Política

“Bolsonaro não é conservador. É um abusador midiático”

Por que o bolsonarismo insiste tanto nas questões sexuais? Para especialistas, é a tática do autoritarismo

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Golden shower, Elsa lésbica, Bob Esponja gay, abraço hétero e o já antigo ‘kit gay’. De cunho conservador e cristão, este é o governo que mais fala sobre sexo – e não para desmistificá-lo, o que seria bem-vindo. A insistência em atacar a sexualidade evidencia, segundo especialistas, o viés autoritário da ideologia de Bolsonaro.

As declarações dos integrantes do bolsonarismo, cujo protagonista é o responsável por levar a obsessão ao Palácio do Planalto, dão palanque para polêmicas que geram desgastes, baixa articulação e desmandos em todo o espectro político. É a ‘balbúrdia’ como estratégia de governo. Com o escândalo propagado às milícias digitais, a culpa é do corpo do outro.

Para Jaqueline de Jesus, professora de psicologia do Instituto Federal do Rio de Janeiro e pesquisadora do Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Cultura, Identidade e Diversidade (Odara), a necessidade de afirmar a identificação pessoal se consolida no momento em que se diminui o outro como negativo.

“Funciona afastando os outros de si para garantir a sua estrutura, que é completamente diferente do que ele se opõe”, afirma Jaqueline. Recentemente, esse aspecto se demonstrou pelo autodenominado “abraço hétero” que Bolsonaro deu no governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), em sua primeira visita ao Nordeste – mas o histórico é antigo.

Na polêmica que abriu o ano, a justificativa para mostrar o ato escatológico do golden shower foi de “ter que expor a verdade para a população”. Acontecia o Carnaval, a maior festa popular do país, e o mundo parou para se perguntar o que levou o presidente do Brasil a compartilhar um ato isolado no meio dos blocos de rua, que atraíram milhões.

Diante da repercussão negativa, a postagem foi apagada depois. (Foto: Reprodução)

Para a filósofa Marcia Tiburi, o próprio apelido de ‘mito’ do presidente explica como ele age para garantir seu ponto de vista – mesmo soando contraditório para um político evangélico. “Bolsonaro não é conservador. É um abusador midiático. Tem um conjunto de ideias prontas e as transmite para as pessoas pela mistificação”, diz.

Exibir, apontar e julgar seria o jogo político no qual o governo vem se apoiando. O ‘gente pelada no campus’ de Weintraub, que justificou num primeiro momento os cortes nas universidades, é um exemplo do perfil exibicionista que acomete todo o time da base governista.

“Mostrar o órgão sexual, uma cena obscena e causar no outro o espanto e o terror é uma forma de perversão, no sentido de inverter o jogo e o contexto original”, diz Tiburi. “É o método de governo. Para implantar com radicalidade um extremismo ultraneoliberal, é preciso transformar a população em fascista.” 

O pânico generalizado atingiu até as animações infantis. No último mês, um vídeo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos em suas pregações como pastora mostrou a ‘análise’ de que Elsa, da animação Frozen, era na verdade uma princesa lésbica. “Eles estão armados, articulados […] Nós estamos alienados. A princesa do Frozen vai voltar para acordar a Bela Adormecida com um beijo gay”, exalta Damares Alves.

Em entrevista à BBC Brasil, Damares refutou o recorte do vídeo e disse que só “estava mostrando que já tem uma obra no Brasil e que o filme poderá ser assim”.

O “perigo constante” da exposição de crianças a conteúdos sexuais é uma das estratégias que consolidou o então deputado federal do baixo clero à ascender pelo discurso do medo. Quem não lembra do ‘kit gay’ articulado pelo MEC? A famosa e desvendada fake news, que foi levada por Bolsonaro ao Jornal Nacional na época de campanha, logo depois teve a ‘mamadeira de piroca’ para fortalecer o discurso catastrófico.

Pelo resultado de quem tem hoje a faixa presidencial, o aparato político da sexualidade é notório, poderoso e cada vez mais preocupante. A cortina de fumaça da moralidade fez com que Bolsonaro aconselhasse, em uma de suas lives, que pais rasgassem páginas “explícitas” de uma cartilha de educação sexual da Caderneta da Sáude do Adolescente. Enquanto isso, a ONU alertou o Brasil ao alto número de adolescentes grávidas no país em seu último Relatório dos Direitos à Saúde Sexual e Reprodutiva das Populações, liberado em abril de 2019.

Jaqueline Gomes diz que, para a psicologia, é nítido que personalidades autoritárias sejam reativas com temáticas da sexualidade, uma construção lapidada pelo estigma social e pelo discurso. Para Tiburi, essa é a estratégia de destruir os verdadeiros bons valores e, consequentemente, cancelar mais direitos.

“Se o povo não estiver ressentido, amedrontado, se valorizar a educação e o direito de ser de cada um, o cancelamento de direitos não passa. A reforma da Previdência não passa. O que se vê é o radical cancelamento do conceito de cidadania e da ética que o norteia”, acrescenta a filosofa.

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