Economia

País perde com desnacionalização de empreiteiras contra boicote do BNDES

Em telegrama, embaixador em Angola descreve como efeito Lava Jato gera ganho econômico na Europa

A Odebrecht foi uma das construtoras prejudicadas por causa de condutas impróprias
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O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social promoveu nesta quinta-feira 25 um seminário sobre a indústria da construção civil. Um debate sobre como voltar a financiar empreiteiras sem que elas se metam no tipo de rolo revelado pela Operação Lava Jato, diz um funcionário do BNDES.

A discussão foi aberta por Joaquim Levy, o Chicago Boy que comanda o BNDES. Levy era ministro da Fazenda quando o banco passou a fugir das construtoras. Fugia por dois motivos. A Lava Jato, surgida em 2014, e o arrocho fiscal do abortado mandato de Dilma Rousseff.

Lava Jato e neoliberalismo deixam o BNDES até hoje na retranca com as empresas em geral e as empreiteiras, em particular. Com Michel Temer, o governo pegou de volta 280 bilhões de reais que injetara no banco na era Lula-Dilma. Com Jair Bolsonaro, a equipe de Paulo Guedes, outro Chicago Boy, quer todo o resto que foi emprestado, 270 bilhões. Grana que poderia ser devolvida até 2040.

Com a torneira do BNDES fechada, duas empreiteiras enroladas na Lava Jato bolaram um jeito de conseguir dinheiro para tocar obras no exterior. Um jeito capaz de gerar ganhos econômicos lá fora, não aqui.

A solução foi descrita em um telegrama enviado ao Itamaraty em 12 de abril pelo embaixador brasileiro em Angola. Paulino Franco de Carvalho Neto relata reuniões recentes tidas em separado com um executivo da Queiroz Galvão, Roberto Carvalho, e outro da Odebrecht, Marcus Azeredo. E ouvido de ambos um mesmo o relato: “subterfúgios legais” usados para arrumar empréstimos e assim levar adiante obras em Angola.

CartaCapital obteve cópia do telegrama. O texto foi enviado a Brasília com o carimbo de “ostensivo”, não de “confidencial”, o que significa que o embaixador queria que o teor fosse de amplo conhecimento dos diplomatas. Até sugeriu mandar uma cópia ao ministério da Economia.

Os “subterfúgios legais” das empresas, segundo o telegrama, consistem na “abertura de sucursais na Europa que as possibilitam ter acesso a financiamento de Alemanha, Reino Unido e Suécia, o que implica comprar de bens e serviços daqueles países, em detrimento de nossas exportações”.

A Queiroz Galvão abriu uma filial em Madrid para pegar crédito no HSBC e para arranjar numa instituição sueca de apoio a exportações, a EKN, garantias para apresentar no empréstimo na Espanha. Com o dinheiro, a construtora executa uma obra de processamento de resíduos sólidos em Luanda, a capital angolana. “Como contrapartida”, escreveu o embaixador, “terá de adquirir máquinas da Volvo” para tocar as obras. Volvo, montadora sediada na Suécia.

Para construir uma estrada de 40km em Angola, a Queiroz Galvão conseguiu financiamento em um banco na Alemanha, inclusive com apoio do governo alemão. Em troca, também terá de comprar bens e serviços na Alemanha, conforme o telegrama.

Já a Odebrecht, relata Carvalho Neto, montou um escritório em Londres, onde a empresa tem obtido empréstimos igualmente com o compromisso de comprar na Inglaterra bens e serviços necessários a obras suas em Angola.

Nesse ponto, o diplomata conta que em reunião anterior com a Odebrecht soubera que, sem verba do BNDES desde 2015, a empreiteira deixou de subcontratar firmas brasileiras em 1,3 bilhão de dólares na obra da hidrelétrica de Laúca, em Angola, a terceira maior geradora usina da África. “Assim, a cadeia de fornecedores em torno de Laúca teria sido deslocada para beneficiar, em vez do Brasil, empresas de Portugal, Espanha, Alemanha e Reino Unido”, anotou Neto.

Companhias chinesas, relata o embaixador, têm desbancado a Odebrecht na construção de estradas em Angola. Projetos que o governo angolano havia acertado entregar à empreiteira brasileira.

A empresa atua no País desde a ditadura militar brasileira (1964-1985), aquela que Jair Bolsonaro mandou os quartéis festejarem. O ditador Ernesto Geisel (1974-1975) foi um dos primeiros mandatários a reconhecer as independência de Angola, em 1975, arrancada de Portugal por um movimento de inspiração comunista, o MPLA. Bem relacionada com a ditadura, a Odebrecht entrou em Angola na esteira da independência e ergueu um império por lá.

Em sua delação, o atual patriarca da empreiteira, Emilio Odebrecht, falou das suas relações com o governo angolano desde os anos 1980. Com aval oficial, a empresa ergueu obras estratégicas de infraestrutura, explorou minas de diamantes e até participou de negociações de paz durante a guerra civil a opor o MPLA e a direitista Unita.

Hoje Angola tenta sair de uma crise econômica que também afetou os negócios das empreiteiras brasileiras. Há sinais de recuperação, reconhecidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), escreveu o embaixador Neto. Sem apoio do BNDES e com as empresas a recorrer a “subterfúgios legais”, ressalvou o diplomata, o Brasil não tira proveito como poderia.

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