Política

Bolsonaro pode perder a eleição, mas a extrema-direita não desaparece com ele, diz Safatle

Para o filósofo, Lula faz pacto com a direita ao escolher Alckmin como vice, e seu governo pode representar última etapa da capitulação da esquerda

O filósofo Vladimir Safatle, em entrevista a CartaCapital. Foto: Reprodução
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Apesar de possivelmente ser derrotado na eleição deste ano, o presidente Jair Bolsonaro pode sobreviver politicamente por ter feito com que parte do eleitorado brasileiro se identificasse profundamente com o seu projeto ideológico. O voto em Bolsonaro não é para rejeitar “algo pior” – é um voto orgânico, que expressa a presença de ideais fascistas na sociedade brasileira.

A avaliação é do filósofo Vladimir Safatle, que, em entrevista nesta sexta-feira 14 ao programa Poder em Pauta, de CartaCapital no YouTube, disse temer que a esquerda brasileira, representada por um eventual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tenha baixa capacidade para restringir o alastramento das forças conservadoras no Brasil.

Para Safatle, Bolsonaro é a expressão de um projeto de neoliberalismo autoritário, que de forma pedagógica trabalha com o cultivo de um forte sentimento de indiferença na organização da vida social.

É sintomático, para o filósofo, que o Brasil tenha passado a pandemia sem um verdadeiro momento de luto nacional, diante de índices brutais como as mais de 600 mil mortes e a piora em problemas sociais históricos.

Além disso, diz Safatle, o ex-capitão tem feito ecoar em setores importantes (pelo menos em 20% das intenções de voto) discursos baseados em perspectivas odiosas e com relevante poder de mobilização, ainda mais com a sustentação de elites socioeconômicas.

Por sua vez, a esquerda nacional tem optado por não assumir nesta eleição um projeto revolucionário, que proponha a transformação das instituições brasileiras. Na verdade, o favorito da esquerda para a eleição tem promovido mais do que um gesto para a direita, mas um pacto, ao oferecer o ex-tucano Geraldo Alckmin como seu vice.

Do ponto de vista eleitoral, para derrotar Bolsonaro, a chapa com Alckmin é compreensível, considera Safatle, por destravar um processo de disputa que poderia ser mais difícil e por se blindar de certa reação de setores da direita.

Porém, paradoxalmente, o resultado pode ser prejudicial para decisões que precisam ser defendidas pela esquerda, porque há uma ilusão de que é possível negociar com interesses de uma burguesia supostamente “racional”.

“É eleitoralmente justificável, mas politicamente catastrófico”, disse Safatle a CartaCapital. “Eu temo, de fato, que seja a etapa final da capitulação da esquerda nacional, no sentido de que ela perde completamente a sua capacidade de proposição.”

No caso da revogação da reforma trabalhista, por exemplo, Safatle diz suspeitar de que, apesar das críticas de Lula às medidas adotadas por Michel Temer (MDB), os arranjos no governo petista sejam somente simbólicos e preservem o grosso do desmonte.

“A tendência é de que a esquerda brasileira vá se dissolvendo enquanto um projeto efetivo, dentro de um horizonte de uma espécie de capitalismo de rosto humano, que infelizmente é impossível de se fazer”, analisa. “O problema não está na base, mas no topo. Você não tem um estrato dirigente da esquerda que tenha clareza sobre qual é a sua efetiva função.”

Clique?feature=oembed" frameborder="0" allowfullscreen> neste link para assistir, na íntegra, à entrevista de Vladimir Safatle ao repórter André Barrocal.

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