Política

‘Candidaturas de militares corroem credibilidade da instituição’, avalia pesquisador

Para Rafael Alcadipani, ‘fator’ Bolsonaro é o maior responsável pelo número recorde de candidatos policiais

Presidente da República, Jair Bolsonaro, durante cerimônia do Dia do Soldado, com imposição da Medalha do Pacificador e da Medalha do Exército Brasileiro. Foto: Marcos Corrêa/PR
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O número de candidatos policiais e militares bateu recorde nas eleições municipais de 2020. Segundo dados do Anuário da Segurança Pública, publicado no domingo 18 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), foram registradas 7.258 candidatura de militares.

 

Em relação às eleições nacionais de 2018, houve um aumento de 44% de integrantes das Forças Armadas na disputa eleitoral. A maior parte delas, 87%, em partidos de direita.

De acordo com o professor de gestão pública da FGV e membro do FBSP Rafael Alcadipani, o “fator” Jair Bolsonaro é o maior responsável pelo aumento de militares na política. Para ele, o movimento é preocupante.

“Os militares, principalmente a Polícia Militar, têm lado no jogo político do Brasil. Eles não são mais instituições de Estado, estão se comportando como instituições de política e isso corrói a credibilidade que a sociedade tem nas polícias e nas instituições militares”, afirma.

Alguns países como EUA, França e Inglaterra impõem regras para militares na política. Há uma quarentena necessária a ser feita antes de iniciar a vida pública, e o retorno não é permitido.

No Brasil, um militar com mais de 10 anos de carreira pode concorrer a cargos eletivos e voltar a atuar logo em seguida.

“Eles estão querendo, além de privilégios, mandar no poder político. Isso nunca deu certo na história do Brasil”, diz Alcadipani.

Militares de esquerda

A esquerda também conta com alguns nomes. Segundo os dados do Anuário da Segurança Pública, 2,9% das 7.258 candidaturas são do campo progressista. Em Salvador, a candidata do PT à Prefeitura, Major Denice, é um exemplo.

Para Alcadipani, essa pequena parcela não é capaz de neutralizar o antagonismo existente entre os militares e a esquerda.

A polícia no mundo inteiro é conservadora. E no Brasil, temos uma relação muito forte de militares com a ‘caça ao comunismo’, com ações que são bastante controversas em termos de tortura e tudo mais”, explica.

Confira a entrevista completa: 

CartaCapital: Houve um aumento de candidaturas de militares em 2020. Por quê?

Rafael Alcadipani: É um reflexo da onda Bolsonaro, que levou muitos militares a perceber e imaginar que poderiam ser eleitos e fazer o mesmo caminho do presidente. No Brasil não há uma vedação específica na lei que crie uma quarentena e impeça que os militares se candidatem. A gente vê uma situação hoje em que o ex-comandante da PM de São Paulo é candidato a vereador. E isso não tem uma vedação legislativa, que faça com que esses absurdos não aconteçam.

CC: A Polícia Militar lidera as candidaturas. Por que isso acontece? 

R.A: Eles têm maior número de policiais e há também um interesse das instituições dos policiais militares para ter pessoas no parlamento para suas falas corporativistas. A Reforma da Previdência é um exemplo de como os interesses foram colocados. A PM entrou junto com os militares em um regime especial de aposentadoria.

CC: É mais um interesse da corporação ou da pauta de Segurança Pública?

R.A: Tudo, na verdade. A pauta da Segurança Pública e a dos interesses dos policiais. Acho que juntou tudo nessa história.

CC: A maioria dos candidatos (87%) está em partidos de direita. Apenas 2,9% em partidos de esquerda. Há um antagonismo entre os militares e a esquerda?

R.A: Sim, claro. E agora está mais claro ainda. A polícia no mundo inteiro é conservadora. E no Brasil temos uma relação muito forte de militares com a “caça ao comunismo”, com ações que são bastante controversas em termos de tortura e tudo mais.

CC: Essa volta dos militares à política reflete uma relativização do que foi a ditadura?

R.A: Sim, marca um retorno. Os militares nunca deixaram de fazer política, mas agora eles estão se sentem muito soltos para fazer isso. Sendo que quando a política entra no quartel, a hierarquia suprema e a disciplina vão embora. E é este momento que estamos vivendo.

CC: O apoio da população aos militares mostra que as pessoas não enxergam mais o período militar como ditadura?

R.A: Isso é uma coisa que não está na preocupação do brasileiro. A gente nunca lidou com a ditadura, assim como não lidamos com o racismo no Brasil. Não lidamos com os nossos problemas. Apenas jogamos para debaixo do tapete.

CC: A entrada de militares na política é uma quebra de neutralidade da instituição? 

R.A: Total, que já esta dada. Os militares e as polícias militares, principalmente, têm lado no jogo político do Brasil. Elas não são mais instituições de Estado, se comportam como instituições de política.

CC: E o que afeta? 

R.A: Isso corrói a credibilidade que a sociedade tem nas polícias e nas instituições militares. Não é nada positivo, porque é uma coisa que acontece em países como Venezuela, Cuba, que eles criticam. É uma politização das tropas da força de segurança, e isso é muito grave.

CC: Em 2018 e 2020, tivemos o menor número de candidatos militares de esquerda. Os dados são preocupantes para quando a esquerda voltar ao poder?

R.A: Acho que não. Acho que eles vão respeitar. Não tem nem como não respeitar, não temos clima mais.

CC: Países como EUA, França e Inglaterra têm regras para impedir que militares sigam para a política. Por que fazem isso?

R.A: Porque isso rompe com a neutralidade e corrompe a credibilidade. Tanto é que quando o general dos EUA foi marchar com o Trump, ele pediu desculpas na sequência, pois não queria ser usado pelo presidente. Aqui no Brasil a gente viu protesto na frente do Comando do Exército pedindo ditadura e nunca teve um chefe militar pedindo desculpas por isso. Ou então se posicionando. Ficaram em silêncio, um silêncio conivente.

CC: Deveríamos ter uma lei parecida no Brasil?

R.A: Sim. Deveríamos ter uma quarentena militar para [que] as forças militares não se corrompessem com a política.

CC: E se os militares se tornarem ministros?

R.A: Isso coloca os militares como aliados do governo. Isso em qualquer governo, se fosse do PT, fosse quem fosse. Se você for pensar, os militares tiveram o benefício da Reforma da Previdência. Eles têm uma previdência muito melhor que a de pessoas comuns. Isso deveria servir para que eles ficassem neutros e pudessem ter uma sobrevivência sem precisar se envolver na política. Mas não é isso que está acontecendo no Brasil. Eles estão querendo, além de ter privilégios, mandar no poder político. Isso nunca deu certo na história do Brasil e não vai dar certo de novo.

CC: Como você enxerga o cenário se a maioria desses candidatos for eleita? 

R.A: Nem um pouco positivo. Inclusive, vimos no Anuário Brasileiro de Segurança Pública que nunca tivemos tantos policiais e militares no Congresso e no governo. E o que que aconteceu? Nada. Se você for pensar no Witzel, um quadro que veio da Justiça, é acusado de corrupção. Se você for pensar no governador de Santa Catarina, que é um quadro que veio do meio militar, é suspeito de estar envolvido em corrupção. Que mudança fizeram? Nenhuma. Os indicadores de Segurança Pública estão voltando a ficar péssimos e o que esses caras fizeram? Nada, apenas se preocupam com a agenda corporativa deles.

CC: O anuário mostrou um aumento de violência policial, principalmente com a população negra. Isso é reflexo dos militares estarem no poder? Carta branca?

R.A: Tem um clima no Brasil que acha que sim. Eu acho que as instituições militares do Brasil contribuem com o racismo estrutural do País. Isso não é nenhuma novidade. Estando no poder, eles têm essa liberalização. Como uma carta branca.

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