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Protocolo Carne Baixo Carbono pode reduzir as emissões da pecuária em 35%, afirma presidente da Embrapa

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Ciência de ponta. “Analisamos desde o melhoramento genético até a gestão das pastagens, sempre com o objetivo de reduzir as emissões de metano”, explica – Imagem: iStockphoto e Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
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Principal referência em pesquisa agropecuária no Brasil, a Embrapa marcou presença na 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, realizada em novembro, em Belém. A empresa pública aproveitou os holofotes da COP30 para apresentar um plano de transição rumo a uma agricultura mais sustentável, com recuperação de áreas degradadas, e lançar a certificação Carne Baixo Carbono (CBC), selo que reconhece práticas pecuárias capazes de reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Em entrevista à repórter Fabíola Mendonça, a presidente da estatal, Silvia Massruhá, comenta essas iniciativas, a recente autorização da Anvisa para pesquisas com cannabis e promissores estudos conduzidos por sua equipe.

Carta Capital: Durante a COP30, a Embrapa criou um espaço temático, a Agrizone, para destacar iniciativas voltadas à agricultura sustentável no mundo inteiro. Que balanço a senhora faz dessa iniciativa?
Silvia Massruhá: Criamos a Agrizone para discutir os desafios da agricultura sustentável e mostrar que contamos com tecnologias de curto prazo, além de estratégias avançadas para uma produção de baixo carbono e regenerativa. É preciso produzir e preservar ao mesmo tempo, utilizando soluções para adaptação e mitigação das mudanças climáticas. O espaço contou com 400 eventos paralelos, apresentando inovações para diferentes setores e propostas adaptadas a pequenos, médios e grandes produtores.

“O selo CBC deve chegar às gôndolas dos supermercados em meados de 2026”, diz Silvia Massruhá

CC: Uma das propostas divulgadas pela Embrapa na COP30 foi a certificação Carne Baixo Carbono (CBC). Do que se trata?
SM: Trabalhamos com protocolos que identificam cultivares (variedades de pastagens) mais adaptadas e resistentes a estresse e doenças, além de modelos de sistemas de produção consorciados ou integrados que sequestram mais carbono. Esse trabalho envolve não apenas a carne bovina, que está mais avançada nas pesquisas, mas também a produção de trigo, leite e soja. Analisamos desde o melhoramento genético até a gestão das pastagens, sempre com o objetivo de reduzir a emissão de metano. A partir desses protocolos, criamos guias de referência para a produção de carne de baixo carbono e desenvolvemos o selo CBC, que deve chegar às gôndolas dos supermercados em meados de 2026, certificado pela Embrapa. Apresentamos também o café amazônico cultivado em sistemas agroflorestais. Mostramos ainda os resultados do Sistema Guaxupé, que permite intensificar a atividade pecuá­ria com pastagens de alta performance. Desenvolvido há mais de 25 anos na Amazônia, ele se baseia em consórcios de gramíneas e leguminosas. Nesse modelo, é possível reduzir em 35% a emissão de gases de efeito estufa. Nosso trabalho segue uma jornada de agricultura de baixo carbono e de base biológica, integrando práticas regenerativas que contribuem para soluções diante das mudanças climáticas.

CC: A Embrapa tem recebido o apoio do agronegócio nessa agenda de migração para uma agricultura mais sustentável?
SM: Na Agrizone, estavam presentes tanto a agricultura familiar quanto o agronegócio. Essa plataforma de baixo carbono é debatida com todos os tipos de produtores: pequenos, médios e grandes. O diferencial da Embrapa, como empresa pública de ciência neutra, é apresentar tecnologias adaptadas a diferentes biomas e realidades de produção. Trabalhamos de A a Z, do açaí ao zebu, e foi isso que mostramos na COP30. Um estudo recente indica que o novo consumidor está cada vez mais atento à nutrição e à saúde, quer saber a origem dos alimentos. Por isso, além da sustentabilidade, buscamos desenvolver mecanismos de rastreabilidade que garantam transparência em toda a produção. Os produtores já percebem que essas informações são essenciais também para o mercado interno, não apenas para exportação.

Agrizone. A empresa pública apresentou soluções de agricultura regenerativa na COP30 – Imagem: AgriZone/Embrapa COP30

CC: Recentemente, a Anvisa autorizou a Embrapa a realizar pesquisas com cannabis. Quais os próximos passos?
SM: A Embrapa é muito demandada justamente pelo seu rigor científico. Trabalhamos com melhoramento genético, germoplasma, micro-organismos e outras áreas integradas, sempre com alto padrão, reconhecido internacionalmente. Há uma grande discussão sobre a organização de um banco de germoplasma de cannabis no Brasil, tanto para fins medicinais quanto para o cânhamo industrial, que pode gerar fibras e estimular a bioeconomia. Nossa entrada nesse campo depende de aval da Anvisa e de uma estrutura organizada que permita uma contribuição efetiva. O compromisso é criar um sistema que garanta rastreabilidade dos cultivares utilizados para esses dois fins. Com a autorização concedida, já foi formado um grupo de trabalho que levantou prioridades e definiu como e onde iniciar as pesquisas.

CC: Como a Embrapa pode contribuir para o reflorestamento dos biomas?
SM: Temos tecnologia para restauração e conversão de áreas desmatadas. Em um estudo realizado em 2023, identificamos que o Brasil possui 160 milhões de hectares de pastagens, dos quais 40 milhões apresentam degradação média ou severa. Essas áreas têm potencial agrícola. Desses 40 milhões de hectares, espalhados pelos 27 estados, é possível restaurar em torno de 12 milhões. Para cada região, desenvolvemos modelos específicos que analisam a saúde do solo – com tecnologia da Embrapa – e indicam as espécies mais adequadas para plantio. Esse trabalho integra o programa Caminho Verde Brasil, do Ministério da Agricultura.

“O novo consumidor está cada vez mais atento à nutrição e à saúde, quer saber a origem os alimentos”

CC: No Congresso, a bancada ruralista tem desfigurado a legislação ambiental. Existe realmente empenho do agronegócio em buscar uma atividade mais sustentável?
SM: Há uma conscientização crescente entre os produtores, não porque são bonzinhos, mas para atender ao modelo de negócios deles e conseguir abrir mercados no exterior. Em 50 anos, nossa área plantada cresceu 140%, enquanto a produtividade em grãos aumentou 580%. O Brasil e a Embrapa têm sido muito demandados na cooperação Sul-Sul, transferindo tecnologia para países da África, a Indonésia e a Índia, que importam muitos alimentos, beneficiando os produtores daqui. A Embrapa, como empresa de Estado, não se envolve em questões ideológicas. Nosso foco é gerar tecnologia para práticas de agricultura regenerativa. Nas enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo, os produtores que adotaram tecnologias sustentáveis recomendadas pela Embrapa sofreram menos prejuízos. Isso demonstra que há, sim, consciência do setor sobre a importância da sustentabilidade.

CC: Existem outras iniciativas que gostaria de destacar?
SM: Pelo programa Caminho Verde Brasil, assinamos um contrato com o governo japonês para recuperar 40 milhões de hectares de áreas degradadas em dez anos – o que levamos 52 anos para abrir, queremos resgatar em apenas uma década, utilizando tecnologias da ­Embrapa. Também pré-aprovamos um projeto de pecuária sustentável no Brasil, apoiado por fundos filantrópicos, com investimento de 60 milhões de dólares, que terá grande impacto. Além disso, na COP30, lançamos o AgForest­ Lab, um “laboratório vivo” voltado à Amazônia, destinado a criar um ecossistema de inovação que fortaleça a bioeconomia, gere renda, preserve o meio ambiente e promova produção sustentável, em parceria com empresas e comunidades locais. •

Publicado na edição n° 1391 de CartaCapital, em 10 de dezembro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Boi sustentável’

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