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Ato de coragem

Simone Tebet comprou briga para lançar sua candidatura à Presidência e outra maior ainda para apoiar Lula. Valeu a pena: ela sai maior das eleições

Ao término da apuração em 2 de outubro, Tebet não hesitou em colocar-se contra o projeto autoritário de Bolsonaro - Imagem: Ricardo Stuckert
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Numa eleição plebiscitária desde o primeiro turno, ter 4,2% da preferência do eleitorado ou menos de 5 milhões de votos de um universo superior a 125 milhões de votantes parece ser algo insignificante. A tese, no entanto, não vale para a senadora Simone Tebet, do MDB, que ficou em terceiro lugar numa disputa presidencial com alto grau de polarização entre Lula e Jair Bolsonaro. Ao contrário, o desempenho de Tebet encaixa-se muito mais em jargões utilizados no mundo político, de que ela saiu maior do que entrou na disputa e que perdeu eleitoralmente, mas, politicamente, foi vitoriosa.

A campanha da senadora foi marcada por pequenas conquistas desde o nascedouro, passando pela performance elogiosa nos vários debates de televisão, até o protagonismo que ocupou no segundo turno, ao aderir e atuar de forma intensa no palanque do ex-presidente Lula. “Não é porque as coisas são difíceis que a gente não tem de lutar. As batalhas e as dificuldades existem para serem superadas. As vezes que mais ganhei na minha vida foi quando eu perdi. A gente luta para ganhar sim, só que tão importante quanto a chegada, já dizia Guimarães Rosa, é o caminhar. A gente planta boas sementes para uma colheita coletiva”, resume Tebet, em uma recente entrevista.

A senadora não titubeou e, na mesma noite do primeiro turno, com o resultado divulgado, fez um forte discurso em defesa da democracia, dando claros sinais de que apoiaria Lula no segundo turno. Dois dias depois, não só confirmou a adesão como mergulhou de cabeça na campanha do petista. “Pelo meu amor ao Brasil, à democracia e à Constituição, pela coragem que nunca me abandonou, peço desculpas aos amigos e companheiros que imploraram pela neutralidade neste segundo turno, para dizer que o que está em jogo é muito maior que cada um de nós. Votarei com minha razão de democrata e com minha consciência de brasileira. E a minha consciência me diz que, neste momento tão grave da nossa história, omitir-me seria trair minha trajetória de vida pública. Ainda que mantenha as críticas que fiz ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, depositarei nele o meu voto, porque reconheço seu compromisso com a democracia e a Constituição, o que desconheço no atual presidente”, discursou a parlamentar perante Lula, ao confirmar seu apoio.

“Peço desculpas aos que imploraram pela neutralidade no segundo turno, mas o que está em jogo é muito maior que cada um de nós”, discursou, ao embarcar na campanha petista

Tebet condicionou a adesão ao aceite por parte da campanha petista de cinco propostas, dentre elas zerar a fila de educação infantil para crianças de 3 a 5 anos e a formação de um ministério plural, com equidade entre homens, mulheres e negros. A partir daí, passou a cumprir uma agenda intensa nas ruas para ampliar a votação de Lula, além de conversar com setores mais conservadores e resistentes ao ex-presidente. Esteve presente em viagens, caminhadas, comícios, atos com artistas e intelectuais, passou a ser ouvida pelo núcleo duro do palanque petista. “Se considerar o porcentual de votos que ­Tebet obteve, a gente poderia dizer que foi uma votação pífia. Mas ela saiu da eleição como uma figura nacional, não só pela atuação na campanha, quando, mesmo não tendo tantos votos, foi percebida como uma candidata qualificada, foi bem nos debates, sempre apontada como a melhor debatedora. Isso realmente deu um impulso grande para a senadora. E agora, com esse envolvimento na campanha de Lula, acho que ela também acaba se colocando como uma liderança para além do grupo social específico do qual ela é representante. Estou pensando aqui no pessoal do agronegócio, do seu partido. É muito mais importante hoje o apoio de Tebet a Lula do que, por exemplo, o apoio de Renan Calheiros, que é um adversário interno dela no MDB. Então acho que ela realmente sai muito grande dessa eleição, muito maior do que era”, analisa Cláudio Couto, cientista político da Fundação Getulio Vargas.

O professor refere-se à resistência de lideranças do MDB em ter candidatura própria nestas eleições. Muitos, a exemplo de Calheiros, defendiam o apoio a Lula logo no primeiro turno. Essa foi a primeira batalha a ser vencida por Tebet. “Esta é uma eleição atípica, porque sempre esteve polarizada entre dois nomes. Tivemos, na verdade, dois segundos turnos. Simone fez uma ótima campanha – propositiva, limpa, sem baixarias –, mas é inegável que o partido deveria ter priorizado a bancada no Congresso, fonte da força do MDB. Em que pese o ótimo desempenho dela, o partido fez um senador apenas, e em Alagoas”, diz Calheiros, destacando ter uma “ótima relação” com Tebet, mas que pragmaticamente a candidatura própria estava inviabilizada.

Janones recorre a “métodos pouco ortodoxos“. Felipe Neto rebate as fake news de forma mais fundamentada – Imagem: Fabio Motta e Redes sociais

Superada a divisão do seu partido, ­Tebet iniciou a campana quase sem pontuar nas pesquisas, mas foi avançando com o passar do tempo, sobretudo depois da visibilidade dada pelos debates televisivos. O capital político adquirido pela senadora na campanha a credencia para liderar o bloco de centro-direita, a chamada terceira via, uma alternativa a partidos políticos tradicionais que vêm sendo dizimados a cada eleição, como o PSDB e o Cidadania. “O PSDB passa por um processo de análise interna, assim como muitas agremiações que passaram pelo processo eleitoral. Após o resultado do segundo turno, será possível avaliar melhor os rumos políticos do partido e do Brasil. ­Simone é uma excelente senadora, minha colega de Casa e de tantas lutas, uma mulher com imensa capacidade técnica e preparada para exercer qualquer cargo que desejar”, destaca a senadora tucana Mara ­Gabrilli, candidata a vice de Tebet. “Simone sempre teve qualidade e credenciais para ocupar qualquer posto. O trabalho na CPI da ­Covid demonstrou isso e a campanha, também. Tem espaço onde achar por bem”, emenda Calheiros.

Para o presidente Nacional do MDB, deputado Baleia Rossi, a candidatura de Simone representou a retomada da identidade do partido e a senadora desponta como uma novidade para o País. Ele destaca a experiência da parlamentar como prefeita, deputada estadual, vice-governadora, primeira mulher a liderar o partido no Senado, a presidir a CCJ e a ­disputar a presidência da Casa. “Simone representa o que queremos ser: um ponto de equilíbrio, de bom senso, em meio à guerra política que se instalou nos últimos anos. Ela já é vice-presidente de Formação Política da Fundação Ulysses Guimarães e terá um papel fundamental no nosso projeto de aumento da participação feminina no partido. Está claro para todos que Simone se consolidou como uma liderança nacional”, defende Rossi. “Tenho na pessoa do Baleia Rossi a renovação do partido. Ele enfrentou muita pressão interna para defender a nossa candidatura própria”, comenta Tebet.

A cientista política e professora da UnB Flávia Brioli chama atenção para o papel que Simone Tebet representou no universo feminino e feminista. “Os feminismos são variados e o ponto não é se o feminismo dela é liberal, não é liberal, porque ela mistura componentes. Ela tem uma percepção de iguais oportunidades, que é característica do feminismo liberal, mas fala, por exemplo, na proteção à maternidade, numa perspectiva distributiva que vem de matrizes do feminismo com maior preocupação com o papel que o Estado tem na promoção do bem-estar social, com políticas de cuidado”, analisa Brioli, ressaltando a importância de Tebet para fazer o contraponto ao antifeminismo da extrema-direita. “Quando uma política de centro como ela, ou mesmo de uma direita que não se alinha com a extrema-direita antifeminista, recorre ao feminismo a seu modo para falar sobre igualdade de direitos, isso me parece positivo em um quadro em que a extrema-direita tem buscado deslegitimar o feminismo e os fundamentos das agendas de igualdade de gênero.” •


A INFANTARIA NAS REDES

André Janones e Felipe Neto destacaram-se no enfrentamento às milícias digitais bolsonaristas

Se, nas ruas, quem fez a diferença na campanha de Lula no segundo turno foi Simone Tebet, nas redes o protagonismo foi do youtuber Felipe Neto e do deputado federal André ­Janones, profundos conhecedores de como funciona o ambiente digital. Os dois desempenharam importante papel no enfrentamento às milícias digitais de Jair Bolsonaro nas redes sociais. Inicialmente lançado a presidente da República pelo Avante, Janones abriu mão da candidatura para não só apoiar o presidenciável petista, mas fazer parte da coordenação da campanha, ficando responsável pelo engajamento de Lula na internet. A função assumida pelo deputado rendeu-lhe a alcunha de “Carluxo lulista”, derivando o que já vem sendo chamado de “janonismo cultural”, uma espécie de modus operandi da guerrilha comunicacional desenvolvida pelo parlamentar. Ele é o grande responsável por tentar minimizar os efeitos da milícia digital bolsonarista na web, recorrendo, muitas vezes, a táticas similares aos adversários, sendo acusado, inclusive, de lançar mão de fake news.

“A gente está lidando com bandidos, com criminosos, que jogam sujo, que fazem montagem, usam deep fake. Não há tempo hábil para que a gente possa, pelas vias ortodoxas, politicamente corretas, combater os crimes perpetrados 24 horas por dia pelo clã Bolsonaro. A gente tem de rebaixar o debate para barrar o perigo fascista ditatorial que ronda o nosso país”, disse Janones, em entrevista ao programa Direto da Redação, de CartaCapital. “A gente desmente na tevê, no rádio, a gente desmente principalmente na Justiça, responsabiliza criminalmente, mas não desmente nas redes sociais”. Janones, que nega produzir conteúdos falsos, conta com quase 8 milhões de seguidores no Facebook, quase 3 milhões a mais do que o próprio Lula, mas ainda está bem aquém dos 14 milhões de Bolsonaro. De toda forma, foi com a chegada dele na campanha que o ex-presidente passou a fazer o enfrentamento de forma mais eficaz contra os bolsonaristas na internet.

Com 15 milhões de seguidores no Twitter, Felipe Neto também esteve no front digital, destacando-se na produção de conteúdos que rebatiam de forma muito bem fundamentada as fake news do palanque bolsonarista e no ataque a temas desfavoráveis a Bolsonaro, como no caso das adolescentes venezuelanas que o presidente rotulou de garotas de programa e disse que teria “pintado um clima”. Pegando carona no tema, ­Neto postou um vídeo em que Bolsonaro elogia o ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, acusado de ser estuprador e pedófilo. Na peça, o presidente chama o paraguaio de “estadista” e “homem de visão”, motivo que levou Neto a chamá-lo de “adorador de pedófilo”, associando a fala ao episódio das jovens venezuelanas. O post teve mais de 2 milhões de visualizações.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1232 DE CARTACAPITAL, EM 2 DE NOVEMBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Ato de coragem”

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