Política
Após censura a vídeos, MEC mente e acusa jornalista de ‘comunismo’
Nota oficial sobre retirada de vídeos sobre esquerda e filósofos de TV para surdos cita até KGB para atacar Ancelmo Gois, do jornal O Globo


O ministro Ricardo Vélez Rodrigues, o indicado de Olavo de Cavalho para a pasta da Educação, passou recibo de despreparo ao reagir à publicização de um episódio de censura na TV Ines, canal virtual vinculado ao Instituto Nacional de Surdos que transmite programas para esta população.
Na terça-feira 29, o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, informou que, desde que o governo tomara posse, vários vídeos foram retirados do site da TV. Desapareceram um apanhado de vídeos sobre pensadores e filósofos considerados de esquerda.
Foram limados, por exemplo, Karl Marx, Marilena Chauí, Antonio Gramsci, Walter Benjamin, Stuart Hall e Friedrich Nietzche. Também sumiram vídeos sobre feminismo, população indígena, Aids e uma entrevista com Jean Wyllys, um dos conteúdos mais acessados do site.
Em nota divulgada na terça, o ministério informa que “abriu sindicância” para investigar o ocorrido. Mas nega influência do ministro, alegando que esses vídeos saíram do ar entre abril e novembro, antes de o ministro Vélez ter assumido oficialmente a chefia da pasta.
“A apuração preliminar já identificou, entretanto que os vídeos foram retirados em abril e em novembro de 2018. O que demonstra que a nota publicada na coluna do Ancelmo Gois, no jornal O Globo do dia 29 de janeiro de 2019, é tanto falsa quanto maldosa, ao atribuir a responsabilidade ao ministro da Educação, professor Ricardo Vélez Rodríguez, que só assumiu o ministério, em janeiro deste ano”, diz a nota.
Não é verdade. Uma pesquisa no cache automático gerado pelo Google mostra que os vídeos estavam no ar pelo menos até o dia 2 de janeiro. A ferramenta é uma espécie de arquivo da internet que recolhe periodicamente informações de sites do mundo todo.
Há algumas semanas passou a circular na sede do Ines uma lista de “programas proibidos”. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, o índex determinava a retirada de programas que abordassem autores “de esquerda”, “socialistas”, de conteúdo “relacionado à ditadura militar” e que de apresentassem olhar crítico, segundo o censor, à religião.
Histórico do Google mostra que vídeos censurados pelo MEC estavam no ar até o dia 2 (Reprodução)
Comando de caça ao colunista
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O último parágrafo da nota é dedicado a desancar o ‘passado comunista’ do jornalista Ancelmo Gois, sob um juntado confuso de informações. Nas entrelinhas, o texto acusa Ancelmo de ser um espião comunista infiltrado nas redações.
O ponto de partida dessas informações é um artigo da Wikipedia sobre o jornalista, cuja única fonte é uma entrevista dele para a Associação Brasileira de Imprensa, em 2009.
“Ao contrário do que quer fazer crer o colunista, ludibriando dessa forma os leitores do jornal O Globo, durante sua vida como docente, o ministro da Educação sempre ensinou e defendeu a pluralidade e o debate de ideias, recusando-se a adotar métodos de manipulação da informação, desaparecimento de pessoas e objetos, que eram próprios de organizações como a KGB, o serviço secreto do governo comunista na antiga União Soviética, que na década de 1960, quando de sua fuga do Brasil para a Rússia, protegeu e forneceu identidade falsa para o colunista de O Globo. Na época, segundo ele próprio declarou em entrevista ao site da Associação Brasileira de Imprensa em 2009, Ancelmo Gois foi treinado em marxismo e leninismo na escola de formação de jovens quadros do Partido Comunista Soviético.”
— ACS MEC (@MEC_Comunicacao) January 30, 2019
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