Política

Belo Horizonte: Kalil ganha, Aécio perde

Com votos da esquerda, o cartola e ex-presidente do Atlético Mineiro supera o ex-goleiro João Leite, candidato do PSDB

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O ‘forasteiro’ da política Alexandre Kalil (PHS) foi eleito prefeito de Belo Horizonte, com 52,98% dos votos válidos. O tucano João Leite amealhou 47,02%. O “não voto” somou 43,14% do eleitorado. Kalil foi eleito com cerca de 628 mil sufrágios, votação inferior aos 741,8 mil abstenções, brancos e nulos.

O resultado confirmou a virada captada pelas pesquisas na última semana e impôs uma derrota ao senador Aécio Neves (PSDB). Na manhã desde domingo 30, Aécio chamou de “triste fim do PT” o que chamou de apoio “por debaixo dos panos” da legenda a Kalil.

Aécio se mostrava confiante na vitória de Leite, que perdeu pela terceira vez a disputa pela capital mineira. Aécio escolheu Leite, rompendo a aliança tucana com o PSB na cidade. Com isso, o senador acumulou a segunda derrota seguida na sua terra natal. Em 2014, Aécio perdeu para Dilma Rousseff em Minas Gerais.

Nem a gafe em um debate na tevê (“roubo, mas não peço propina”), nem os diversos imbróglios judiciais, muito menos a candidatura pelo inexpressivo PHS impediram a vitória de Kalil, ex-cartola que, a exemplo do tucano João Dória em São Paulo, explorou com sucesso o desencanto do eleitor médio com a política tradicional.

Enquanto Dória fantasiou-se de “gestor”, o futuro prefeito de Belo Horizonte e ex-presidente do Atlético Mineiro foi mais direto: “chega de políticos” era o lema de sua campanha. Polemista, Kalil impôs mais uma derrota a Leite, ídolo do mesmo Atlético nos anos 70 e 80. O deputado estadual havia perdido as eleições na capital mineira em 2000 e 2004.

Segundo o cientista político Leonardo Avritzer, professor titular da Universidade Federal de Minas Gerais, apesar do discurso da anti-política, Kalil acabou favorecido pela escolha de um eleitor mais politizado. “A derrota de Leite é uma derrota de Aécio. Parte da esquerda, relativamente forte na cidade, posicionou-se contra o senador e o PSDB e despejou seus votos no oponente”. BH, como outras capitais, registrou altos índices de brancos, nulos e abstenções no primeiro turno.

Manoel Leonardo Santos, também professor do Departamento de Ciências Políticas da UFMG, concorda. “Claramente foi uma derrota do grupo político do Aécio, mas não a principal, que aconteceu no início de outubro, quando Dória venceu em São Paulo. O senador deixa de ser o nome central do PSDB em 2018. Quem parece ocupar o lugar agora é o governador Geraldo Alckmin, padrinho da candidatura de Dória”.

A mobilização anti-Aécio não partiu apenas do eleitorado. Forças políticas contrárias ao tucano se uniram no apoio a Kalil, desde o início da campanha uma espécie de plano B do governador petista Fernando Pimentel. À medida em que Reginaldo Lopes, candidato do partido, nacionalizava o debate eleitoral, expunha o golpe contra Dilma Rousseff e se tornava o para-raio das frustrações com o PT, Pimentel estimulava uma frente informal e multipartidária de apoio ao representante do PHS. Não por menos, o futuro vice-prefeito, Paulo Lamac, gravita na órbita de influência do governador, apesar de formalmente filiado à Rede.

 

No fim das contas, a rejeição de parte dos eleitores de BH a Aécio, igualmente atingido, afirma Santos, pela negação da política tradicional, mostrou-se mais decisiva do que a “ficha corrida” e as contradições do prefeito eleito. Kalil confessou-se devedor de IPTU e ISS, um contrassenso para quem se dispõe a administrar uma cidade, e responde a um processo por trabalho escravo.

Uma frase machista dita em 2013 rivaliza com aquela do “roubo, mas não peço propina”. Após a conquista da Libertadores pelo Atlético Mineiro, o ex-cartola saiu-se com essa: “Essa taça é muito melhor que mulher, até porque ela acorda calada”. A declaração foi explorada pelo adversário durante a campanha.

 

Não que Leite se saia muito melhor. O deputado tucano insiste em confundir propostas de combate à homofobia nas escolas com “o ensino do homossexualismo”. Evangélico, o parlamentar sempre se enrola ao tratar do assunto, como aconteceu recentemente.

Um discurso de 2011, realizado na tribuna da Assembleia Legislativa, resume seu pensamento a respeito: “Esse é um tema que não me agrada discutir. Tem um livro, a Bíblia, que combate o homossexualismo. Rasgamos a Bíblia?”

Kalil é mais um outsider a conquistar o poder nas eleições municipais. Na disputa de Galo contra Galo, o cartola venceu o goleiro.

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