Política

Carla Zambelli vira o braço ‘armado’ de Ricardo Salles na Câmara

CartaCapital se enveredou pelos meandros da indicação da deputada para a chefia da Comissão de Meio Ambiente

Deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP). Foto: Agência Câmara.
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Nem o fato de figurar como ré no inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal diminui o ímpeto da deputada Carla Zambelli, do PSL paulista, para distribuir mentiras nas redes sociais, em entrevistas e no púlpito da Câmara dos Deputados. Eleita presidente da Comissão de Meio Ambiente, a parlamentar agora aponta a artilharia para os temas da biodiversidade. É um assombro. “A Amazônia nunca queimou tão pouco”, disparou. “Temos 88% da mata nativa preservada”, garantiu. “ONGs colocaram fogo na Amazônia” —  esta uma inverdade bem ao gosto de Jair Bolsonaro e do ministro Ricardo Salles.

É bom os ativistas ambientais, a União Europeia, que negocia um acordo comercial com o Mercosul, os Estados
Unidos de Joe Biden e sua promessa de revolução verde e os exportadores brasileiros responsáveis colocarem
as barbas de molho. A Comissão do Meio Ambiente da Câmara, antes uma trincheira contra as maluquices de Salles,
tende a se tornar um esteio do ministério, imbuído da missão de “passar a boiada”.

CartaCapital enveredou-se pelos meandros da indicação da deputada. Na história, cruzam-se nepotismo, a força de madeireiros e garimpeiros e até o despontar de uma espécie de “Olavo de Carvalho” do núcleo ambiental do governo.

Apesar de não ter experiência no assunto, Zambelli teve em Salles um forte cabo eleitoral na disputa pelo comando da comissão. O ministro, entre outros pontos, agia em interesse próprio. Emplacar uma bolsonarista “raiz” no posto seria uma garantia de evitar dores de cabeça no Congresso. “Essa comissão não pretende convocar ministro nenhum”, avisou a parlamentar. Em 2019, último ano em que a comissão funcionou plenamente, antes da interrupção dos trabalhos por causa da pandemia, Salles havia sido convidado a prestar esclarecimentos ao menos três vezes sobre medidas prejudiciais à biodiversidade. Outras inúmeras audiências públicas expuseram o ministro tanto no Brasil quanto no exterior.

Zambelli ameaça intimidar as ONGs, críticas do desmonte ambiental no País

Com Zambelli à frente, não será a comissão a criar embaraços a Salles, alvo de investigações por diversos malfeitos. A principal delas foi instaurada pela Quarta Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, à qual a CartaCapital teve acesso. Na ação, o ministro é denunciado por crime de responsabilidade por causa da famosa frase “passar a boiada”, pronunciada naquela fatídica reunião de abril do ano passado. Segundo os procuradores, não se trata de meras “coincidências” as medidas tomadas pelo ministério e se desnuda um “encadeamento premeditado, lógica e teleologicamente, de atuar contrário à proteção ambiental, caracterizando o dolo”. Ou seja, Salles, aponta o

Ministério Público, agiu de forma deliberada com o intuito de desmontar políticas cujas consequências seriam irreversíveis. Mais: o ministro defenderia “outros interesses” ao frear as multas contra danos ambientais, liberar a exportação de madeira nativa e afrouxar a fiscalização. No fim, os procuradores sugerem que as evidências poderiam resultar no impeachment do denunciado.

Em 2019, a Comissão de Meio Ambiente realizou 280 horas de audiências, 50 reuniões ordinárias e o ministro foi convocado − e compareceu − por três vezes. “Conseguimos aprovar 47 projetos ambientais e climáticos, negociamos e seguramos muita coisa também”, lembra o deputado Rodrigo Agostinho, do PSB, que comandou os trabalhos naquele ano.

De perfil conciliador, Agostinho era uma aposta do então presidente da Casa, Rodrigo Maia, para conter os arroubos de Salles. “Ele tinha entrada com a ala progressista do agronegócio e muita relação com as organizações não governamentais, ativistas, então conseguia negociar consensos”, conta uma ativista. Para se desviar da comissão à época, o ministro apegou-se a medidas infralegais, a tal “boiada”, para agir à margem do Congresso. Um mapeamento da ONG Política Por Inteiro mostra que, dois anos atrás, Salles publicou 54 normas desse tipo. Em 2020, foram 205. Até 16 de março último, a soma chega a 41. Talvez não seja mais preciso recorrer a esse expediente de agora em diante.

Enquanto Zambelli promete atuar como uma guarda-costas do ministro, Salles colabora com o projeto da deputada de se manter em evidência, cuja força reside no sucesso entre os apoiadores mais radicais de Bolsonaro. O discurso de posse da deputada na comissão foi escrito por um “assessor ideológico” de Salles, um tipo de “guru olavista”
que tem como funções extras alinhar as declarações do ministro às informações “sem respaldo científico” e dar um verniz técnico a essa pantomima. Seu nome: Evaristo Eduardo de Miranda, técnico levado ao governo pelo ministro
Onyx Lorenzoni e que chegou, tempos atrás, a ser cotado para substituir o próprio Salles. Miranda ocupa atualmente
um cargo na Embrapa Territorial e tem ideias esdrúxulas, entre elas a fusão do ICMBio com o Ibama, proposta que provoca calafrios nos ambientalistas. Outra: a tese do “boi bombeiro”, para justificar a expansão da pecuária no Pantanal e na Amazônia.

As conexões entre Salles e Zambelli vão além do alinhamento ideológico. Os dois são amigos do empresário Jorge Feffer, da Suzano Celulose. Feffer doou para a campanha da deputada e sua empresa aparece citada na ação criminal que corria contra o ministro quando este era secretário do Meio Ambiente de São Paulo. No processo, Salles é acusado de adulterar ilegalmente o Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental Várzea do Rio Tietê com o objetivo de favorecer indústrias, entre elas a Suzano. Em 2018, o ex-secretário chegou a ser condenado, mas, em fevereiro deste ano, o processo foi arquivado. Feffer também é um dos patronos do movimento Endireita Brasil, fundado e presidido por Salles e integrado por Zambelli.

Outro grande amigo da dupla é Luiz Antonio Nabhan Garcia, secretário Nacional de Assuntos Fundiários, defensor do projeto de “regularização fundiária” encampado pela parlamentar. Garcia integra o governo para atender pedidos bem específicos dos ruralistas, com destaque para a Proposta 2633/20, de Zé Silva (Solidariedade-MG), que praticamente legaliza a grilagem no Brasil e estimula o desmatamento. A relação do secretário e da deputada desaguou em um nepotismo cruzado. Zambelli empregou em seu gabinete o irmão de Garcia, Maurício, com um salário de 5,1 mil reais. Em troca, o irmão da deputada, Bruno, trabalhou com o ruralista.

Quando Zambelli foi escolhida para a comissão, Garcia postou um vídeo nas redes sociais no qual parabeniza as “três
mosqueteiras” de Bolsonaro – a amiga (Meio Ambiente), Bia Kicis (CCJ) e Aline Sleutjes (Agropecuária).

Há motivos para o secretário comemorar. Com o trio na presidência dessas comissões, o governo federal abre uma
Transamazônica para aprovar projetos de interesses da bancada ruralista, pois a maior parte das propostas de interesse do grupo só precisa tramitar por esses espaços. Caso aprovadas, seguem direto ao Senado, sem necessidade de enfrentar uma votação no plenário da Câmara.

A estratégia do governo Bolsonaro de colocar as três nas comissões dará muito conforto a Salles. Segundo Márcio Astrini, do Observatório do Clima, e Suely Araújo, ex-presidente do Ibama, entre os projetos mais perigosos estão a liberação de caça (PL 6268) e da pecuária em reservas legais (PL 4508) e o fim da lista oficial de peixes ameaçados de extinção (PDC 36). Zambelli, além do mais, contará com a retaguarda de outros ruralistas. A vice-presidência da comissão ficou com o Coronel Chrisóstomo (PSL-RO), aliado de grileiros. Nelson Barbudo (PSL-MT), envolvido em invasões de terras indígenas, Carlos Gomes (Republicanos-RS) e Neri Geller (PP-MT), ligados à Bancada do Boi, reforçam o time.

O petista Nilto Tatto alerta: além da composição da comissão, com a pandemia os mecanismos regimentais para derrubar projetos, obstruir reuniões e pautas tornaram-se extremamente limitados. O quórum é alcançado com poucos minutos depois de aberta a reunião. “Será uma tragédia.”

Em entrevista recente, Zambelli deixou clara a disposição de inverter o jogo e investigar as ONGs por “uso do dinheiro”, declaração classificada por organizações como “ameaçadora”. “Como não recebemos dinheiro público, não sei qual seria o poder dela para investigar. Precisamos lembrar que não usamos dinheiro público para comprar
cloroquina nem para fazer operações inúteis na Amazônia ou tour em Israel para testar spray nasal”, rebate Astrini.

Um grupo de 250 organizações nacionais e internacionais entregou ao Ministério de Meio Ambiente e ao Congresso uma carta, na qual apelam para que não ocorram “atropelos” no Legislativo e que a sociedade civil participe do debate. A carta pede ainda a suspensão de projetos como o PL 191, que prevê a mineração em terras indígenas, o de licenciamento ambiental (PL 3.729) e o de regularização fundiária. Ao mesmo tempo, os ativistas vão usar os fóruns internacionais para denunciar as ameaças ao meio ambiente no País. Terão três grandes oportunidades nos próximos meses: a Conferência de Biodiversidade da ONU, em maio, a Assembleia-Geral das Nações Unidas,
em setembro, e a COP-26, em novembro.

Procurada, Carla Zambelli não atendeu aos pedidos de entrevista.

Publicado na edição nº 1149 de CartaCapital, em 18 de março de 2021

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