Política

Campanha deste ano teve menos ‘baixarias’

Sem aborto, escândalos fabricados e bolinha de papel, disputa presidencial deste ano abordou temas mais relevantes que a de 2010

Serra é atingido por bolinha de papel
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Os três meses desta campanha eleitoral à Presidência tiveram reviravoltas sem precedentes nos últimos vinte anos. O período curto, achatado pela Copa do Mundo, a queda do avião de Eduardo Campos e as oscilações dos três principais candidatos nas pesquisas frustraram diversas previsões. No final de semana da eleição, o cenário segue aberto: Dilma Rousseff (PT) pode enfrentar Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (PV) ou até vencer no primeiro turno.

A disputa mais acirrada traz embates mais fortes entre os candidatos. Mas isso não fez com que o nível dela baixasse em relação à última campanha eleitoral. A campanha de 2014 teve menos ‘baixarias’ e mais temas relevantes sendo discutidos.

Cabe lembrar aqui como foi a disputa em 2010. Há quatro anos, o cenário já estava definido antes do dia da eleição. Marina Silva, então no PV, era a terceira via, mas não ameaçava a polarização entre PT e PSDB. Mesmo assim, uma série de assuntos irrelevantes ou abordados de maneira rasteira dominaram a campanha.

A descriminalização do aborto foi tratada como algo alijado das políticas públicas de saúde. A sua abordagem conservadora veio ancorada em campanhas apócrifas contra candidatos e pela voz escancarada de pastores obscurantistas como Silas Malafaia.

Uma série de escândalos midiáticos também ajudou a desviar a atenção das propostas dos candidatos. A quebra de sigilo do então vice-presidente tucano Eduardo Jorge (não o atual candidato) se tornou o assunto mais persistente daquela campanha. Do dia 19 de junho até a apuração final, uma discussão que não ajudava os eleitores a conhecer melhor os candidatos era repetida insistentemente. Contra a ‘guerra suja’ de uma campanha, outra era feita em seu lugar.

Outras suspeitas de corrupção também vieram à tona. O chamado ‘mensalão’ era tema de programas eleitorais de diversos partidos, inclusive dos que se defendiam de acusações. Já a ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, caiu por suspeitas de lobby em seu gabinete durante a campanha e deu munição à oposição. No contra ataque, o PT dava ênfase ao escândalo do diretor da Dersa, Paulo Preto, suspeito de desviar dinheiro da estatal aos cofres tucanos. A palavra ‘privataria’, referindo-se a suspeitas de corrupção nas privatizações dos anos 90, também era repetida a exaustão pelos militantes petistas.

A corrupção é um tema relevante, mas a sua abordagem descartava totalmente as suas causas estruturais, o papel da inciativa privada nestes casos e as formas de preveni-la. Como todos os candidatos relevantes tinham um ‘podre’, o eleitor se deparava diante da seguinte pergunta: ‘quem é menos bandido?’.

Quatro anos depois, a campanha passou mais longe do obscurantismo e dos escândalos. Ao contrário da eleição passada, políticas econômicas foram discutidas abertamente. A autonomia e a independência do Banco Central contrastavam projetos diferentes entre os três candidatos, dando subsídio para as escolhas do eleitor. A frágil situação da economia brasileira também levou à frente temas como o papel dos bancos públicos, direitos trabalhistas, taxas de juros e meta de inflação. Até a extinta CPMF deu as caras durante a eleição.

Já o ‘grande escândalo’ de corrupção nesta eleição foram as suspeitas de desvio de recursos na estatal Petrobras, que ainda não atende por um nome fácil como ‘mensalão’ ou ‘privataria’. Sem personagens tão conhecidos, o tema foi abordado de maneira menos rasteira. Dilma, reiteradamente, falava da importância de instituições independentes e do combate estrutural à corrupção. Aécio, apesar do tom acusatório, discutia qual deve ser o papel do estado na condução destas empresas. Para um país que mostrava fotos de ‘procurado’ no horário eleitoral há quatro anos, saímos no lucro.

A desconstrução da campanha de Marina, feita tanto por Dilma quanto por Aécio, não caiu sobre aspectos pessoais da sua vida. A falta de clareza das propostas de Marina virou seu maior revés. Ao reagir, acuado pelos adversários, Marina enriqueceu o debate ao deixar mais claros pontos que até então não eram esclarecidos em sua nova política.

Apesar da melhora, nem tudo é ideal. A revisão do capítulo LGBT do programa de Marina após críticas do mesmo Silas Malafaia mostram que a ala obscurantista ainda tem poder sobre a pauta das eleições. Dilma e Aécio, por sua vez, não apresentaram seus programas de governo. Desta forma, suas propostas ficaram soltas, desorganizadas e menos claras.

O diagnóstico também pode ser otimista, mas não é o final: a ‘baixaria’ pode ser pior no segundo turno. Em 2010, foi nele que José Serra acabou em um hospital para fazer uma tomografia após ser atingido por uma bolinha de papel. Além disso, neste período aconteceu o momento mais dispensável da campanha: uma ex-aluna de Mônica Serra falou que a esposa do tucano teria feito um aborto. Resta torcer, e cooperar, para que o debate não decline nas próximas três semanas.

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