Política

Avanços e retrocessos na Operação Urbana Água Branca

O projeto aprovado não é o que faríamos se tivéssemos o poder de impor nosso desejo. Mas é um avanço possível. Por Nabil Bonduki

Perspectiva artística do plano urbanístico da operação urbana Água Branca
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A aprovação da Operação Urbana Consorciada Água Branca (OUCAB) pela Câmara Municipal demonstrou que esse instrumento pode avançar para garantir maior justiça social, inclusão territorial e transparência. Mas, mostrou também que existe resistência, no mercado e no Legislativo, a mudanças no modelo imobiliário predominante em São Paulo.

Análises precipitadas têm concluído que a proposta elaborada pela Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente (CPUMMA) da Câmara Municipal, onde atuei intensamente, foi descaracterizada. Isso não procede: o processo participativo realizado no Legislativo e a contribuição dos vereadores da Comissão geraram muitas alterações positivas incluídas na lei, embora nem tudo o que desejávamos tinha sido aprovado.

O projeto de lei já chegou à Câmara com qualidades que diferenciavam a OUCAB de outras, fruto de mais de três anos de audiências públicas e de discussões no Cades (Conselho Municipal do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável), encabeçadas por entidades da sociedade civil durante a gestão Kassab.

No Legislativo, as manifestações da sociedade e a atuação de vereadores comprometidos com a justiça social e a transparência foram essenciais para obter-se um resultado ainda melhor; logo, desconsiderar essas conquistas vai contra a democracia participativa. Não se pode desconhecer que pactuar no Legislativo e em qualquer instância de decisão significa avançar e ceder.

Mesmo sem concordar com as alterações introduzidas pela liderança do governo na proposta da Comissão, é preciso reconhecer que essas mudanças foram defendidas por algumas entidades desde as primeiras audiências e, quando introduzidas no texto, foram publicadas uma semana antes da votação, submetidas a duas audiências públicas e conseguiram maioria entre os vereadores. Não houve votação na calada da noite nem introdução de propostas desconhecidas. Em contrapartida à inclusão dessas modificações, o Legislativo aprovou a maioria das propostas da sociedade, avanços relevantes na perspectiva da justiça social que não podem ser menosprezados.

Para sistematizar os principais pontos positivos, observo os seguintes itens:

  • -Duplicação do valor de referência dos Cepac’s (Certificados de Potencial Adicional Construtivo), gerando maior contrapartida do setor imobiliário para alcançar uma arrecadação mínima de R$ 3,1 bilhões, o dobro do previsto, para aplicação em intervenções urbanas.
  • Ampliação para 22% dos recursos arrecadados com a venda dos Cepac’s (cerca de 700 milhões, quase três vezes o previsto originalmente) para a construção de 5 mil unidades de habitação social e urbanização de 15 favelas situadas no perímetro expandido (Zona Norte e Noroeste). Além disso, construção de mais 630 unidades habitacionais para famílias removidas das favelas de Aldeinha e do Sapo; e a reforma do conjunto Água Branca.
  • Ampliação do perímetro expandido contribuindo para romper a exclusão socioterritorial que tem caracterizado as operações urbanas.
  • Destinação de recursos para a construção de, no mínimo, 20 equipamentos sociais destinados à população de baixa renda.
  • Execução das obras de drenagem dos córregos Água Preta e Sumaré.
  • Ampliação da participação da comunidade local no Conselho Gestor, com maior controle social na utilização dos recursos, segregados em três contas de destinação específica, cujo plano de aplicação deverá ser submetido anualmente a audiências públicas.
  • Alterações nas obras viárias, retirando intervenções desnecessárias e introduzindo outras importantes, com a inclusão de transporte coletivo nas transposições do Rio Tietê.
  • Inclusão, no plano de intervenção da operação, da ponte Raimundo Pereira de Magalhães, com corredor de transporte coletivo.

 

Apesar das mudanças negativas que foram introduzidas no plano urbanístico, foi possível manter, apesar das pressões contrárias, aspectos fundamentais como:

  • Estímulo ao uso misto.
  • Obrigatoriedade de fachada ativa ou fruição pública no térreo.
  • Incentivo a unidades habitacionais de pequena área (até 50m²) destinadas à baixa classe média.
  • Quota parte de terreno mínima de 30m² por unidade (que garante uma área média de 120m² por unidade), evitando a elitização da região.
  • Vias que privilegiam o transporte coletivo, ciclovias e calçadas.
  • Valorização do espaço público e de áreas verdes.
  • Parque em parte da área municipal atualmente cedida para a CET e nas áreas ocupadas por clubes de futebol até o final da concessão.
  • Destinação de terrenos no próprio perímetro da operação para a construção de habitação de interesse social.

Não conseguimos evitar três alterações que considero negativas, onde se concentram as críticas:

  • Elevação do gabarito para 80m no miolo da área. A proposta original previa gabaritos ilimitados em quatro eixos e limite de 42m no miolo. Apesar dessa mudança, o adensamento construtivo total não foi alterado.
  • Possibilidade de construir três garagens por unidade (originalmente, seriam duas).
  • Autorização para a implantação de dois subsolos em parte da área (entre a Avenida Marques de São Vicente e a ferrovia). A proposta original limitava, em todo o perímetro, a implantação a apenas um subsolo.

Entidades profissionais e empresariais, assim como parlamentares, que defenderam essas alterações, afirmam que eram necessárias para a implantação de empreendimentos na região e para ampliar a própria arrecadação de Cepac’s. Não concordo com essa avaliação: existe um mercado em crescimento, formado por pessoas que desejam unidades pequenas, utilizam transporte coletivo e trabalham em regiões próximas, que deve ser estimulado a ocupar a região. Ela é a última do centro expandido que ainda tem grandes terrenos subutilizados e é privilegiada, com linhas de metrô, trem e corredor de ônibus e alto índice de emprego.

No entanto, o mercado ainda insiste em produtos imobiliários tradicionais, o que gera uma verticalização com alto adensamento construtivo e baixa densidade demográfica, grande número de garagens, estímulo ao automóvel com o rebaixamento do lençol freático.

O projeto aprovado, mesmo com os equívocos apontados, avança muito em relação às regras vigentes atualmente na região, onde hoje pode se construir sem limite de gabarito e com quantos subsolos quiser. A maior frustração foi não conseguir garantir a implantação imediata e integral do parque público previsto, pois a lei prevê que isso seja feito por etapas, quando vencerem os Termos de Concessão feitos aos clubes.

A Operação Urbana Consorciada Água Branca rompe com a tradicional exclusão socioterritorial que caracteriza as operações urbanas em São Paulo. Os benefícios deverão ser distribuídos por um amplo território externo ao perímetro da operação, com intervenções de caráter social e redistributivo. A população de baixa renda que habita a área será beneficiada e permanecerá no local.

Cabe ao Conselho Gestor atuar com competência e transparência, para garantir que os avanços conquistados não se percam na implementação da lei. O projeto aprovado não é o que faríamos se tivéssemos o poder de impor nosso desejo; mas, como vivemos em uma democracia, na qual o Legislativo é múltiplo e plural, acredito que ele é o avanço possível no sentido de uma cidade mais justa e menos segregada.

 

*Nabil Bonduki, professor titular do Departamento de Planejamento da FAU-USP, é vereador em São Paulo pelo PT e colunista da CartaCapital

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