Política

“Brasil é mistura da Rússia com Turquia e Filipinas”, diz sociólogo

Professor da UFRJ, o belga Fréderic Vandenberghe acredita que a democracia do País não é tão sólida. “Oligarquia voltou com extrema-direita”

Os manifestantes usam o termo ´intervenção militar' para pedir a retomada do poder pelo exército (Foto: Tasso Marcelo / Fotos Públicas)
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A situação do Brasil foi tema de uma palestra do sociólogo belga Fréderic Vandenberghe na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris (EHESS), onde atua como professor convidado. No evento, ele expôs um quadro preocupante do país a partir da eleição de Jair Bolsonaro e posiciona o Brasil alinhado a um eixo populista de extrema direita que se instalou em várias regiões do mundo.

Nascido na Bélgica, Vandenbergue percorreu vários países para aperfeiçoar sua formação acadêmica na área de Sociologia. Sua trajetória profissional de professor e pesquisador inclui França, Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e Brasil, onde atuou na Universidade de Brasília, em 2003, antes de se instalar no Rio de Janeiro. Atualmente, ele integra o quadro docente do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Convidado para falar do Brasil na prestigiosa EHESS, Fréderic escolheu como título da palestra O túnel no final da luz : análise da conjuntura brasileira em uma perspectiva comparativa. “A escolha deste título é para indicar um desespero que é objetivo. A vivência no Brasil depois das eleições é muito difícil. Os sentimentos mais compartilhados no meio acadêmico, universidades, entre os colegas e os amigos é de tristeza e também de muito medo”, explicou na entrevista à RFI Brasil.

O sociólogo Fréderic Vandenberghe (Foto: RFI Brasil/Elcio Ramalho)

Vandenberghe define a situação política do Brasil como extrema e estima que Jair Bolsonaro “não é um presidente que se pode comparar a qualquer outro” na história do país. “Estamos confrontados com um populismo da extrema-direita. Todos os valores que as pessoas liberais e democratas acreditam estão em suspenso e ameaçados”, afirma. “Nunca pensei que viria em minha vida uma desconstrução ativa dos direitos humanos e de uma democracia liberal”, acrescenta.

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O sociólogo diz ter recorrido a vários livros e textos sobre populismo e autoritarismo para preparar sua intervenção na capital francesa. Em sua análise, ele observou que, em um espaço muito curto de tempo, o espectro político brasileiro se deslocou.

“O que era centro-esquerda e centro-direita virou simplesmente extrema-esquerda porque a direita populista é tão extrema, que, de acordo com o ponto de vista deles, tudo o que estiver mesmo um pouquinho à sua esquerda é taxado de socialista, comunista, e portanto, como um inimigo interno”, argumenta.

Além da análise teórica, Fréderic Vandenberghe usou sua experiência na observação de manifestações de diferentes grupos políticos para elaborar suas teses. Em uma delas, na Praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, diz ter ouvido militares em carros de som se referindo às centenas de mortes de “comunistas” durante a ditadura (1964-1985) e pessoas gritando o nome do general Carlos Alberto Brilhante Ustra, reconhecido pela justiça como torturador durante o regime militar.

“Podemos chamá-las de fascistas. Quando vejo essa apologia da ditadura e da tortura, isso me choca. Não gosto de falar de extrema-direita e fascismo, mas numa escala de 1 a 10, estamos em 8, 8,5. Isso assusta”, diz.

Brasil é uma mistura de muitos países

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No entanto, diz o sociólogo, para entender o que acontece no Brasil é preciso avaliar dentro de uma perspectiva internacional comparativa. E o país, a partir do governo Bolsonaro, faz parte de uma conexão de ultradireitas, mas com características particulares, que seria “uma mistura” do que acontece em outros países.

“O Brasil é uma mistura da Rússia, com uma democracia de fachada, da Turquia, com a depressão que vai atingir os intelectuais e os artistas, e também das Filipinas, onde a política que é articulada para combater criminosos e favelados vai resultar em uma matança”,  resume.

Vanderberghe também estima que a democracia brasileira não é tão sólida quanto se propaga, até por lideranças como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “O Brasil tem uma alternância regular de períodos democráticos e oligárquicos. Temos agora uma volta da oligarquia com uma política de extrema direita. Não compartilho com a ideia otimista de que as instituições no Brasil são sólidas”, afirma.

Preocupação com o futuro das universidades

Com sua experiência no meio acadêmico, o sociólogo belga considera a situação das universidades muito crítica, não apenas sob o aspecto financeiro. “Nos últimos três anos, o orçamento nos departamentos das Ciências Sociais e também em outros foi cortado em 75%. O novo governo deve cortar ainda mais”. Para ele, tão grave como a falta de recursos é a percepção de que essas áreas do conhecimento não oferecem muitas oportunidades de trabalho e de atuação no futuro.

“A disciplina que eu ensino, a Sociologia, vai ser tirada do currículo do ensino médio a partir de 2021. Os jovens que fazem doutorado não veem perspectivas de emprego”, lamenta. “O que vai acontecer também, como já foi anunciado, é um controle ideológico, vão introduzir critérios até para avaliar a distribuição de bolsas de estudos para os alunos. Como eles consideram que as Ciências Sociais e as Ciências Humanas, na sua totalidade, são simplesmente lugares de doutrinamento da extrema esquerda, esse controle ideológico é claramente preocupante”, destaca.

Outro motivo de inquietação  manifestado por Vanderberghe é sobre um eventual programa de privatizações das universidades federais do país. Como ex-professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, ele considera a desestruturação da instituição um “plano piloto” para um projeto que seria mais amplo de desmonte do ensino superior público do país.

“Sabemos que as universidades são locais de resistência. Será que quando houver manifestações, a repressão será muito violenta? Serão usadas balas de verdade? Esse sentimento de ataque contra as universidades e as Ciências Sociais e Humanas realmente é muito, muito preocupante”, conclui.

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