Política

“Como é bonito este Brasil. E como temos água, barbaridade!”

A contradição entre consumo com produção crescente versus preservação ambiental não é uma fatalidade. E o fim de qualquer uma das duas será o caminho para a morte do homem

Morador trabalha em horta no Morro da Formiga, no Rio de Janeiro
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Lata d’água na cabeça e o rio da Guarda são referências que guardo do Rio de Janeiro de minhas infância e juventude.

Um samba do Carnaval 1952, de Joaquim Antônio Candeias Junior (1924-2009), narrando a epopeia de certa Maria que subia o morro carregando o precioso líquido e levando pela mão uma criança. E um afluente do rio Guandu, onde Carlos Lacerda (1914-1977), governador do estado da Guanabara, de 1960 a 1965, supostamente mandava policiais jogarem mendigos, reciclo das sucessivas etapas de limpeza étnica na história do Brasil.

Como água e energia são preocupações atuais, poderíamos voltar ao Carnaval de 1954, que assim saudava a Cidade Maravilhosa: “Rio de Janeiro, /cidade que nos seduz, /de dia falta água, /de noite falta luz”.

Encontrar nos dias de hoje problemas de 60 ou 70 anos atrás não deveria surpreender. Afinal, D. Pedro II conseguiu construir ferrovias, nós não.

No último capítulo desta Andança, mencionei consultoria britânica que sugeriu à banca brasileira cobrar nos financiamentos à agricultura os riscos do uso de recursos naturais. Um dia, escassos, quebrariam o agro.

Ideia meio boba, típica dos rapazes que botaram para quebrar o mundo em 2007, mas continuam querendo mais. Na forma como agem as instituições financeiras, até mesmo picadas de abelhas em agricultores já devem estar precificadas nas taxas.

Ironizo, brinco, folgo e volto ao passado de um país colorido, mesmo quando parecia afogar mendigos, cansar Marias, e deixar barracos na escuridão.

Reconheço, no entanto, tratar-se de assunto sério, essencial nos presente e futuro, pois o passado só fez levar à breca biomas e recursos naturais. A continuar assim, ferraremos o porvir.

Mas e aí? Aí nada. Todos nós conhecemos o possível. Tecnologias e manejos amigáveis, Estados menos submissos, autoridades públicas inteligentes e honestas, com coragem de impor regras ao rentismo e à devastação, iniciativa privada consciente de que a lógica capitalista pode não chegar à última página do livro “Ruim, mas ainda o melhor”.

Dileto amigo e leitor, Fernando Machado, me escreve: “Retorno do alto do Rio Aracá, afluente do grande Negro, quase divisa com Venezuela. De onde estava acampado, próximo aos Ianomamis e outros indígenas menos renomados, pude avistar, ainda que bem longe, o belíssimo Monte Roraima. Como é bonito este Brasil. E como temos água, barbaridade!!! Só não sei se essa água chega ao local correto como deveria”.

Não chega, Fernando. Chegasse, poderíamos estar despreocupados quanto à produção de alimentos, proteínas, energias renováveis, fibras, e bebendo água limpa ou, para aficionados, espetaculares destilados e fermentados fabricados pelo agronegócio. Até mesmo, como sacis, pitaríamos tabacos baianos, dominicanos ou cubanos, fazendo a vida mais prazerosa, com a necessária dose de incorreção.

Assim os milhões de anos que já se passaram permitiriam outros tantos milhões que, sin duda, passarán.

A contradição entre consumo com produção crescente versus preservação ambiental não deve ser encarada como fatalidade. O fim de qualquer uma das duas será, da mesma forma, caminho para a morte do homem.

Agricultores-do-Parana-preveem-queda-de-4-por-cento-na-producao-de-feijao-milho-e-soja-foto-Agencia-Parana201102150001.jpg Plantação de milho no estado do ParanáSe os jovens leitores e leitoras e seus renitentes, gauches e idosos pais e avós quiserem ressoar Cazuza e encontrarem “uma ideologia para viver”, deem uma oportunidade ao ecossocialismo e enjaulem o capitalismo, como se faz com os leões de circo.

Não permitam que o sistema continue de forma desenfreada substituindo os meios pelos fins. Sua lógica não comporta e acabou por desgastar o termo sustentabilidade.

Decrescimento? Bobagem. Cadê a diversidade, as populações ainda carentes em diversas regiões do planeta?

Há o que suprimir, o que reduzir, e o que ampliar. Menos agrotóxicos e mais controles biológicos. Mais energias renováveis e menos fósseis. Eletricidade solar, eólica, saúde, educação, modais de transportes não poluentes, solos saudáveis.

O capitalismo no século 21 será moldado pelo socialismo com ecologia.

Os efeitos negativos causados pelos consumo e produção em moldes do passado são cada vez mais evidentes nas mudanças climáticas. Cientistas e políticos, patrocinados pelas corporações das Federações, tentaram nos convencer do contrário. Provavelmente, esperavam uma confissão Divina. Não veio. Resta-nos dar a mão à palmatória.

 

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Sugestão de leitura: “A Jaula de Aço”, de Michael Lowy, (Editora Boitempo, 2014)

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