Política
Brasília em polvorosa
Passadas as eleições municipais, a sucessão de Lira no comando da Câmara ganha de vez o mundo político


O comandante da Câmara dos Deputados é o segundo na hierarquia política nacional. É a porta de entrada no Congresso das leis propostas pelo governo e dos pedidos de impeachment do presidente. Quem se eleger para o cargo em fevereiro estará na cadeira na sucessão de Lula e poderá concorrer à reeleição em 2027, início do próximo governo, como aconteceu com Arthur Lira. A disputa pela vaga do alagoano agita Brasília desde 2023, dado o poder adquirido pelo chefe da Câmara à base de emendas parlamentares. Com o fim das eleições municipais, o assunto tomou conta de vez do mundo político. Há tempos o governo joga parado essa partida, de forma consciente. Sem força para levar sozinho alguém à vitória, o plano é ser o fiel da balança. “O governo quer sair da disputa como sócio majoritário do consórcio vencedor. Ter uns 40% das ações sem que ninguém tenha 51%”, diz um articulador lulista. Objetivo alcançado?
Os três nomes no páreo para suceder a Lira tinham ido beijar a mão de Lula em setembro. Encerradas as campanhas para prefeito, submeteram-se a uma sabatina com o PT. Em 29 de outubro, os baianos Elmar Nascimento, líder do União Brasil, e Antônio Brito, do PSD, reuniram-se com a bancada petista. No dia seguinte, foi a vez do paraibano Hugo Motta, do Republicanos. Motta havia sido anunciado por Lira como candidato dele no mesmo dia em que Elmar e Brito iriam à sigla de Lula. Após a conversa com os petistas, o paraibano viu uma declaração pública de apoio deles. O PT e a sua federação com PCdoB e PV têm a segunda maior bancada, 80 deputados, o que assegura votos para Motta triunfar, na soma com aqueles prometidos ainda por PP, MDB, Podemos, Republicanos e o PL de Jair Bolsonaro. “É para garantir o funcionamento adequado dos partidos aqui na Casa”, disse o líder petista, o mineiro Odair Cunha, sobre o apoio.
O governo Lula quer ser o fiel da balança na disputa, para sair dela como sócio majoritário do consórcio vencedor
Nas negociações de bastidor com o trio de candidatos, o PT e o Palácio do Planalto tinham uma condição comum posta na mesa. O futuro presidente da Câmara tem de se comprometer com a votação da agenda econômica do governo. A conclusão das pendências da reforma tributária, se ainda houver alguma em 2025, por exemplo. A reforma do Imposto de Renda, batalha duríssima à vista, pois Lula e a equipe econômica pretendem subir a isenção para salários até 5 mil reais e, ao mesmo tempo, taxar lucros e dividendos pagos por empresas a seus sócios. A cobrança de imposto mínimo de 15% sobre multinacionais, proposta enviada ao Congresso em outubro, como Medida Provisória. A tributação de milionários, ideia no forno, à espera de endosso pelo G-20, o grupo das maiores economias do mundo que está sob o comando rotativo do Brasil até o fim de novembro.
O Planalto, diz um colaborador presidencial, não espera que o chefe da Câmara seja o líder do governo e busque votos para a agenda econômica. Quer apenas que ele bote os projetos em pauta e não atrapalhe. Algo que, a portas fechadas, Odair Cunha também diz. Lira só cria encrencas para Lula, diz um auxiliar presidencial. Inventa tensões, coloca a faca no pescoço e cobra para tirá-la. Um modus operandi facilitado pelo controle de Lira sobre uma penca de deputados graças ao gigantismo das emendas parlamentares, 49 bilhões de reais neste ano. Desde agosto, as emendas estão na mira de Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal. Com aval posterior dos colegas da Corte, o juiz fechou a torneira das emendas e mandou os congressistas adotarem regras transparentes para elas. Até agora, há só um ensaio de novas regras desenhado pelo relator do orçamento de 2025, o senador Angelo Coronel, do PSD da Bahia.
A cruzada de Dino á uma das razões para que Motta, caso suceda a Lira, seja menos influente sobre os deputados. Na avaliação de um ministro palaciano, qualquer que seja o próximo chefe da Câmara ele não terá o poder de Lira, pois este conquistou uma fila de devedores desde a chegada ao cargo, em 2021. Mas o governo pode confiar em Motta? “Lula sabe exatamente quem ele é”, diz um amigo do presidente.
Aposta. Lula pode amealhar “apoios impensáveis” se a economia crescer, diz Pacheco – Imagem: Geraldo Magela/Agência Senado e Bruna Sampaio/Alesp
Motta, de 35 anos e no quarto mandato, foi soldado, assim como Lira, de Eduardo Cunha, o algoz de Dilma Rousseff. Quando Cunha, como presidente da Câmara em 2015, criou uma CPI da Petrobras para infernizar Dilma, botou Motta no comando. Aliás, foi por ter mentido à CPI sobre a posse de grana no exterior, que Cunha acabaria cassado pelos deputados em setembro de 2016, um mês depois da degola de Dilma no Senado.
Motta é também um enrolado, e de família idem. Em 12 de setembro, a Polícia Federal fez uma operação na cidade dele, Patos, de 103 mil moradores. Motivo: suspeita de fraude com verba de uma emenda parlamentar de 5 milhões de reais inserida pelo deputado no orçamento federal de 2020. O prefeito do município paraibano desde 2021 é o pai de Motta, Nabor Wanderley, dono da assinatura na ordem de serviço para tirar do papel o contrato suspeito, selado na gestão anterior. A PF também já havia visitado a mãe de Motta. Em 2015, Ilana era secretária municipal de Saúde em Patos, e a polícia a investigou por suspeita de desvio de verba. Em 2016, era chefe de gabinete da prefeitura, e foi presa preventivamente por possível fraude no aluguel de veículos. Em ambos os casos, a prefeita era a mãe de Ilana, Francisca Motta, a avó do deputado Hugo. As duas foram absolvidas pela Justiça no rolo da saúde e no dos veículos.
Rodrigo Pacheco vê Lula como favorito em 2026. Gilberto Kassab, chefe do PSD, tem a mesma leitura
A candidatura de Motta é apoiada ainda pelo PL de Bolsonaro. O líder dos liberais, Altineu Côrtes, do Rio, outro ex-devoto de Cunha, anunciou o apoio ao paraibano pouco antes do PT. A mágica capaz de juntar PT e PL foi de Lira. O alagoano do PP adiou uma decisão sobre a lei de anistia para condenados pelo quebra-quebra de 8 de janeiro de 2023 em Brasília. Criou uma comissão especial para ela. Bolsonaro quer pegar carona na lei e conseguir não só imunidade contra eventual acusação futura por tentativa de golpe contra a eleição de 2022 (o quebra-quebra é um capítulo da novela golpista) como anular a inelegibilidade de oito anos aplicada pelo Tribunal Superior Eleitoral. Ele foi ao Senado com a bandeira da anistia um dia após Lira anunciar Motta como candidato. A propósito: Paulo Gonet, o procurador-geral da República, decidiu que, na eleição municipal, não denunciaria Bolsonaro à Justiça, caso entenda que deva acusá-lo. A campanha acabou. E agora?
De volta à disputa pela presidência da Câmara, o PT e o Planalto estavam afinados quanto à prioridade que a agenda econômica do governo deve ter nas negociações com os candidatos à cadeira de Lira. Há divergências, porém. A bancada petista atua de olho em espaços internos de poder. É a tradução das palavras de Odair Cunha sobre “garantir o funcionamento adequado dos partidos aqui na Casa”. O PT espera ter de novo um assento na mesa diretora da Câmara, como tem com a gaúcha Maria do Rosário, à frente da Segunda Secretaria. Deseja preferência na escolha das comissões temáticas que comandará em 2025 e 2026. Sonha com uma vaga no Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso na vigilância do governo. Nunca, nos governos do PT, um indicado petista chegou ao TCU.
Movimentos. Por ora, Alcolumbre é o único candidato no Senado. Kassab tenta convencer Tarcísio de Freitas a só disputar a Presidência da República em 2030 – Imagem: Felipe Gonçalves/LIDE
Já o Planalto encara a sucessão de Lira como oportunidade para uma negociação maior: a reeleição de Lula. A decisão do PT de apoiar desde já, a 90 dias da votação, o sucessor de Lira colide com esse plano. Para o presidente, o ideal seria o cenário decantar um pouco mais, antes de qualquer gesto na direção de um dos candidatos à chefia da Câmara. “O governo não pode errar no timing”, dizia um colaborador de Lula uma semana antes de o PT abraçar Motta.
O governo tinha um negociador oculto sobre a presidência da Câmara. É o prefeito de Araraquara, Edinho Silva, ex-ministro de Dilma e ex-integrante do comitê de campanha de Lula em 2022. É o nome de Lula para suceder Gleisi Hoffmann na direção do PT a partir do ano que vem, quando acaba o mandato dela. Segundo um dos cabeças da área política do governo, o prefeito tem perfil capaz de conversar e de agregar não só dentro, mas também fora do partido, inclusive no empresariado. A força da extrema-direita impõe a Lula a necessidade de não deixar que o bolsonarismo tenha na próxima eleição o apoio da direita que se chama de “Centrão”. É a visão de José Dirceu, ministro de Lula no passado e ex-presidente do PT. Dirceu é a favor de Edinho no pós-Gleisi.
Por causa desse cenário, Edinho movia-se numa direção diferente daquela preferida pela bancada petista, conforme relatos em Brasília. Tinha interesse em dialogar mais com Elmar Nascimento e Antônio Brito. Nas conversas sobre a candidatura de ambos, pretendia amarrar o apoio petista a um deles ao compromisso da dupla com a reeleição de Lula.
A eleição do novo presidente do PT promete emoções
O União Brasil, de Elmar, tem um pré-candidato a presidente, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado. Um deputado estadual aliado de Caiado afirma que ele está decidido a ir até o fim, nem que seja candidato de si mesmo. Elmar fez de tudo para cativar Lula e o PT, inclusive acenar com apoio à reeleição do presidente. “Esse é um prenúncio de uma luta muito grande que vai iniciar agora e vai concluir em 2026, a gente vai ter de estar todos juntos”, declarou o deputado em outubro, ao participar de um ato de campanha do concorrente do PT à prefeitura de Fortaleza, Evandro Leitão, única capital vencida pelos petistas. Na mesma semana da viagem ao Ceará, Elmar tinha ido ao MST, ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e aos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Fernando Haddad (Fazenda) e Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário).
Em setembro, tinha feito “L” com a mão em um ato de campanha da então postulante do PT à prefeitura de Andorinha, cidade de 15 mil pessoas na Bahia. Sobram motivos para tais gestos. Elmar votou a favor do impeachment de Dilma em 2016 e disse que era “para extirpar da vida nacional esta organização criminosa que sequestrou o Brasil e a Bahia”. No atual governo, apoiou a CPI do MST, a derrubada de decreto de Lula sobre saneamento e a aprovação do marco temporal que dificulta demarcar terras indígenas. Na campanha de 2022, havia chamado Lula de “ex-presidiário”. “Nunca foi tão fácil decidir (o voto para presidente)… Do lado de lá, que se chamam de companheiro, só tem condenado ou ex-presidiário. Será que é essa turma que a gente quer de volta para o Brasil?”, discursara em sua terra natal, Campo Formoso, de 71 mil habitantes.
E Brito e o PSD? O deputado é aliado antigo do PT na Bahia, votou contra o impeachment de Dilma. Também compareceu ao ato de apoio a Leitão, cuja vice na chapa é do PSD, Gabriella Aguiar. “Hoje o PSD tem quem já se dedica pelo apoio a Lula, quem defenda o contrário, e há um meio-termo que pode ser decisivo no futuro. Eu me filio à linha de que seria interessante para o Brasil ter a continuidade por mais quatro anos do presidente Lula”, disse em 29 de outubro, em Londres, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, que é do PSD. “Se a população perceber que o Brasil está crescendo, que estamos combatendo nossas vulnerabilidades sociais e ambientais, há uma tendência de favoritismo do presidente e de ele ter apoios impensáveis.”
Disputa. Gleisi Hoffmann prefere o deputado José Guimarães para sucedê-la no comando do PT, mas o ex-prefeito Edinho Silva é o preferido de Lula – Imagem: César Ogata/Redes Sociais Edinho Silva e Valter Campanato/Agência Brasil
O chefe do PSD, Gilberto Kassab, é outro a ver favoritismo de Lula. É o que o leva a defender que o governador paulista, Tarcísio de Freitas, deveria tentar a reeleição em 2026 e só concorrer a presidente em 2030. Essa avaliação coincide com os interesses lulistas. Caso dispute o Planalto em 2026, Tarcísio tem potencial para atrair toda a direita que se chama de “Centrão”, diz um amigo de Lula. Essa união, por enquanto, é complicada, e Kassab é uma das causas. “Hoje só tem um partido que está feliz (com Tarcísio), com o qual não sei se ele vai contar (em 2026) porque é um partido mais governista, o PSD”, afirmou Ciro Nogueira, presidente do PP e ex-chefe da Casa Civil do governo Bolsonaro, ao Globo de 30 de outubro.
Nogueira é senador, e no Senado a sucessão de Pacheco em fevereiro tem até o momento apenas um candidato: Davi Alcolumbre, do União Brasil do Amapá. Alcolumbre antecedeu Pacheco e fez o sucessor graças ao finado pero no mucho orçamento secreto, uma das formas que as emendas parlamentares tomaram no governo Bolsonaro. No Planalto, há quem diga que Pacheco é alguém a quem Lula terá de acomodar em um Ministério em 2025. Além de já se dizer pró-reeleição, o senador tem a simpatia presidencial para concorrer ao governo de Minas em 2026.
Outro político a quem Lula pretende abrigar no primeiro escalão, como uma espécie de reconhecimento por serviços prestados desde a prisão em Curitiba, é Gleisi Hoffmann. No caso, acomodá-la quando terminar o mandato dela no comando do PT. Gleisi não quer que Edinho sente em sua cadeira. Prefere o deputado cearense José Guimarães, líder do governo na Câmara. Os movimentos não exatamente sintonizados entre a bancada petista de deputados (Gleisi é deputada) e Edinho quanto à sucessão de Lira refletem essa disputa. O Planalto acha que os deputados mandam demais na estrutura partidária, sobretudo no tema “finanças”. A eleição do próximo presidente do PT promete emoções. •
Publicado na edição n° 1335 de CartaCapital, em 06 de novembro de 2024.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Brasília em polvorosa’
Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome
Depois de anos bicudos, voltamos a um Brasil minimamente normal. Este novo normal, contudo, segue repleto de incertezas. A ameaça bolsonarista persiste e os apetites do mercado e do Congresso continuam a pressionar o governo. Lá fora, o avanço global da extrema-direita e a brutalidade em Gaza e na Ucrânia arriscam implodir os frágeis alicerces da governança mundial.
CartaCapital não tem o apoio de bancos e fundações. Sobrevive, unicamente, da venda de anúncios e projetos e das contribuições de seus leitores. E seu apoio, leitor, é cada vez mais fundamental.
Não deixe a Carta parar. Se você valoriza o bom jornalismo, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal da revista ou contribua com o quanto puder.
Leia também

Antônio Brito e Elmar Nascimento: quem são os desafiantes de Lira na disputa pela presidência da Câmara
Por CartaCapital
União Brasil recua e não deve lançar Elmar Nascimento na disputa pela presidência da Câmara
Por CartaCapital