Política

Cheque de 1 milhão joga luz sobre inusual conta eleitoral de Temer

Dono de empreiteira diz ao TSE que valor era dinheiro sujo e bagunça ação contra chapa Dilma-Temer

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Um depósito de 1 milhão de reais da empreiteira Andrade Gutierrez, enrolada na Operação Lava Jato, na conta do PMDB na eleição de 2014 embaralhou o processo de cassação da chapa Dilma Rousseff-Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

E jogou luz em uma situação inusual: a existência de uma conta de campanha específica de um candidato a vice. De Temer, no caso.

O milionário depósito foi feito em 10 de julho de 2014. Um dinheiro sujo, conforme depoimento de Otávio Andrade, ex-presidente da empreiteira.

Ele falou ao TSE no dia 19 de setembro, no processo que examina a ação do PSDB contra a chapa Dilma-Temer. Seria, segundo Andrade, pagamento de propina disfarçado de doação, em troca de obras tocadas pela construtora no País.

“Bom, de onde vem esse 1 milhão? Vem de março de 2014, que não era período eleitoral. Por que que nós fizemos a contribuição de 1 milhão em março? Porque nós estávamos sofrendo pressão para cumprir obrigações dos acordos de contribuição dos 1% aí de cada projeto. Então, esse um milhão feito em março em duas parcelas de 500 mil em julho, já no período eleitoral”, disse ele.

No depoimento, Andrade afirmou, porém, que o cheque tinha sido depositado na conta do PT, para favorecer Dilma. Naquele mesmo dia, ele era condenado pela Justiça do Rio a 18 anos de cadeia por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, devido a safadezas descobertas pela Lava Jato em obras da Eletronuclear. Graças a um acordo de delação, a pena caiu a um ano.

Se Andrade quiser mudar a versão dada ao TSE e agora declarar que o dinheiro sujo depositado para o PT, na verdade era limpo e depositado ao PMDB, poderá fazê-lo na quinta-feira 17. É a data marcada pelo relator do processo no tribunal, Herman Benjamin, para um novo depoimento.

Benjamin resolveu chamar o empresário outra vez após receber dos advogados de Dilma, na terça-feira 8, documento no qual eles dizem que Andrade mentiu em setembro. O depósito, argumentam, fora feito não ao PT, mas ao PMDB. E este repassara a quantia, via cheque, à conta que Temer abrira para ajudar os amigos naquela campanha.

Na papelada enviada pelos dilmistas, há um informe da direção do PMDB de que recebera 1 milhão de reais da Andrade Gutierrez para repassar a Temer. E cópia de um cheque do PMDB de transferência dos recursos a Temer. É do Banco do Brasil, com data de 10 de julho de 2014 e nominal à “Eleição 2014 Michel Miguel Elias Temer Lulia Vice Presidente”.

Trata-se da conta aberta pelo atual presidente da República para arrecadar fundos de campanha na eleição. Uma atitude inusual. Nenhum outro candidato a vice-presidente manteve uma contabilidade paralela àquela do cabeça de chapa. Nem Temer fizera isso na eleição anterior, de 2010, quando concorrera ao lado de Dilma pela primeira vez.

A campanha de 2014 foi disputada já com a Lava Jato em cena, operação deflagrada em março daquele ano, sete meses antes de a população ir às urnas. Dilma decidiu ter controle absoluto de suas finanças eleitorais. Escalou o petista Edinho Silva, posteriormente seu ministro da Comunicação Social, para tesoureiro, escolha que gerou problemas inclusive com o PT.

Com uma conta só para si, Temer teve liberdade para arrecadar e gastar. De acordo com registros do TSE, essa conta movimentou 26,5 milhões de reais. São registros confusos, no entanto, é possível que haja repetição de valores, daí que a quantia total movimentada talvez seja menor.

Graças a essa conta, Temer arrecadou 950 mil reais com os irmãos Rodrigo e Ana Carolina Borges Torrealba, uma família detentora de uma concessão para operar um terminal portuário, chamado Libra, no Porto de Santos.

O Porto, como se sabe, está sob influência política de Temer há tempos. No fim de 2015, um aliado dele, Edinho Araújo, então no comando do Ministério dos Portos, garantiu a renovação antecipada da concessão de Libra em Santos até 2035.

Uma renovação sacramentada mesmo com a empresa tendo uma dívida bilionária com o governo, possibilidade aberta na legislação por outro aliado de Temer, o agora ex-deputado Eduardo Cunha. O diretório do PMDB do Rio, controlado por Cunha na época, também recebeu dinheiro dos Borges Torrealba na campanha de 2014.

A conta eleitoral de Temer abasteceu também naquela eleição, com 50 mil reais, a candidatura do deputado federal gaúcho Darcísio Perondi (PMDB), relator da proposta do governo de congelar por vinte anos as verbas sociais, principal agenda econômica do Palácio do Planalto até aqui.

Por essa conta, Temer arrecadou no mínimo 5,5 milhões de reais em doações da JBS, empresa que até outro dia tinha como um de seus dirigentes o atual ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Na campanha de 2014, a empresa injetou 365 milhões de reais, o que levou o presidente do TSE de então, Dias Toffoli, a declarar: “Tentativa de compra do parlamento”.

Devido ao depoimento de setembro de Otávio Azevedo, a conta particular de Temer transformou-se em dor de cabeça. Se o empresário mantiver o que disse e for mesmo sujo o dinheiro do depósito de 1 milhão de reais ao PMDB que ele pensou ter feito ao PT, Temer estará encrencado no TSE.

O peemedebista correrá o risco ver Herman Benjamin propor a cassação da chapa Dilma-Temer. E de não ter como defender a ideia de que as contas da dupla eram separadas e independentes, tese ao gosto do presidente do TSE, Gilmar Mendes, hoje em dia conselheiro informal de Temer.

Mas, se o empresário mudar sua versão, Temer poderá respirar. Das cerca de 25 testemunhas ouvidas até aqui por Herman Benjamin no processo contra a chapa Dilma-Temer, só Otávio Andrade tinha dito que houve propina disfarçada de doação.

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