Política

#CartaJáSabia: O primeiro confronto Lula x Moro na Lava Jato

Uma retrospectiva diária de textos de CartaCapital que explicam como chegamos nesta era da demência

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Em 9 de junho de 2019, o portal The Intercept Brasil publicou mensagens trocadas entre procuradores do Ministério Público Federal, como o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, e o então juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro. As conversas revelam que os dois articularam para condenar o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá, a fim de tirá-lo da corrida eleitoral de 2018.

CartaCapital defende há anos que Moro atuava de forma dirigida. Abaixo, trecho da reportagem de capa da edição 952 da revista – “As ruas e as janelas”, de 17 de maio de 2017, assinada pelo repórter René Ruschel, pelo redator-chefe Sergio Lirio e com a colaboração de Miguel Martins.

Na ocasião da reportagem, Lula se dirigiu a Curitiba para prestar depoimento à Lava Jato pela primeira vez. Leia trechos abaixo:

Passava um pouco das 8 da manhã da quarta-feira 10 e o vaticínio do taxista não se concretizaria. A batalha épica, o duelo exaustivamente anunciado pela mídia entre o Bem e o Mal, ou o Mal e o Bem, a depender da perspectiva, entre Lula e Moro, não se desenrolaria da maneira imaginada.

[…]

Moro, procuradores da República e jornalistas, a bancada de “acusadores”, chegaram escoltados por policiais militares, que formaram um extenso cordão de isolamento por sete quadras ao redor do tribunal. Ao todo, o governo estadual escalou 1,7 mil agentes para o policiamento ostensivo da cidade e a proteção do tribunal. Lula, o réu, caminhou livremente por cerca de 300 metros até a entrada do prédio público amparado por uma multidão. […] Em contraste, escassos defensores de Moro mostraram disposição para descer dos prédios e exibir o rosto. No Centro Cívico, a 4 quilômetros da concentração pró-Lula na histórica Praça Santos Andrade, um pequeno grupo acenava bandeiras e gritava palavras de ordem. […] Moro, em outra parte da cidade, deixava-se fotografar com uma marmita na mão, uma espontânea contribuição para a imagem de servidor público dedicado. “É, sim, uma quentinha”, confirmaria em uma rede social, orgulhosa, Rosângela Moro, mulher do magistrado.

[…]

A interlocutores o ex-presidente definiu como respeitoso o comportamento do juiz, mas se irritou com a exaustiva repetição de perguntas durante as mais de cinco horas de depoimento. E guardou a maioria das alfinetadas para as considerações finais. Lula declarou-se vítima da “maior caçada jurídica” sofrida por um ex-mandatário e questionou os métodos da Lava Jato. Ao ser repreendido por Moro (“Não é para fazer um apanhado do que o senhor fez no governo”), devolveu: “Estou sendo julgado pelo que fiz no governo, pela construção de um PowerPoint mentiroso”, em referência à famosa exposição do procurador Deltan Dallagnol, que se valeu de um gráfico para acusá-lo de ser o “comandante máximo” do esquema de corrupção.

Lula também criticou a mídia e voltou a reafirmar isso quando o magistrado perguntou se os acusadores seriam os meios de comunicação ou os integrantes da própria operação: “Na medida em que foi feito um acordo de que não é possível na Lava Jato se condenar políticos importantes ou ricos sem o apoio da imprensa, se adotou primeiro a política de a imprensa criminalizar”. E investiu contra os vazamentos seletivos (Moro, sem mover um músculo, negou que a força-tarefa seja a responsável por eles): “Há jornalistas que sabem o que vai acontecer um dia antes. Há o interesse de vazar, doutor Moro, porque esse julgamento tem de ser feito pela imprensa”. De forma irônica, pediu ao juiz que solicitasse à Polícia Federal a devolução dos tablets dos netos apreendidos em março do ano passado, durante sua condução coercitiva. Por fim, abordou o motivo de sua presença em Curitiba: “O Ministério Público tem algum documento de que comprei o apartamento, alguma escritura? Pelo amor de Deus, mostrem”.

O apelo de Lula está longe de ser trivial. Construiu-se a ideia de que o processo nas mãos de Moro é um julgamento amplo e irrestrito e vai da suposta propriedade de um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, à obstrução de Justiça, à negociação dos caças para a Aeronáutica, à corrupção generalizada na Petrobras e até aos antigos pecados do PT no chamado mensalão. Não é. Embora o juiz continue a incorporar ao processo declarações que nada têm a ver com o caso específico ou faça perguntas sem nexo causal com os fatos, Lula viajou a Curitiba para responder sobre a suposta propriedade de um triplex no Guarujá, uma praia popular do litoral paulista, um apartamento que o ex-prefeito Paulo Maluf classificou de “três Minha Casa Minha Vida” empilhados.

Depois de ouvir mais de 70 testemunhas ao longo de dois anos, o magistrado, apontam os advogados de defesa, continua diante do mesmo dilema: é impossível provar que o petista é o proprietário e, portanto, teria recebido uma compensação da empreiteira OAS em troca de benesses à empresa durante o seu mandato.

[…]

Moro, consideram, tornou-se prisioneiro de seus apoiadores, em especial dos meios de comunicação, que não admitem outro desfecho a não ser a condenação de Lula sob qualquer pretexto. Para outros, o encontro sem intermediários entre um réu seguro e um magistrado titubeante e evasivo expôs claramente as fragilidades da acusação. No mínimo, forçará o juiz a buscar novas evidências, e prolongar o processo, se o único objetivo for uma sentença condenatória. […] “Moro age como político, não tem a isenção própria de um juiz”, acrescentou o também ex-ministro Roberto Amaral, presente nas manifestações.

[…]

O fim do sigilo ofereceu à mídia a oportunidade de escapar do constrangimento de produzir análises equilibradas a respeito do desempenho de Lula em Curitiba e de apostar em uma nova frente de acusações contra o ex-presidente. Moro e a força-tarefa conseguiram, com o apoio de Fachin, manter acesa a tese de que o petista “sabia de tudo” e comandava o esquema de corrupção na Petrobras. E por mais um dia o Brasil segue dividido. Enquanto as ruas clamam por verdade e justiça, as janelas enfeitadas com bandeiras do Brasil contentam-se com menos. Bastam as convicções de um PowerPoint.

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