Política

App de transporte da prefeitura de SP começa a operar em meio a suspeitas sobre licitação

MobizapSP promete repassar 89% do valor da corrida para motoristas cadastrados; MP investiga irregularidades em licitação sem concorrência e histórico das empresas que desenvolvem o aplicativo em casos de desvio de dinheiro público

Foto: Divulgação
Apoie Siga-nos no

Nesta quinta-feira 23, começa a funcionar, na cidade de São Paulo (SP), o aplicativo de transporte privado MobizapSP, desenvolvido pela prefeitura da cidade. 

Segundo a gestão municipal, o aplicativo não terá a chamada “tarifa dinâmica”, que aumenta o valor para usuários durante os horários de pico de trânsito. Além disso, o MobizapSP vai repassar 89,05% do valor da corrida para os motoristas cadastrados, valor acima do praticado por outros aplicativos do mercado. Os outros 10,95% serão pagos de modo integral às empresas que compõem o Consórcio 3C, contratado pela prefeitura para desenvolver o projeto do aplicativo.

O anúncio do novo aplicativo foi feito pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) no dia 9 de março, como uma alternativa de transporte mais barato aos usuários e mais rentável aos motoristas da capital paulista. Na última sexta-feira 17, porém, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) protocolou um pedido junto à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social, para que o Ministério Público investigue supostas irregularidades no processo de licitação que envolveu o Consórcio 3C.

Denúncias

No requerimento feito ao MP, o vereador Toninho Vespoli apresenta as seguintes denúncias sobre o processo licitatório e o histórico do Consórcio 3C:

O processo de licitação, inclusive o edital de convocação para concorrência, foi considerado “restrito” e sigiloso. Na cerimônia de lançamento do aplicativo, em 9 de março, o secretário de Mobilidade e Trânsito de São Paulo, Ricardo Teixeira, afirmou que a licitação foi aberta. “Qualquer um poderia ter participado [da licitação]. […] Então, foi uma coisa pública, não escondemos nada”, alegou o secretário;

–   Não houve concorrência na licitação. A contratação do projeto para desenvolvimento do aplicativo MobizapSP foi feito através da Concorrência n. 002/SMT/2022. A Prefeitura de São Paulo informou que o Consórcio 3C ganhou o contrato pelo regime de “menor percentual sobre o valor das corridas”. Na Ata da Sessão de análise e classificação das propostas comerciais, publicada em 29 de julho de 2022 pela Prefeitura de SP, consta que a única proposta analisada foi a do Consórcio 3C;

–  O Consórcio 3C foi criado pouco tempo antes de vencer o processo. A consulta à situação cadastral do grupo indica que a formalização da abertura do Consórcio 3C ocorreu no dia 31 de agosto de 2022. Após, inclusive, a análise do projeto. O resultado da licitação foi publicado uma semana após a abertura da empresa, no dia 7 de setembro do ano passado;

– Envolvimento das empresas que compõem o Consórcio 3C em casos de desvios de recursos públicos em contratos anteriores no setor de transportes

Segundo dados do próprio grupo, o Consórcio 3C é composto pelas empresas CLD Construtora, CLX Inovação e Consilux. Um dos sócios da empresa CLD é o empresário Jorge Marques Moura. Em 2015, a Justiça do Amazonas (AM) bloqueou os bens da CLD e de Jorge Marques Moura em razão de denúncia de desvio de dinheiro público. Na época, a empresa se chamava “Consladel” e, segundo a decisão, havia “atuação do núcleo político para beneficiar a empresa”. O Ministério Público concluiu que o contrato realizado pela empresa gerou um prejuízo de 92,2 milhões de reais aos cofres públicos.

A empresa também já esteve envolvida no caso da Parceria-Pública-Privada (PPP) da iluminação pública da cidade de São Paulo (SP), em um contrato com valor de 7 bilhões de reais. A CLD, ligada ao consórcio FM Rodrigues, venceu a licitação, embora outro consórcio (Walks) tenha apresentado uma proposta que representava 1,6 bilhão de reais de vantagem ao erário público. 

Em 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu anular a PPP, após considerar as denúncias de fraude. No momento, o recurso da ação está no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STF). Em outubro do ano passado, o desembargador convocado Manoel Erhardt foi nomeado relator do processo.

Já a empresa Consilux, quando fazia parte de um consórcio chamado LCL, assinou quatro contratos com a Prefeitura de São Paulo, entre 2020 e 2021, visando administrar serviços de radares. Os contratos somavam 66 milhões de reais. Não houve licitação em nenhum caso.

 Vespoli afirmou à CartaCapital que uma das motivações para a denúncia foi o fato de ter percebido que o Consórcio 3C é fruto de empresas “com suspeita de terem desviado verba pública”. O vereador considera que a situação possui “evidências de supostas ilegalidades”.

Após o recebimento da denúncia, o Ministério Público de SP ainda não promoveu novas diligências. A Prefeitura de São Paulo, por sua vez, informou que “se manifestará após ter acesso à representação protocolada no Ministério Público”.

Procurado, o Consórcio 3C informou à CartaCapital que, sobre o processo licitatório, “todas as etapas foram publicadas em Diário Oficial e qualquer empresa privada poderia participar”. Em relação ao contrato da Consilux com a Prefeitura de São Paulo, o Consórcio 3C informou que se trata “de regime emergencial, visto que ainda está em processo de elaboração o edital de licitação para a fiscalização eletrônica. Assim, que houver um novo processo licitatório e um vencedor, o contrato emergencial será extinto”. O Consórcio informou que o secretário Municipal de Mobilidade e Trânsito, Ricardo Teixeira, mantém uma relação administrativa com as empresas”. Por fim, informou que, sobre o caso envolvendo a PPP da iluminação pública em São Paulo, “a decisão proferida pelo [juíz] Pedro Luiz Fernandes Nery Rafael acolheu o pedido de arquivamento formulado pelo MPSP e arquivou o IP”.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , , , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo