Educação

As controvérsias da proposta de financiamento do novo Plano Nacional de Educação

A proposta do relator Moses Rodrigues, prevê 11% do PIB em gastos totais no setor, mas apenas 7,5% virão de recursos públicos. Especialistas veem ‘maquiagem’ e risco de retrocesso

As controvérsias da proposta de financiamento do novo Plano Nacional de Educação
As controvérsias da proposta de financiamento do novo Plano Nacional de Educação
O deputado deputado Moses Rodrigues (União-CE) é o relator do novo Plano Nacional de Educação. Créditos: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados Fonte: Agência Câmara de Notícias
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O novo Plano Nacional de Educação (PNE) deverá demandar cerca de 280 bilhões de reais para o cumprimento de suas metas até 2035, segundo o relator da proposta, o deputado Moses Rodrigues (União-CE).

A estimativa parte de um cálculo econômico que prevê que o país alcance, ao fim da vigência do plano, o equivalente a 11% do PIB aplicados na educação. Desse total, 7,5% viriam de investimentos públicos diretos (somados a subsídios) e 3,5% da iniciativa privada. Os recursos públicos corresponderiam a 877,5 bilhões de reais.

“Não podíamos repetir o número de 10% do PIB sem definir como chegar lá. Essa proposta estabelece um caminho possível”, justificou Moses, ao apresentar o relatório.

O texto ainda será votado pela comissão especial do PNE, presidida pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP), antes de seguir aos plenários da Câmara e do Senado.

O PNE anterior, que vigorou até este ano, previa a aplicação de 10% do PIB em investimentos públicos na educação. Esta meta, no entanto, nunca foi alcançada. A estimativa é de que o Brasil encerre este ano investindo algo em torno de 5,2% de seu PIB investido no setor, o equivalente a cerca de 600 bilhões (com base no PIB de 2024, que foi de 11,7 trilhões).

Pesquisadores ouvidos por CartaCapital afirmam que o novo cálculo econômico cria uma ilusão de aumento de investimento, mas na prática, significa um recuo.

“Os 10% sinalizados hoje representam a soma de recursos públicos aplicados na educação pública e privada”, critica Nelson Cardoso do Amaral, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação, a Fineduca. “Ou seja, os 10% viraram 7,5%, é um retrocesso.”

Hoje, a contribuição privada ao setor é de 2,3% do PIB (cerca de 269 bilhões de reais) e deve subir para 3,5%, o que, para os especialistas, não representa investimento público real.

“Essa conta trata, basicamente, do quanto a população paga nas escolas privadas. É dinheiro privado, aplicado em instituições privadas”, completa Cardoso. “É um verdadeiro embuste a entrada desse percentual na conta, porque não tem nada a ver com o contexto do PNE.”

Não há, até o momento, nenhuma exigência legal que defina como o setor privado deveria contribuir com o ensino público. A equipe econômica responsável pelos cálculos — coordenada por Sérgio Firpo, professor do Insper — aposta que o crescimento virá do aumento de egressos do ensino médio e da ocupação de vagas ociosas no ensino superior privado.

A defesa dos 10% do PIB

Em posição contrária ao texto do relator, a Fineduca defende a retomada da meta de 10% do PIB em investimento público, com base em dados do Pisa 2018.

Naquele ano, o Brasil obteve 400 pontos, abaixo da média de 461 dos 79 países avaliados. Cada país investia, em média, 73,9 mil dólares por estudante (ajustado pelo poder de compra), enquanto o Brasil aplicava 37,9 mil dólares.

O estudo destaca 12 países — entre eles Estônia, Polônia e Hungria — que gastaram menos que a média global, mas alcançaram desempenhos superiores. Esses países aplicaram, em toda a educação, cerca de 7,6 mil dólares anuais por estudante, enquanto o Brasil investiu 3,9 mil.

“O Brasil tem riqueza suficiente para investir 10% do PIB em educação”, afirma a Fineduca, citando uma conjuntura favorável: queda da população em idade escolar, boom de recursos naturais, a transição energética e a revolução digital — que exigem formações cada vez mais complexas.

As metas do novo plano

O novo PNE se organiza em 19 objetivos que abrangem desde a educação infantil até o ensino superior, com foco em qualidade, equidade e permanência escolar. Entre as metas do financiamento estão:

  • Aumentar o investimento por aluno até atingir, em cinco anos, o patamar médio dos países da OCDE, e, em dez anos, o Custo Aluno Qualidade (CAQ).
  • Garantir infraestrutura mínima a todas as escolas até o terceiro ano de vigência do plano.

A justificativa demográfica

Uma das razões apresentadas para reduzir o investimento público de 10% para 7,5% é a queda demográfica, puxada pela baixa natalidade.

Dados do IBGE indicam que a população de 0 a 17 anos deve cair de 50,3 milhões em 2025 para 43,5 milhões em 2035. As matrículas também devem recuar, de 44 milhões para 40,7 milhões no mesmo período, ainda que as metas intermediárias do PNE prevejam expansão do acesso.

O entendimento a partir da projeção não convence o educador e cientista político Daniel Cara. “A questão deve ser vista por uma ótica inversa: o País envelhecendo trará uma maior demanda por Previdência, saúde. Essa geração que está na escola hoje é que será responsável por essa conta”, alerta. “Se ela não tiver uma educação de qualidade, as possibilidades do país serão extremamente remotas lá na frente.”

Segundo ele, a posição de Moses Rodrigues e Tabata Amaral “equivale, na prática, a um desinvestimento na geração que vai sustentar o país envelhecido”.

Na mesma linha, o pesquisador Nelson Cardoso do Amaral sublinha que o cálculo que considera a redução populacional entre jovens deixa de fora 68 milhões de brasileiros, de várias idades, que não tem educação básica, segundo dados do Censo Escolar 2023 – um contingente que demandaria forte expansão da Educação de Jovens e Adultos (EJA), prevista no novo PNE, mas sem metas de matrícula claramente quantificadas.

De onde viriam os recursos?

Segundo o relator, dos 280 bilhões de reais necessários para a execução do PNE, 130 bilhões seriam destinados à correção de deficiências históricas – como analfabetismo e evasão escolar – outros 150 bi para a manutenção da infraestrutura educacional das escolas.

A aposta é a de que 220 bilhões (80% dos recursos) sejam provenientes da exploração do petróleo. Segundo Moses, será possível reverter ao PNE um recurso extraordinário da operação do pré-sal, sem destinação, a partir de 2026. A incorporação dos valores será proposta via projeto de lei complementar.

Outra aposta é o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados, o Propag, que permite renegociar débitos estaduais com a União em troca de investimentos em áreas prioritárias, como a educação. O relator defende que 60% desses recursos sejam aplicados na educação profissional e tecnológica — mas sem estimar o volume total de arrecadação.

O relator também defendeu que os recursos necessários ao PNE fiquem de fora do arcabouço fiscal. “Como é um recurso novo, estamos nos posicionando que o Plano Nacional e tudo que vai ser investido em infraestrutura nos próximos dez anos fique de fora do arcabouço fiscal”, destacou Moses, deixando em aberto a possibilidade de o governo e parlamentares apontarem novas fontes de recurso.

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