Política

Casa de militante do MST é alvo de incêndio criminoso no Paraná

Desde o atentado a tiros contra a caravana de Lula, ataques contra movimentos sociais se sucedem, sem resposta das autoridades

Antes de atear fogo, os bandidos roubaram tudo o que puderam levar
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Na noite de 14 de agosto, Wellington Lenon Ferreira Lima, de 28 anos, militante e coordenador da Brigada Nacional de Audiovisual do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra, preparava-se para jantar em Brasília. Durante cinco dias, ao lado da companheira Juliana Cristina de Mello, engrossou a multidão que caminhou desde a cidade goiana de Luziânia para participar do ato de registro da candidatura do ex-presidente Lula no Tribunal Superior Eleitoral. Foi quando recebeu a notícia de que a sua casa, no acampamento Herdeiros da Terra, em Rio Bonito do Iguaçu, interior do Paraná, foi alvo de um incêndio criminoso. 

“Para nós, a casa não se resumia aos bens materiais. Ela tinha identidade de vida, de resistência no território de luta. Infelizmente, tudo virou cinzas”, lamenta Lenon. Antes de atear fogo, os bandidos roubaram tudo o que puderam levar. Só deixaram os 668 volumes de sua biblioteca, devorados pelas labaredas. “Antes tivessem levado, pois alguém poderia lê-los”.

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A história de Lenon com o movimento dura metade de sua existência. Aos 14 anos, o avô, Isaias Ferreira, velho militante do Partido Comunista que nos anos 1950 e 1960 organizava agricultores em sindicatos, o levou para viver em um acampamento do MST. Filho de pais separados, o rapaz foi criado desde os dois anos pelos avós.

Aos nove, dividia pequenas tarefas na colheita de café. “Meu avô era meeiro, trabalhador braçal sem quaisquer direitos”, conta Lenon. “Com ele, aprendi a lutar pela sobrevivência e a dividir o pouco que sempre tive”.

Ali começou a vida nômade do militante. Despejado de um assentamento em Terra Rica, seguiu para Carlópolis, também no interior paranaense, onde conheceu sua companheira. Até que 2014, participou da ocupação de uma área com mais de 32 mil hectares, que permanece em litígio com a madeireira Araupel há mais de duas décadas, em Rio Bonito do Iguaçu, onde vive com outras 1.427 famílias. “Fomos recebidos a tiros por seguranças armados. Sete pessoas ficaram feridas e um amigo, de 19 anos, morreu atingido por uma bala no pescoço. A gente só queria um pouco de terra para plantar”. Atualmente, Lenon é coordenador estadual de comunicação e cultura do MST.

Casa Para Lenon, a casa não se resumia aos bens materiais, simbolizava a ‘resistência no território de luta’

A área, rica em madeiras de qualidade, como araucária e pinus, há mais de dois anos vem sendo alvo dos bandidos, que roubam os troncos para serem vendidos no mercado negro. Por coincidência, no último dia 16, dois dias após o incêndio, a Policial Civil desencadeou a Operação Sicarius II, que há mais de um ano investigava as ações de duas quadrilhas.

Segundo a própria polícia, ambas atuavam no assentamento de Rio Bonito do Iguaçu com ramificações em outros municípios da região. Armas foram apreendidas 25 pessoas, presas. Um ex-prefeito do município de Saudade do Iguaçu está entre os detidos.

“Não posso afirmar que são essas quadrilhas que queimaram minha casa. Mas as evidências são grandes. Aguardamos o trabalho da polícia”, diz Lenon. Para ele, a ação foi mais uma tentativa de amedrontar os acampados do MST. “Já assistimos crimes bárbaros na região. É mais uma tentativa de jogar a sociedade contra o movimento”.

No Paraná, o histórico da violência contra movimentos sociais, notadamente o MST, vem de longa data. Nos últimos 25 anos, de acordo com a ONG Terra de Direitos, 17 trabalhadores sem-terra foram assassinados no estado. O ápice dessa escalada deu-se no governo Jaime Lerner, entre 1994 e 2002, com 16 mortes. Neste mesmo período, segundo a Comissão Pastoral da Terra, houve ainda 31 tentativas de homicídio, 49 ameaças de morte, 325 feridos em ações de despejo e sete casos de tortura.

Fatos recentes mostram que além da barbárie, a Justiça, quando convêm, caminha a passos de tartaruga. Na noite de 27 de março, um ônibus da caravana de Lula foi alvejado por tiros no município de Laranjeiras do Sul. Passados cinco meses, o inquérito policial sequer foi concluído. Segundo o advogado Claudemir Torrente Lima, que atua no processo em parceria com o escritório do ex-ministro Eugênio Aragão, o delegado responsável pelo caso encaminhou carta precatória a São Paulo para que profissionais que estavam no veículo prestem depoimento. Não há previsão para o fim desta fase policial. 

Lenon Desde os 14 anos de idade, Lenon vive em acampamentos do MST

Desde a prisão de Lula, em abril último, na sede da Superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, uma série de atentados contra apoiadores do ex-presidente permanece impunes. O mais grave aconteceu na madrugada de 28 de abril, exato um mês após o ataque ao ônibus da caravana, quando um atirador solitário disparou vários tiros e atingiu duas pessoas.

Uma delas ficou internada em estado grave, felizmente não houve mortes. Os policiais encontraram no local cápsulas de balas de pistola 9 mm. A operação foi filmada por câmeras de segurança. O inquérito, segundo o advogado Ramon Bentivenha, ainda dormita nas gavetas da secretaria de Segurança Pública. 

Na manhã de 26 de junho, um motorista quase atropelou o grupo de militantes que voltava da vigília nas imediações da PF. Ele jogou o carro contra os pedestres, para depois retornar armado e atirar a esmo contra o acampamento. Desta vez, não houve vítimas. E tampouco resposta das autoridades.

De acordo com Olympio de Sá Sotto Maior, do Ministério Público, há uma manipulação ideológica para apresentar os movimentos populares, notadamente o MST, como organizações criminosas. “Isso não acontece apenas no Paraná.

O discurso do candidato a presidente da República, Jair Bolsonaro, propõe enquadrar os integrantes do movimento como terroristas”. Neste contexto, diz o procurador, o que existe é uma injustificada violência contra os militantes. “O que a mídia não mostra é que o MST teve um importante papel na efetivação da reforma agrária, cujos resultados são extremamente positivos”.

Agora, Lenon quer escrever a sua história. “No MST, a gente aprende valores como solidariedade e companheirismo. Isso me motiva a lutar”. Para ele, o verdadeiro valor da vida é o que está na consciência. “E isso ninguém consegue queimar”. 

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