ascensão do ex-coach na política de São Paulo é acompanhada por investigações sobre o uso de impulsionamento digital em sua campanha


Seja pela postura histriônica nos debates, seja por ter dividido o campo bolsonarista em São Paulo, o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) se lançou ao centro dos holofotes da disputa pela prefeitura da capital paulista.
Antes uma figura de fama restrita às redes sociais, Marçal agora é adversário de peso. Enfrenta, ombro a ombro, o prefeito Ricardo Nunes (PSDB) e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) por uma vaga no segundo turno. Apelando ao mesmo tom agudo das redes na política institucional e expondo os limites das fórmulas tradicionais do debate público, se tornou um rival competitivo ao comando da maior cidade do país.
Uma questão, porém, pode colocar freio à ascensão de Marçal: seu avanço não parece ser resultado apenas de estratégia política, e sim ultrapassar os limites da lei eleitoral.
As instâncias judiciais já começaram a se movimentar para solucionar a questão. Recentemente, o Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu a suspensão da candidatura do influenciador, argumentando que ele turbina a própria audiência nas redes sociais com impulsionamento ilegal de publicações, omitindo recursos financeiros. Essa prática pode configurar abuso de poder político e econômico.
Nesta semana, a Justiça Eleitoral de São Paulo negou o pedido do MPE, alegando falta de provas suficientes. Segundo o juiz Antônio Patiño Zorz, responsável pela decisão, “não houve condenação em trânsito julgado ou em segundo grau pelos fatos descritos”, deixando aberta a possibilidade de recurso.
O caso de Marçal tem certo grau de ineditismo para a Justiça, que há décadas julga abusos de poder político e econômico, mas agora precisa lidar com o universo ainda pouco regulado das redes sociais. A complexidade está, por exemplo, em rastrear milhões de seguidores e determinar se eles aderiram por vontade própria ou se simplesmente foram pagos para seguir o candidato.
Para o advogado Fernando Neisser, professor de Direito Eleitoral da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e um dos fundadores da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (ABRADEP), a legislação brasileira é sólida sobre os casos de abuso de poder, mas o caso de Marçal exige atenção especial.
Ele explica que não é proibido usar recursos para impulsionar redes sociais, desde que o cuidado seja redobrado no período eleitoral, especialmente a partir de janeiro, quando começa a pré-campanha.
“Não há proibição de que as redes sociais de um candidato tenham, em algum momento, sido ‘bombadas’ por meio de investimento de recursos, pela atuação de uma equipe ou por uma estrutura de impulsionamento da conta”, detalha. “Vale o entendimento de que o candidato ou partido podem fazer investimentos na pré-campanha, mas eles têm que ser modestos.”
Por ora, já há indícios de que ele pagaria usuários para fazer “cortes” nos seus vídeos. Ou seja, utilizar um ou outro trecho de um debate ou de uma entrevista para publicar nas redes sociais, buscando amplificar o alcance daquele conteúdo.
A Justiça terá que responder a várias questões: Marçal esteve diretamente envolvido na prática? A conduta teve impacto? Quanto dinheiro foi envolvido e qual foi o aumento no fluxo das páginas de Marçal? Essas respostas determinarão o futuro de sua candidatura.
Para Neisser, Marçal terá problemas caso a Justiça identifique investimentos expressivos de seu partido ou de empresas ligadas a ele em 2024. “É impossível saber se quem passou a curtir ou seguir o perfil de Pablo Marçal o fez porque aderiu às ideias dele ou se chegou a ele por conta de cortes remunerados em outras páginas”, diz Neisser. “Se essa é a premissa, se é impossível separar, é justo que as contas deles sejam suspensas”, aponta o especialista.
Marçal, por sua vez, se defende, alegando censura. Em entrevista recente à GloboNews, ele comparou a suspensão de suas contas ao fechamento de um canal de televisão, afirmando que suas redes têm mais audiência que os principais canais do país. “É como se fechasse o canal de vocês e mandasse todo mundo para casa. Aquilo ali [as suas redes] é um super-canal de televisão.”
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.
O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.
Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.
Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.