Política

Bolsonaro foi o candidato mais votado em territórios controlados por milícias no Rio

Em situação inversa, o ex-presidente Lula (PT) teve seu percentual de votos reduzido; o pesquisador e cientista político Josué Medeiros alerta para o risco democrático que os grupos paramilitares trazem

O presidente Jair Bolsonaro. Foto: Silvio Avila/AFP
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O presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o candidato mais votado, no primeiro turno das eleições, nas áreas controladas por milícias no Rio de Janeiro, alcançando o percentual de 53% dos votos válidos. O ex-capitão teve mais votos nas áreas controladas por milícias (53%) do que na região metropolitana do Rio de Janeiro como um todo (50%), que é composta de dezenove municípios.

Em situação inversa, o ex-presidente Lula (PT) teve seu percentual de votos reduzido nas área controladas por milícias (39%) em relação ao seu percentual de votos na região metropolitana como um todo (42%).

A diferença entre os dois candidatos, a favor de Bolsonaro, cresce de 8% na Região Metropolitana para 14% nas áreas controladas por milícias.

Os dados são de um levantamento feito pelo Observatório das Metrópoles, a partir do cruzamento de informações do Mapa Histórico dos Grupos Armados no Rio de Janeiro e as informações disponibilizadas pelo Tribunal Superior Eleitoral sobre o primeiro turno das eleições.

O levantamento identificou ainda que a vantagem de Bolsonaro sobre Lula nessas localidades cresce quanto maior o controle das milícias. Para isso, os pesquisadores dividiram essas áreas em três níveis: baixo, médio e alto, a partir de dois fatores: a presença ou não de outros grupos criminosos no território e a extensão do controle territorial.

Por exemplo, Campo Grande e Santa Cruz, na Zona Oeste, são de alta presença miliciana, por serem bairros extensos com um um monopólio dos paramilitares. Já em Bangu e Senador Camará, o domínio da milícia é baixo e médio, respectivamente, uma vez que os paramilitares convivem com facções do tráfico.

Na região metropolitana do Rio, Bolsonaro teve 3,52% de votos vindos das áreas com baixa presença de milicianos; já Lula, 3,14%, tendo os candidatos uma diferença de 0,4 ponto percentual. Nas áreas em que a concentração paramilitar é alta essa diferença se alarga. Bolsonaro teve 27,51% do total de seus votos nessa regiões, contra 24,08% do petista. A diferença entre os candidatos sobe para 3,43 pontos percentuais, ou quase nove vezes a verificada nas áreas com baixo controle miliciano.

Os dados ainda mostram que há um aumento da presença dos eleitores nesses territórios. Nas eleições deste ano, 14,8% dos eleitores votam em locais  inseridos em territórios controlados pela milícia; e, outros 9,7%, em territórios dominados pelo tráfico de drogas. Somando todos os eleitores registrados nestes locais, 24,9% dos eleitores votam em áreas sob controle armado. Significa que aproximadamente um quarto de todo o eleitorado da região metropolitana do Rio vota em áreas dominadas por algum grupo armado.

Em comparação com as eleições de 2012, o número total de eleitores cadastrados para votar em locais situados em áreas controladas aumentou 29,3%. E, considerando-se apenas em áreas controladas pela milícia, o aumento foi de 41,5%, nesses 10 anos, enquanto o percentual de eleitores votando em áreas sob controle do tráfico permaneceu praticamente o mesmo.

Risco à democracia

O cientista político Josué Medeiros reconhece que a atuação das milícias no Rio de Janeiro não é um fator determinante para explicar uma maior adesão a Bolsonaro que, no estado, teve 47% dos votos em primeiro turno, contra 43,47% de Lula. Mas defende que o fenômeno deve ser avaliado como um fator de risco às instituições e à própria democracia.

“A gente sabe que a milícia não é a única variável. Em um primeiro momento, a variação de 8% para 14% [margem de diferença de votos entre Bolsonaro e Lula Bolsonaro em territórios não controlados e controlados] pode parecer pouca coisa, só que não é, dado o cenário de domínio das milícias no Rio e também pelo fato de que essa distância dificilmente vai se reproduzir em territórios sem esse controle”, observa o pesquisador.

“A importância disso é perceber que existe um problema aqui no Rio de Janeiro, que pode começar a se nacionalizar, que é o tipo de controle territorial que acaba com as instituições, porque afeta as eleições, influencia quem vai governar a gente nos próximos quatro anos. Isso é muito grave, se a gente não conseguir barrar ou conseguir entender para ver como reverter”, completa.

Medeiros completa que, ainda que exista uma adesão voluntária por parte do eleitorado a Bolsonaro nessas localidades, é necessário considerar o convergência dos grupos paramilitares a estratégias de controle e assédio eleitoral.

“Os mecanismos de assédio eleitoral são antigos no Brasil e a milícia provavelmente converge com compra de votos, coação, táticas que já existiam, com a diferença que antes não se identificava o poder absoluto desses grupos sobre determinados territórios, impedindo até que outras candidaturas cheguem a essas localidades. Isso é muito perigoso para a democracia”.

“E é importante ressaltar para além do crescimento de Bolsonaro nessas localidades a queda de Lula, provavelmente associada a processos de coação. Com isso, vamos diminuindo a capacidade de equilíbrio em uma competição eleitoral”, alerta.

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