Política

Bolsonaristas usam vitória de Milei para repetir alegações de fraude e pedir voto impresso

Pesquisador aponta que eleição da extrema direita foi um dos tópicos que mais engajou o público bolsonarista neste ano

Javier Milei e Eduardo Bolsonaro. Foto: Reprodução/Redes Sociais
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No último domingo 19, bolsonaristas já estavam prontos para dizer que uma eventual derrota de Javier Milei (La Libertad Avanza) seria fruto de uma fraude eleitoral, mas o candidato venceu. Ainda assim, alguns seguem defendendo que Milei só conseguiu a vitória porque teve muitos votos, o que teria reduzido o “impacto do roubo” —  assim como disse Jair Bolsonaro (PL) após as eleições de 2018.

Outros alegam que os fiscais arregimentados pela campanha do argentino foram os responsáveis por diminuir as supostas tentativas de alteração dos resultados. Ainda há quem atribua a vitória ao voto “impresso”, modelo que não funciona na Argentina.

O certo é que os brasileiros da extrema direita não mais imaginam uma eleição sem a alegação de tentativa de fraude pela esquerda, dada como certa, mesmo sem evidências. Isso é o que mostra a apuração da Agência Pública a partir de dados gerados pelo Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O laboratório monitorou a repercussão da vitória de Milei no WhatsApp, Telegram, Youtube, Facebook e Instagram, a pedido da reportagem.

Uma montagem compartilhada pelo perfil @guardioes_bolsonaro no Instagram, por exemplo, mostra Javier Milei ao lado de Jair Bolsonaro e Donald Trump. A legenda diz: “que hoje a fraude não seja maior que na (sic) vontade do povo argentino”, em caixa-alta. A página tem 7,6 mil seguidores e a postagem recebeu 175 interações.

O youtuber Adriano Castro, conhecido como Didi Red Pill, entretanto, afirma, sem base nos fatos, que houve fraude, mas esta não teria sido suficiente para impedir a vitória de Milei. Ele deu entrevista ao canal da Rádio Auri Verde Bauru, que tem mais de 1,5 milhão de inscritos, no dia 20. “Eu era um pouco cético em relação à vitória do Milei por todo o retrospecto que a gente sabe e vê do Foro de São Paulo aqui na América Latina. Mas a vitória foi tão avassaladora, meu irmão, a vitória foi tão gigantesca que mesmo havendo fraudes, porque houveram (sic), ele conseguiu ganhar”, disse. O conteúdo ultrapassou 18 mil visualizações e recebeu 3,2 mil curtidas.

O pesquisador Bruno Mattos, pesquisador da NetLab, aponta que a narrativa sobre fraude eleitoral é fruto de “esforços coordenados”. “Trump mostrou para outras lideranças da extrema direita global que é possível engajar e radicalizar ainda mais uma parcela significativa de seu público a partir de uma campanha permanente de desinformação baseada em alegações de fraude eleitoral. Da mesma forma que Bolsonaro seguiu Trump nesse sentido, espera-se que ao menos os apoiadores mais fervorosos de Milei, na Argentina e no Brasil, o façam”, acrescenta.

De fato, é comum a comparação entre a Argentina e o Brasil ou Estados Unidos, países onde os representantes da extrema direita perderam em eleições democráticas. Nos dois locais, apoiadores dos candidatos derrotados, insuflados por mentiras sobre os sistemas eleitorais, invadiram e depredaram os prédios públicos em uma tentativa de manter seus líderes na presidência.

Mais de um ano após o encerramento do pleito, apoiadores de Bolsonaro seguem afirmando que houve fraude nas últimas eleições presidenciais, apesar das autoridades eleitorais e observadores internacionais terem atestado a segurança dos resultados. O discurso foi repetido por trumpistas que chegaram a comemorar o 8 de janeiro, como revelou a Pública.

Um dos responsáveis pela disseminação de desinformação sobre as eleições brasileiras foi Fernando Cerimedo, marqueteiro da campanha de Milei e próximo à família Bolsonaro. Após o segundo turno, Cerimedo fez uma live na qual apresentou suspostas evidências de que os resultados eleitorais brasileiros haviam sido adulterados. As informações são falsas.

No especial Mercenários Digitais, a Agência Pública, o UOL e o CLIP revelaram que, semanas antes da live, ele havia “patrocinado” uma viagem de Eduardo Bolsonaro (PL-SP) a Buenos Aires, de acordo com uma publicação de um de seus sites, o La Derecha Diario. Lá, o deputado esteve com Milei e outras figuras da extrema direita argentina. A reportagem também revelou que um funcionário de Cerimedo foi contratado pela campanha de Eduardo. Seus vínculos com os Bolsonaros não foram citados na transmissão.

“Durante e após as eleições de 2022, lideranças de extrema direita de toda a América Latina, sobretudo da Argentina, se uniram para reforçar as alegações de que a vitória de Lula teria sido fruto de uma fraude muito bem articulada”, explica Mattos. Neste ano, a vitória de Milei “foi um dos tópicos que mais engajou os públicos bolsonaristas nas redes”, acrescenta o pesquisador.

Outro ponto em comum entre o discurso da extrema direita brasileira, argentina e estadunidense é a mobilização por fiscais. No ano passado, a Pública revelou que políticos estavam usando mentiras sobre o sistema eleitoral para conseguir voluntários, e que houve uma mobilização para conseguir fiscais no exterior. A chamada de fiscais foi uma das 15 estratégias trumpistas que se repetiu no Brasil e, agora, na Argentina.

“Não se iludam, sem os fiscais nas sessões eleitorais na Argentina Milei não teria ganhado”, disse umas das mensagens do levantamento no Telegram.

Assim como Jair Bolsonaro, Javier Milei também seguiu o manual de Steve Bannon.

Defesa do voto impresso

“A eleição de Milei mostra que o nosso sistema de votação e apuração eleitorais baseados apenas na confiança de ministros do TSE não pode mais continuar, pois a Argentina mostra que é possível e viável a utilização do voto impresso para auditagem. Não haverá questionamento por lá”, diz a legenda um vídeo compartilhado no Facebook pela KM 32 News, que tem 17 mil seguidores. O conteúdo ultrapassou 100 mil visualizações, de acordo com os dados do NetLab.

O uso da vitória de Milei para descredibilizar a Justiça Eleitoral brasileira se repete em outras publicações. Porém, ao contrário do que afirma a postagem, a votação argentina foi questionada por Milei, mas as alegações de fraude cessaram após a vitória. Após o primeiro turno, quando o então candidato de extrema direita se viu atrás na corrida presidencial, ele disse que “houve irregularidades de tal magnitude que colocaram o resultado em dúvida”, informação que foi considerada falsa por veículos de checagem argentinos.

Às vésperas da segunda parte do pleito, a coligação lançou outra campanha de desinformação. Disse que a principal força de segurança do país teria alterado “o conteúdo das urnas e a documentação” para favorecer Massa. A justiça eleitoral argentina pediu mais informações sobre a denúncia feita pela campanha de Milei e a coligação voltou atrás.

Mais uma vez, a situação se assemelha ao que ocorreu no Brasil: após o primeiro turno, o Partido Liberal (PL), pelo qual concorria Jair Bolsonaro, fez uma denúncia de supostas fraudes ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas recuou quando as autoridades pediram provas. Em dezembro de 2022, o TSE aplicou uma multa de R$ 22,9 milhões ao partido por litigância de má-fé.

Ainda assim, parlamentares brasileiros seguem apontando uma suposta fraude e defendendo o voto impresso, em especial após a vitória de Milei, conforme apurou a Pública.

Na noite do dia 19, por exemplo, o deputado Éder Mauro (PL-PA) escreveu no X (antigo Twitter): “Sem roubalheira. Parabéns, Argentinos!!! A direita conservadora assumindo. Com voto impresso, logo auditável, povo que experimenta comunismo não quer nunca mais…”.

“O voto impresso garantiu a vitória da Direita na Argentina! Parabéns Presidente @JMilei”, concordou o deputado Paulo Bilynskyj (PL-SP) em post na mesma rede.

Questionada por um opositor se Milei iria duvidar da lisura das eleições depois da vitória, a deputada Bia Kicis respondeu no dia 20: “Lá tem voto impresso? Tem transparência eleitoral? Os eleitores do Milei foram censurados, empresários foram perseguidos? Perguntinhas básicas”.

O deputado estadual do Mato Grosso do Sul João Henrique (PL-MS) chegou a impulsionar um conteúdo afirmando que o voto impresso levou “a direita ao Congresso e comando da Argentina” entre os dias 20 e 22 deste mês. O conteúdo teve de 10 a 15 mil impressões e custou mais de R$100.

Já o deputado Bibo Nunes (PL-RS) foi além e apresentou um projeto de lei para encerrar o sistema eletrônico e reintroduzir a cédula de votação no Brasil, espelhado nos Estados Unidos e Argentina. “A conclusão do processo eleitoral na Argentina, transparente, rápido e incontestado pelos derrotados, foi uma demonstração clara da credibilidade das cédulas”, afirmou o parlamentar. De acordo com o texto, o sistema eletrônico estaria provocando “desconfianças e instabilidade política no Brasil”. Na véspera, Nunes havia comemorado a vitória de Milei no X.

De acordo com o pesquisador Bruno Mattos, “os apelos favoráveis à implementação do ‘voto impresso’ nunca cessam por inteiro, de forma que bolsonaristas constantemente recuperam antigos episódios e criam novas situações para se manterem relevantes”. Ele diz que “manter essas alegações vivas vai ser fundamental para que possam tumultuar as eleições de 2024 no Brasil e alimentar um amplo questionamento da decisão judicial que tornou Bolsonaro inelegível”.

O pesquisador também critica a atuação das big techs: “As plataformas pouco atuam ou atuaram para impedir a proliferação de alegações de fraude eleitoral, seja no Brasil, seja na Argentina, seja nos Estados Unidos”.

No início desta semana, o Aos Fatos revelou que a Meta mudou sua política e passou a permitir anúncios que alegam fraude nas eleições brasileiras de 2022. Os conteúdos já circulavam mesmo quando eram proibidos, como mostrou a Pública.

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