Política
Bolsonaro é denunciado em Corte Interamericana após reunião com torturador
MPF também apura se Secom fez apologia à ditadura ao qualificar major que atuou no Araguaia como ‘herói do Brasil’


O encontro do presidente Jair Bolsonaro com um dos militares responsáveis pela chacina na Guerrilha do Araguaia, Sebastião Curió, foi levado por organizações de direitos humanos e pelo PSOL à Corte Interamericana de Direitos Humanos, parte da Organização de Estados Americanos (OEA), da qual o Brasil é signatário.
Considerado culpado pelo “desaparecimento forçado” e crimes contra a humanidade ocorridos na repressão à guerrilha, que ocorreu de 1972 a 1974, o Estado brasileiro, pela figura de Bolsonaro e da Secretaria de Comunicação Social, voltou a reverenciar um dos torturadores responsáveis pela morte de 62 militantes.
A denúncia foi apresentada pela deputada federal Fernanda Melchionna (PSOL-RS), pelo Instituto Vladimir Herzog e pelo Núcleo de Preservação da Memória Política, que também mencionaram a Comissão da Verdade, concluída em 2014, como fonte das acusações contra o militar.
“A Comissão Nacional da Verdade concluiu que Curió teve atuação direta em execuções, sequestros, prisões ilegais, tortura e desaparecimento de pessoas”, escreveram os denunciantes.
Não obstante, o major já admitiu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo em 2009, que os militares mataram ao menos 41 pessoas na repressão à guerrilha. Os cadáveres foram ocultados na sequência.
O encontro com Curió aconteceu no dia 04 de maio, segunda-feira, e foi registrado nas redes sociais da Secom como o recebimento de “um herói” brasileiro. “A Guerrilha do Araguaia tentou tomar o Brasil via luta armada. A dedicação deste e de outros heróis ajudou a livrar o país…”, começa a publicação no Twitter, que, de tempos em tempos, retoma a inexistente “ameaça comunista” imposta ao Brasil nos tempos de ditadura.
A presença de Curió no Palácio do Planalto não constava na agenda oficial do presidente da República.
A Guerrilha do Araguaia tentou tomar o Brasil via luta armada. A dedicação deste e de outros heróis ajudou a livrar o país de um dos maiores flagelos da História da Humanidade: o totalitarismo socialista, responsável pela morte de aprox. 100 MILHÕES de pessoas em todo o mundo. pic.twitter.com/pt7QIcmePr
— SecomVc (@secomvc) May 5, 2020
Na denúncia, os responsáveis apontam que, com as homenagens prestadas ao ditador, o estado brasileiro não cumpre com as recomendações feitas pela OEA como forma de reconhecimento dos crimes cometidos. “Essa Corte declarou o Brasil responsável pela violação do direito à liberdade de pensamento e expressão, assim como o direito de conhecer a verdade do ocorrido nas operações contra ‘Guerrilha do Araguaia’, dispondo de uma série de medidas e ações que o estado brasileiro deveria realizar”, escrevem.
Nacionalmente, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão abriu um inquérito para investigar as homenagens a Curió prestadas pela Secom, chefiada por Fábio Wajngarten. Segundo o Ministério Público Federal, o secretário pode ser acusado de improbidade administrativa por apologia à ditadura.
Leia a denúncia na íntegra (em espanhol).
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