Política
As certezas férreas de Dilma Rousseff
Até agora, nada indica que a presidenta tenha abdicado de seu estilo original, de muitas certezas e pouca abertura a dúvidas e nenhum ouvido a contrapontos


Nas próximas semanas, deverá ocorrer uma descompressão do quadro político e econômico. A indicação do vice-presidente Michel Temer para a coordenação política deverá acalmar a base de apoio do governo.
Gradativamente, Petrobras vai sumindo do noticiário, a não ser nos ecos da Lava Jato. A aprovação do balanço deverá colocar um ponto final nas dúvidas sobre a empresa, embora persistam as ações judiciais nos Estados Unidos.
As últimas manifestações mostraram um refluxo, uma pausa. A entrevista de Dilma Rousseff aos jornalistas-blogueiros comprovou que a presidenta está longe de jogar a toalha. Mostrou-se viva, dinâmica, atilada.
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Pode ser bom ou ruim, dependendo de como se dará o segundo tempo do jogo. No curto prazo é bom, por afastar a possibilidade de renúncia ou qualquer gesto drástico.
No médio prazo, até agora nada indica que Dilma Rousseff tenha abdicado de seu estilo original, de muitas certezas e pouca abertura a dúvidas e nenhum ouvido a contrapontos.
Na longa entrevista não deu mostras de ter uma estratégia econômica ou política para o período de vacas magras que se aprofunda.
Domina muito bem temas pontuais de governo. Mas dá poucas mostras de uma visão integrada dos desdobramentos da crise atual.
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Na sua avaliação, bastará um período de aperto fiscal para os investidores recuperarem a confiança na economia e o País voltar a crescer. É paradoxal a antiga desenvolvimentista com confiança cega no mito da “lição de casa”, do pote de ouro no final do arco-íris do aperto fiscal.
Na sua avaliação, já passou a fase mais difícil da economia. Diz ela que quando os indicadores mostram a queda, é porque ela já ocorreu.
Sem dúvida, há uma defasagem entre os indicadores e o tempo real. Mas não há nenhuma garantia de que a economia já tenha batido no fundo do poço.
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Na sua opinião, todo o mal estar deriva da inflação. O ajuste fiscal era inevitável e traz uma dose de pressão inflacionária. Para combatê-la, exige-se um aumento da Selic.
Mas e o desemprego, também não será fator de mal estar? Dilma resolve a questão com uma hipótese simples: a maioria do emprego está no setor de serviços, por isso será pouco afetado.
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O único efeito positivo da Selic sobre a inflação era a apreciação cambial: mais juros atraiam mais capital especulativo, apreciando o real. Agora, Dilma mesmo assegura que não se poderá mais jogar com a apreciação cambial. Logo, se exigirá uma dose muito mais aguda de desaquecimento da economia. Mas será por pouco tempo, resolve Dilma.
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Além disso, como falar de ajuste fiscal concentrado especificamente no déficit primário (receita menos despesa excluindo juros) se com a Selic o déficit nominal (incluindo juros) explode? Será por pouco tempo.
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Governantes mais atilados montariam um conselho de economistas de diversas linhas para obter o contraponto e ter um leque maior de opiniões para arbitrar.
Dilma tem uma cabeça de engenheira. Ela prefere as certezas para não perder tempo arbitrando. Uma hora a certeza pode gerar um festival de isenções fiscais; na outra, o caldeirão fumegante de um ajuste fiscal que não resolve o nominal.
Mas há que se ter certeza.
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