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Celso Amorim alerta que intervenção externa na Venezuela pode ‘incendiar’ a América do Sul
Segundo o assessor de Lula, o tema pode estar na agenda de uma reunião com Donald Trump no domingo 26
Uma intervenção dos Estados Unidos para depor o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, “pode incendiar a América do Sul” e isso não será aceito pelo Brasil, advertiu em entrevista à AFP Celso Amorim, assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ministro das Relações Exteriores de Lula em seus primeiros dois governos (2003-2010), Amorim expressou preocupação com os ataques americanos sem “nenhuma prova” contra embarcações de supostos traficantes de drogas no Caribe, perto do litoral venezuelano, o que classificou como uma “ameaça de intervenção externa”.
O assunto, segundo o assessor, pode estar na agenda da possível reunião, ainda a ser confirmada, entre Lula e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, no domingo na Malásia, à margem da cúpula regional da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean).
As relações entre ambos os mandatários ficaram ainda mais tensas depois que o republicano impôs sanções ao Brasil motivadas pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos de prisão por liderar uma tentativa de golpe de Estado.
Leia trechos da entrevista:
Pergunta: Lula expressará seu descontentamento a Trump pelos ataques americanos a embarcações no Caribe se a reunião de domingo se concretizar?
Resposta: “Depende do clima da conversa. O Brasil claramente se preocupa com o uso da força ou a ameaça do uso da força ou a ameaça de métodos clandestinos, tipo CIA, para derrubar governos da região.
Não queremos uma convulsão na nossa região. Dependendo do que acontecer isso pode efetivamente ter consequências muito profundas na região, muito graves. Não vão ficar limitadas até os países onde isso acontecer.
Há a questão de uma ameaça de intervenção externa (…) tem pessoas morrendo já. Eu não sei se são narcotraficantes, não parece, não há nenhuma prova de que eles sejam. Isso é muito perigoso”.
P: Se os Estados Unidos intervierem para depor o mandatário venezuelano Nicolás Maduro, como o Brasil se posicionaria?
R: Nós somos contra uma intervenção externa. E esse problema de quem vai governar a Venezuela é dos venezuelanos, não é fácil (…) exige muita ajuda, talvez, para criar pontes, mas uma intervenção externa, seja armada seja através de serviços de inteligência, não é o caminho.
Não podemos aceitar uma intervenção externa. Porque isso vai criar um ressentimento imenso (…) para o Brasil, cria problemas concretos de refugiados, para a Colômbia também. Então isso pode incendiar a América do Sul. Radicalização da política em todo o continente”.
P: O que permitiu a aproximação entre Brasil e Estados Unidos após meses de tensões devido ao julgamento de Bolsonaro e às tarifas?
R: “Eu diria o bom senso, de parte a parte. O presidente Lula não vai ficar dando lições ao presidente Trump e espero que também ao contrário não ocorra. Mas tem que haver um diálogo para buscar os pontos de encontro.
É continuar uma conversa positiva e, sobretudo, o bom entendimento na parte econômica, comercial”.
P: Você acha que Trump desistiu de apoiar o bolsonarismo no Brasil após a condenação do ex-presidente?
R: “A palavra Bolsonaro não foi pronunciada na conversa [no telefonema entre Lula e Trump em 6 de outubro]. Como em todo governo, há pessoas mais pragmáticas, há pessoas mais ideológicas. Nesse caso, pessoas pragmáticas devem ter falado com ele [Trump]”.
P: O que o Brasil oferecerá aos EUA para obter a retirada das tarifas?
R: “Acho que o importante é ter começado um diálogo, sem precondições.
Concordou-se criar uma força tarefa que vai discutir as questões comerciais. Agora, como é que vai ser, o que vai ser importante, não sei, muito cedo para dizer.
Eu fui negociador durante muito tempo… A gente não fica oferecendo coisas”.
P: Os minerais críticos, incluindo as terras raras que o Brasil possui, podem ser discutidos?
R: “Nós conversaremos sobre qualquer assunto. Na questão de minerais críticos, terras raras, o importante é a gente ser capaz de definir as nossas necessidades. (…) Nós estamos abertos a investimentos, desde que também haja beneficiamento para o Brasil”.
P: O Brasil prioriza obter a extensão de tarifas para setores importantes como a carne o café?
R: “Carne e café são importantes, obviamente, mas máquinas e motores também são (…) Todos os setores que foram afetados vão ser negociados.
Eu acho que vai ser uma discussão prática. Então vamos ver o que a gente consegue. Não houve um condicionamento político, jurídico, ideológico em relação à negociação. Isso é o mais importante. Isso já é um começo novo”.
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