Política

Assembleia dá o aval, e ex-governador emplaca genro como conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe

Indicações de parentes a tribunais de contas deixaram de ser exceção e se tornaram prática corriqueira em vários estados brasileiros

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Com o aval da Assembleia Legislativa, o ex-governador Belivaldo Chagas (PSD) conseguiu emplacar seu genro como conselheiro do Tribunal de Contas de Sergipe. A indicação do advogado José Carlos Felizola Filho foi aprovada por unanimidade pelos deputados estaduais nesta quinta-feira 20, em votação secreta.

O cargo para o qual Felizola foi indicado é vitalício, com aposentadoria compulsória aos 75 anos e possui salário mensal de mais de 35 mil reais. Uma das atribuições no tribunal será analisar as contas da gestão do seu sogro, que deixou o Palácio dos Despachos em dezembro passado.

O nome do advogado foi aprovado sem nenhum sobressalto e em tempo recorde. Nos bastidores, parlamentares – inclusive da oposição – davam a aprovação como certa. A avaliação feita por deputados estaduais ouvidos pela reportagem é que a indicação de Felizola foi costurada por Belivaldo muito antes dele deixar o cargo.

Segundo esses interlocutores, o então governador teria articulado a escolha de um nome da sua confiança para sucedê-lo em troca da indicação do genro. O escolhido para disputar o governo estadual nas eleições de 2022 foi Fábio Mitidieri, que “cumpriu o acordo” na última semana ao enviar o nome para a Assembleia.

Natural de Aracaju, José Carlos Felizola Filho tem 40 anos, é casado com a presidente do Sebrae em Sergipe, Priscila Felizola, e atualmente chefia a secretaria estadual de Meio Ambiente. No tribunal, ele ocupará a vaga aberta com a morte do conselheiro Carlos Pinna, no início do mês, em decorrência de um enfisema pulmonar.

As relações de parentesco em tribunais de contas deixaram de ser exceção e se tornaram prática corriqueira em grande parte das unidades da federação. Um levantamento feito em 2016 pela ONG Transparência Brasil apontou que mais de 30% dos conselheiros indicados para essas cortes são parentes de políticos.

Em Sergipe, ao menos três integrantes da Corte de Contas possuem ligações familiares com figuras políticas conhecidas no estado. É o caso de Ulices Andrade, pai do presidente da Assembleia Legislativa, e Luiz Augusto Ribeiro, pai do deputado federal Gustinho Ribeiro (Republicanos).

Recentemente, o ministro-chefe da Casa Civil Rui Costa (PT) articulou a eleição da sua esposa, a enfermeira Aline Peixoto, para uma cadeira no Tribunal de Contas dos Municípios baianos. Com a indicação, o petista se tornou o quarto auxiliar do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a emplacar parentes em cortes de contas.

Em dezembro, Renata Calheiros, mulher do ministro dos Transportes Renan Filho (MDB), foi eleita conselheira do Tribunal de Contas do Estado de Alagoas.

Um mês depois foi a vez do ministro Wellington Dias (Desenvolvimento Social) articular a candidatura da sua esposa, a deputada federal Rejane Dias, para o Tribunal de Contas do Estado do Piauí.

Este também é o caso do ministro da Integração Nacional Waldez Góes, que indicou, em fevereiro de 2022, a então primeira-dama Marília Góes para uma vaga no Tribunal de Contas do Amapá.

Especialistas ouvidos por CartaCapital criticam a quebra da impessoalidade presente nas indicações e afirmam que elas podem trazer desde conflitos de interesses à descredibilização da população sobre o trabalho exercido nos tribunais.

A Constituição exige que os indicados atendam a determinados requisitos, a exemplo de reputação ilibada, notório saber contábil e jurídico e possuir atuação profissional que comprove a capacidade técnica para o cargo. Estes critérios, porém, nem sempre são levados em consideração.

Cientista político pela Universidade de Brasília, André Carvalho destaca que durante a história da política brasileira as relações pessoais têm superado os “critérios técnicos compatíveis às boas práticas republicanas”.

“Culturalmente, parece ser aceitável essa prática no Brasil, mesmo sendo evidente o desvirtuamento do ideal de coisa pública. Nossa política é repleta de exemplos nos quais o mandato, o partido, a verba pública e outras coisas que não são, sob nenhuma hipótese, privadas são lidas como propriedade de agentes políticos”, explica.

De acordo com ele, este tipo de movimentação influencia na percepção da sociedade sobre a atividade exercida nos tribunais de contas. “Se a elite vê com tranquilidade, o cidadão comum tende a rechaçar, se revoltar, mas como o tema não tem um espaço de contestação por parte da elite econômica, é um sentimento de revolta que é sufocado pelas imposições do dia a dia”, acrescenta.

Para o cientista político e professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB), Cláudio André de Souza, não é possível identificar o crime de nepotismo nas indicações porque são derivadas de articulações políticas. O embaralhamento entre público e privado, afirma, reflete um histórico social onde as questões pessoais se sobressaem.

“Quando as pessoas olham nos pequenos e médios municípios, é isso que acontece [priorização dos interesses pessoais]. A política é tomada por essa perspectiva de favorecimento, infelizmente. A nossa democracia ainda flerta com uma cultura politica de confusão entre o que é publico e o que é privado”, completa. “A população já entende que isso faz parte do jogo legítimo de quem está no poder”.

Ubirajara Coelho Neto, professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Sergipe, afirma que há pouca disposição em modificar este entendimento. Segundo ele, indicações baseadas em relações de parentesco são prejudiciais à administração pública e comprometem a isenção na análise das contas públicas.

“A pouca vontade dos políticos de mudar a realidade da instituição leva à vulnerabilidade das cortes de contas aos interesses do grupo político majoritário e compromete a isenção do controle externo da administração, como dito anteriormente.”

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