Política

Camilo Santana: “O motim no Ceará foi obra de políticos oportunistas”

Para o governador cearense, movimento foi comandado por políticos com mandatos: “Essa turma abusou da boa fé da tropa”

Camilo Santana é eleito governador do Ceará
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Após negar anistia aos policiais militares amotinados no Ceará, o governador Camilo Santana (PT) defende a criação de regras para impedir que estes profissionais participem da política sem deixar a corporação. “Hoje, para um juiz ou promotor se candidatar ou se filiar a um partido, ele precisa abandonar a magistratura, o Ministério Público. O policial, não”, afirma. “Ele pode disputar uma eleição e, se não vencer, reassume as suas funções. Recebe, inclusive, salário no período de afastamento. Faz sentido?”

CartaCapital: O senhor tem insistido que o movimento dos policiais no Ceará é muito mais político do que por razões salariais. Por quê?
Camilo Santana: Infelizmente, ao longo dos últimos anos ou décadas, grande número de policiais passou a se filiar a partidos políticos e a disputar eleições, mesmo sem abandonar a carreira policial. Houve uma politização muito forte. As entidades criadas para representar os policiais deveriam ser recreativas, pois a Constituição proíbe o direito à sindicalização para essa categoria. Mas, na prática, elas funcionam como sindicatos. Além disso, o Congresso Nacional tem concedido sucessivas anistias aos policiais que se envolvem em motins. Esse perdão estimula e dá força para esses movimentos, que estão ficando cada vez mais violentos.

É inconcebível ver um policial encapuzado, com arma na mão, ameaçando a população, difundindo um clima de terror. A sociedade brasileira jamais pode aceitar isso.

CC: Como evitar a mistura de política com as demandas das forças policiais?
CS: Precisamos criar regras para o policial que decide entrar na política. Hoje, para um juiz ou promotor se candidatar ou se filiar a um partido, ele precisa abandonar a magistratura, o Ministério Público. O policial, não. Ele pode disputar uma eleição e, se não vencer, reassume as suas funções. Recebe, inclusive, salário no período de afastamento. Faz sentido?

No Ceará, sou conhecido como um homem do diálogo. Todas as decisões são tomadas de forma participativa, ouvindo os policiais. Fizemos isso com a lei de promoções, uma das melhores do Brasil. Já tinha feito, em 2016, uma reestruturação salarial, também discutindo com eles. Essa atual reestruturação também foi feita com muito diálogo, cheguei a aumentar o valor que propusemos inicialmente. Eles comemoraram…

CC: O governo federal não contribuiu para insuflar o motim?
CS: A relação que o presidente Jair Bolsonaro tem com esse pessoal é muito forte, mas fui atendido em todas as solicitações que fiz à União, a exemplo do envio do Exército e da Força Nacional para reforçar a segurança. A questão é mais profunda. Essa politização não está restrita às figuras que orbitam em torno do governo federal.

CC: Mas como o senhor classifica o discurso do comandante da Força Nacional para os amotinados, tratando-os como verdadeiros heróis?
CS: Eu jamais trataria amotinados daquela forma, até porque aquele movimento foi comandado por políticos com mandatos, deputado federal, deputado estadual, vereador, todos policiais. Essa turma abusou da boa fé da tropa, que acabou sendo usada para fins eleitoreiros. E, infelizmente, isso não tem acontecido só no Ceará. Vemos em todas as unidades da federação.

CC: O senhor conseguiu aprovar uma emenda à Constituição Estadual que impede a concessão de anistia a policiais amotinados. Pretende propor algo em relação aos policiais que ingressam na política?
CS: Isso só pode ser feito pelo Congresso. Conversei com o presidente do Senado, com alguns ministros do STF. Acho que é preciso levantar esse debate, o momento é propício. Como disse recentemente o vice-presidente, general Hamilton Mourão, a partir do momento em que a política entra para dentro da porta do quartel, a disciplina e a hierarquia saem pela porta de trás. É o que tem acontecido. Por isso, desde o início, considerei inegociável qualquer tipo de anistia. Ninguém pode ficar refém de um grupo de policiais que, em vez de proteger o povo, usa as suas armas para chantagear a população e os governantes. Isso é inaceitável. Para mim, esse tipo de policial não honra a farda que veste.

CC: Os governadores se sentem chantageados?
CS: O policial tem a missão de proteger a população. Se ele se organiza, faz um motim, usa a força que tem para aterrorizar a população, ele está fazendo chantagem, sim. Confia que o povo vai pressionar o governo para ceder, essa é a lógica. Repare o procedimento. Em 2011, o motim foi às vésperas do Réveillon. Agora, foi pouco antes do carnaval. Ou seja, eles escolhem o momento mais delicado, quando há um grande número de turistas e moradores nas ruas, para interromper o policiamento. Para mim, isso se chama chantagem. É justo o policial reivindicar melhorias, mas dentro da lei.

Nunca me recusei a dialogar e negociar. Recebi todas as entidades que representam a categoria e ofereci o que era possível. Jamais poderia quebrar o estado para atender a demanda de um grupo. Qual governador não quer dar um bom reajuste para os seus servidores? Todos querem, mas preciso zelar pelo equilíbrio fiscal, caso contrário fico sem condições de fazer investimentos para a população. Falo isso de boca cheia, porque nos últimos quatro anos o Ceará foi o estado com o maior percentual de investimento público do Brasil. Em 2019, conseguimos aplicar quase 11% de nossa receita corrente líquida. E esses investimentos são fundamentais para melhorar a qualidade de vida da população, inclusive na área de segurança.

CC: O Ceará foi um dos estados que mais reduziu a taxa de homicídios em 2019, mas ela voltou a crescer neste ano, sobretudo após o motim dos policiais. É possível reverter essa tendência ao longo do ano?
CS: Vamos trabalhar fortemente para isso. Tudo vai depender da nossa capacidade de planejamento. Se tivermos foco, metas e controle de resultados, é possível sim. Fiz uma cooperação técnica com o Fórum Nacional de Segurança Pública em 2015 para que a gente pudesse construir, de forma conjunta com a sociedade e os especialistas, uma política consistente na área.

Segurança não é só policiamento, envolve o sistema prisional, o Judiciário, o Ministério Público. É um conjunto de fatores. No ano passado, colhemos frutos desse trabalho. O Ceará foi o estado que mais reduziu homicídios do Brasil. É um trabalho contínuo. Agora, estamos convidando especialistas para aprimorar a formação dos policiais. Podemos rever o modelo de academia que temos, ver os exemplos exitosos de outros estados e países. Esse é o momento, também, de fazer um debate interno sobre os problemas existentes na polícia.

CC: O senhor tem notícias sobre o estado de saúde do senador Cid Gomes, que foi baleado ao tentar furar um bloqueio de policiais amotinados? Como avalia a atitude dele naquele momento?
CS: Cid está bem. Está em casa, levando uma vida normal do ponto de vista da saúde. Naquele episódio, eu me coloco um pouco no lugar do senador. Foi uma forma de expressar toda a sua indignação. Imagina o que é, para quem é de Sobral, foi prefeito, ver policiais encapuzados, utilizando viaturas, irem para o centro comercial aterrorizar a população, ordenando o fechamento das lojas. A cidade foi sitiada, e Cid foi tomado de indignação. Aliás, gostaria de agradecer toda a solidariedade prestada pelos governadores que se disponibilizaram a enviar tropas para o Ceará, caso o Exército fosse retirado. Todos têm a consciência de que esse problema pode se repetir em outros estados do Brasil, e é importante essa solidariedade.

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