Os primeiros meses do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deverão reordenar peças estratégicas não apenas da política interna, mas da geopolítica global. Já no início de janeiro, o Brasil voltou a demonstrar protagonismo no debate mundial sobre o meio ambiente, com a participação da ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, no Fórum Econômico Mundial, em Davos. Além disso, Lula visitou, nesta semana, a Argentina e o Uruguai, retomando laços com lideranças latino-americanas ignoradas durante os quatro anos do governo Jair Bolsonaro (PL).
Em breve, forças políticas importantes da Europa deverão fazer uma ofensiva para tentar fechar um acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul.
As informações sobre sobre a estratégia europeia são do jornalista Jamil Chade, do portal UOL.
Entenda o contexto
Em 2019, a UE e o Mercosul chegaram a formalizar um acordo comercial, depois de negociações que levaram 20 anos. Àquela altura, a expectativa era de que o acordo gerasse, em 15 anos, um incremento de 87,5 bilhões de dólares ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro.
Os termos do acordo envolviam, por exemplo, a eliminação de tarifas para exportação de produtos agrícolas brasileiros, como café solúvel. Exportadores do Brasil poderiam obter ampliação no acesso a carnes, açúcar e etanol.
Entretanto, o acordo não foi retificado. Por conta da ausência de compromissos ambientais claros da parte do governo Bolsonaro, o bloco europeu se manteve reticente à finalização da parceria. Em outubro de 2020, o vice-presidente executivo da Comissão Europeia, Valdis Dombrovskis, afirmou que, para avançar, seria necessário que o Mercosul definisse “soluções duradouras para a região amazônica”.
A concretização de um acordo econômico entre os blocos europeu e sul-americano ganhou força com a eleição de Lula, em outubro do ano passado. Ainda na campanha eleitoral, Lula afirmou que a discussão sobre um acordo com a UE aconteceria no primeiro semestre do seu mandato. O acordo, segundo o petista, deveria levar em consideração “a necessidade de o Brasil voltar a se industrializar”.
No campo europeu, o embaixador da UE no Brasil, Ignacio Ybánez, comentou, no dia 9 de novembro, que a eleição de Lula abria caminho para avançar no acordo, uma vez que o novo presidente indicava que estava “do mesmo lado” do bloco europeu na questão climática e na defesa do desmatamento.
Urgência do bloco europeu e o papel da China
Segundo apuração de Jamil Chade, parte dos representantes europeus acredita que, se a UE e o Mercosul não formalizarem o acordo comercial, os países da América do Sul podem estar sujeito à influência política e comercial por parte da China.
Em termos geopolíticos, a segurança do acordo comercial geraria um benefício duplo para a União Europeia: ao mesmo tempo que finaliza a negociação com o bloco sul-americano, impede uma expansão ainda maior da China na região.
O país oriental é o maior parceiro comercial, por exemplo, do Brasil. A balança comercial de 2021 aponta que, em importações, o volume de negócios gerado entre Brasil e China foi de 47,6 bilhões de dólares. Em 2022, 27% de toda a exportação brasileira foi para a China.
Sinalizações dos membros do Mercosul
Nesta semana, na sua viagem para participação na cúpula da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), em Buenos Aires, Lula incluiu uma visita ao Uruguai.
Governado por Lacalle Pou, o Uruguai tem sinalizado que negocia com a China um acordo comercial envolvendo o Mercosul. Após a visita de Lula, o presidente uruguaio declarou que “o Uruguai vai avançar nas suas negociações com a China. O Brasil pode paralelamente fazer seu caminho e, após isso, vamos compartilhar tudo o que foi negociado”.
Lula, por sua vez, pontou que um acordo entre Mercosul e UE é “urgente e necessário”. Segundo o presidente, “nós vamos intensificar as discussões com a União Europeia e firmar esse acordo para que a gente possa discutir apenas um possível acordo entre China e Mercosul”.
Segundo a apuração de Chade, a postura do presidente uruguaio tem acendido o alerta nos representantes europeus. Isso porque a China estaria aberta a fechar um acordo sem exigências rígidas do ponto de vista ambiental (o principal entrave da tentativa de acordo em 2019), trabalhista ou social.
Ofensiva europeia
A disputa passou, então, a mobilizar uma série de lideranças da UE. Nesta semana, o vice-presidente da Comissão Europeia, Franz Timmermans, esteve em Brasília para reuniões com o vice-presidente Geraldo Alckmin e os ministros Silvio Almeida e Sonia Guajajara, dos Direitos Humanos e Povos Indígenas, respectivamente. Além disso, Lula teria se reunido com o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, na terça-feira 24. Na quinta-feira 26, Lula teria telefonado por mais de uma hora com o presidente da França, Emmanuel Macron.
No início da próxima semana, o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, viajará para Brasília e encontrará Lula. Em fevereiro, é esperada a visita do presidente da Espanha, Pedro Sánchez.
A intensidade das ações europeias se dá pelo fato, também, de que há uma percepção, por parte do bloco europeu, de que a chegada de Lula à presidência do Brasil e a sua disposição pelo acordo devem ser aproveitadas.
As falas de Lula nesta semana teriam surpreendido os representantes da Europa, diante da clareza do petista sobre a disposição para o acordo.
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