Política

Boulos emerge como novo líder progressista, diz cientista político

Para Cláudio Couto, coordenador do mestrado em Gestão e Políticas Públicas da FGV, eleições mostraram que PT precisa ‘se reciclar’

Foto: Divulgação/GloboNews
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Um dos grandes recados dados pelas eleições municipais de 2020 é de que o presidente Jair Bolsonaro não sai das urnas como um vencedor e que a antipolítica patrocinada pelo bolsonarismo e pelo lavajatismo foi derrotada pela volta da “boa velha política”. A análise é do cientista político Cláudio Couto, coordenador do mestrado em Gestão e Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em transmissão ao vivo no canal?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> de CartaCapital no YouTube nesta segunda-feira 16.

Couto avalia também que, no campo da esquerda, houve uma “dança das cadeiras”, sendo o caso mais chamativo o de Guilherme Boulos (PSOL), que avançou ao segundo turno da corrida à Prefeitura de São Paulo e enfrentará, em 29 de novembro, o prefeito e candidato à reeleição, Bruno Covas (PSDB).

“Não tenho duvida de que ele [Boulos] emerge como novo líder do campo progressista. Existe aí nesse campo progressista e de esquerda em São Paulo um entusiasmo com o Boulos que talvez eu não veja desde a primeira eleição do [Fernando] Haddad. Mesmo não ganhando a Prefeitura, ele já ganhou a eleição em um certo sentido. Ele sai muito maior do que entrou, assim como o PSOL”, analisa o cientista político.

Couto acredita, porém, que o candidato do PSOL terá dificuldade para superar Covas na disputa. “O voto paulistano ainda deve ser, nesta eleição, do centro para a direita. Eleitores que votaram em candidatos bolsonaristas devem correr mais para o Covas. Por conta disso, a tarefa do Boulos não é tão fácil. Mas não deve ser uma eleição tão simples para o Covas como se desenhava naquelas projeções de segundo turno lá no início. Agora, Boulos vai ter tempo de TV equivalente ao do seu adversário e poderá fazer um uso mais efetivo da comunicação de campanha. É preciso ver como vai se dar a postura de alianças também”, destacou, citando que, além de PT e PCdoB, Boulos poderia buscar o suporte de PDT e Rede para desenhar inclusive um “governo de coalizão”, caso seja eleito.

Partido vitorioso?

No campo da direita, o DEM venceu em três das capitais em que houve eleição neste domingo 15. Mais do que isso: venceu em três das seis capitais que tiveram definição já no primeiro turno: em Curitiba (PR), com Rafael Greca, que trocou o PMN pelo DEM; em Salvador (BA), com Bruno Reis, aliado do prefeito ACM Neto; e em Florianópolis (SC), com o reeleito Gean Loureiro. Em Macapá (AP), cujas eleições foram adiadas devido ao apagão que atinge o estado do Amapá desde o início do mês, Josiel Alcolumbre também pode vencer.

“Era um partido dado como morto, mas a gente vê uma recuperação importante. Tinha 268 nas eleições de 2016 e agora sobe para 458. Ele volta a um patamar mais próximo do que tinha em 2008. Ganhou inclusive em cidades importantes, como Salvador e Curitiba, e está tentando se repaginar, tentando se vender como um partido de direita moderno. Talvez o PSOL ocupando espaço na esquerda e o DEM no campo da direita sejam os grandes protagonistas desta eleição”, analisa Couto.

Esse resultado, segundo ele, tem ainda um aspecto importante para o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), que conseguiu eleger seu sucessor. “ACM Neto é o nome mais vistoso que a direita moderada e tradicional tem no Brasil hoje. Aposto mais nele até do que no [Luciano] Huck [para 2022]. Estão tentando nos convencer de que o Huck é um nome de centro, um cara que achava que o Bolsonaro poderia ‘ressiginificar’ a política brasileira”, avalia.

Crivella

O segundo turno do Rio de Janeiro terá Eduardo Paes (DEM) contra Marcelo Crivella (Republicanos). Paes chegou a 37,01% dos votos, contra 21,90% de Crivella. A terceira colocada, Martha Rocha (PDT), ficou com 11,30%, o que representa uma distância considerável para o atual prefeito e candidato à reeleição.

Para Claudio Couto, o que explica o sucesso de Crivella no primeiro turno é o “conjunto”. “Tanto a questão de uma dispersão das candidaturas mais à esquerda – mas uma dispersão que, somadas as duas candidatas, teria um número próximo ao do Crivella – [quanto] o voto evangélico. Houve uma mobilização importante desse campo, inclusive com a máquina da Prefeitura e a comunicação da Record. Crivella é da família do Edir Macedo. Ao meu ver, esse voto evangélico foi decisivo para Crivella ter fôlego para chegar ao segundo turno. E há um núcleo do eleitorado que ainda é bolsonarista, por mais que Bolsonaro esteja mal das pernas nas grandes metrópoles”, afirma.

Segundo ele, se Marcelo Freixo (PSOL) tivesse participado da corrida eleitoral, o resultado na cidade do Rio de Janeiro poderia ter sido outro. “Ele é um nome mais forte, de maior apelo eleitoral. Essa possibilidade de um voto mais amplo poderia ter colocado o PSOL e a esquerda no segundo turno”.

As lições para PT e PDT

Segundo o cientista político, o PT precisa “se renovar, se reciclar”. “Autocrítica, na realidade, é boa para quem faz. O PT, ao não ter feito uma autocrítica, está sendo punido nas urnas. São Paulo é emblemática: você apresenta alguém basicamente da máquina partidária [Jilmar Tatto], contra uma figura que se tornou de projeção nacional, não só porque foi candidato a presidente, mas porque lidera um movimento social importante [Boulos]. O PSOL conseguiu mostrar uma face mais jovem em termos de práticas e de lideranças. O PT precisa se mostrar um partido com capacidade de renovação, em termos de práticas e de lideranças. Se não fizer isso, vai cada vez mais perder espaço para outros partidos da esquerda, não só o PSOL, mas o PDT, por exemplo. Sem a renovação, que passa, lamento dizer, por essa autocrítica, por se repensar, eu acho que o PT não vai longe”, projeta Couto.

Segundo ele, porém, o resultado das eleições municipais também fragiliza uma candidatura de Ciro Gomes à Presidência da República em 2022. “Ele tem uma base muito mais regional do que nacional. Ciro é forte no Ceará, inclusive no interior, mas quando você sai do Ceará não vê muita coisa. O PDT teve uma queda de 27% no número de prefeitos – ainda que tenha alguns segundos turnos. Mas, de qualquer maneira, não cresceu neste processo eleitoral, perdeu corpo. Ciro não está com essa bola toda para 2022”, completa. Segundo ele, “sem uma aliança no campo progressista, vai ficar muito difícil [vencer em 2022].

Marília Arraes e Manuela D’Ávila no segundo turno

Em Recife (PE), o segundo turno será disputado entre João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT). Campos teve 29,17% dos votos válidos, contra 27,95% de Marília – uma diferença total de 9.780 votos. Já em Porto Alegre (RS), Manuela D’Ávila (PCdoB0, ao contrário do que indicavam as pesquisas, chegou ao segundo turno na segunda posição, com 29% dos votos válidos. O primeiro colocado foi Sebastião Melo (MDB), que teve 31,01%.

“A situação é mais favorável para a Marília Arraes. Quem chega crescendo leva uma certa vantagem para o segundo turno – em Porto Alegre, o candidato do MDB. Manuela vinha com uma margem grande. Se esperava que ela chegasse na frente, mas chegou um pouquinho atrás. Marilia é o oposto: ela chega crescendo, emparelhando com João Campos, superando expectativas. Chega empolgando. Ademais, a gente tem no Recife uma postura muito mais progressista do que tem sido a postura de Porto Alegre, apesar de Porto Alegre já ter sido uma capital vermelha no país”, analisa Couto.

Assista à íntegra da transmissão ao vivo:

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