Política
Carta aberta a Eduardo Jorge, que quer dar meio voto para Bolsonaro
Não rasgue a sua própria história


Eduardo, acabo de ler que você irá votar nulo nas eleições de domingo. Estou perplexo, estarrecido.
Escrevo com a esperança de ainda pode mudar essa decisão equivocada. Caso contrário, você jogará na lata do lixo tudo o que defendeu ao longo da vida.
Participei de algumas das suas campanhas para deputado. Compartilhamos muitas ideias em comum. E sempre tenho defendido sua integridade, mesmo nos anos recentes, quando nos afastamos e você se aliou ao Serra, ao Kassab, ao Aécio. Mas esse posicionamento irresponsável com o País e com sua própria história é inaceitável.
Você dará mesmo meio voto para o Bolsonaro? Quer ser meio sócio do obscurantismo e do autoritarismo, colaborando para elegê-lo?
Quer ser meio sócio da destruição da legislação e dos órgãos ambientais, da violência, do armamento dos indivíduos, da ocupação das terras indígenas por mineradoras e pelo agronegócio selvagem, do veneno na comida, da escola sem crítica ou até mesmo da (des)educação sem escola, da retirada do Brasil do Acordo de Paris?
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Quer mesmo ser meio sócio de tudo que combateu ao longo da vida, antes, durante e depois da sua passagem pelo PT.
Como você sabe, eu também tive e tenho críticas a certas posições e posturas da direção do PT. Mas, em sã consciência, não existe comparação entre os erros do PT (que, aliás, não são de Fernando Haddad) e o que significa Bolsonaro, acompanhado de seu vice general, de seu partido fictício e de seus apoiadores bestificados.
Mesmo os mais críticos não podem dizer que os governos do PT não respeitaram a democracia, a liberdade de imprensa e a pluralidade. Que não fortaleceram as instituições republicanas de Estado. Que não garantiram a independência do Judiciário.
Ninguém pode dizer que, nos governos do PT, não houve preocupação com a proteção ambiental (Marina Silva, sua companheira de chapa, foi ministra do Meio Ambiente em quase metade desse período), que não fortaleceu o SUS (construído com sua contribuição), que não se respeitou os direitos humanos e os direitos civis das minorias.
Era você mesmo que defendia a cultura de paz? Que criou a Universidade Livre da Cultura de Paz e do Meio Ambiente? Será o mesmo que agora vai dar meio voto para um ex-capitão que quer armar a população? Que falou que a ditadura deveria ter matado 30 mil? Que coloca uma arma na mão de uma criança? Que diz que vai limpar o País dos “vermelhos”?
Será que você não percebeu que, para ele e para os seus apoiadores, você também é um vermelho ou melhor, uma melancia, verde por fora e vermelho por dentro? Que para eles quem defende o que você defende (a paz, a saúde pública, o meio ambiente, os direito humanos, a solidariedade) é sempre um esquerdista? Ou você não defende mais isso?
Você fala em ser oposição. Será que você esqueceu que em governos autoritários e fortes, um risco não pequeno com a eleição de Bolsonaro, oposição não é admitida? Que a liberdade de expressão é suprimida? Ou você pensa que vai fazer oposição com luta armada, como na época da ditadura? Acho que você está velho demais para isso.
O que está em jogo não é uma mera eleição entre dois candidatos, a opção entre dois partidos, entre dois programas do governo, como nas eleições passadas. O que está em jogo é a própria democracia e o direito de existir oposição.
Sob o PT, a oposição pode fazer dezenas de manifestações contra a presidenta com liberdade, sem repressão, asseguradas por um governo democrático. Não correu uma gota de sangue.
Bolsonaro, cujo vice disse que, se necessário, daria um autogolpe no primeiro dia de governo, aceitaria da mesma forma as regras da democracia? Como ele reagiria a uma manifestação da oposição na Esplanada dos Ministério em meio a um processo de impeachment? Você apostaria que a declaração de Bolsonaro filho, de que fecharia o STF com um cabo e um soldado, é mera figura de linguagem?
Então como tudo é a mesma coisa, você vai dar meio voto para um maluco, que está reunindo massas fanatizadas, que virarão milícias paramilitares, apoiado pela indústria de armas, pelo agronegócio selvagem e devastador, pelas mineradoras sem ética, pelas empresas de doenças, que reduzirão a saúde a um negócio privado e por um invisível mercado que quer um Estado mínimo, hiperliberal e sem capacidade de fiscalizar, controlar e gerir a coisa pública?
Eduardo, não posso acreditar. Uma liderança política com você não pode dar meio voto para Bolsonaro. Espero que ainda mude de opinião. Senão, desculpe, não poderei mais respeitá-lo. Você terá rasgado sua história.
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