Política

José Melo, entre denúncias e a austeridade

Em meio a acusações de compra de votos, o governador do Amazonas desmonta parte dos órgãos de proteção e desenvolvimento da Amazônia

José Melo durante sua campanha eleitoral: reeleito, governador vive momentos de pressão
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De Manaus

O começo de março não está fácil para o governador reeleito do Amazonas, José Melo (PROS). Denúncias sobre corrupção ganharam a mídia nacional, envolvendo seu nome em uma investigação da Polícia Federal a respeito de uso de dinheiro da Copa do Mundo para comprar votos nas eleições de outubro. As denúncias amplificaram a pressão contra o governador amazonense, que havia atraído a atenção do Ministério Público Federal por aprovar uma grande reforma administrativa que, segundo seus críticos, vai desmantelar o sistema de gestão ambiental do estado, concentrador de parte significativa da Amazônia.

Para a administração de José Melo, a reforma administrativa integra um pacote de medidas cujo objetivo é otimizar a máquina pública e gerar uma economia de 910 milhões de reais no orçamento anual. Para a comunidade científica e organizações ambientalistas, a mudança, que inclui a extinção da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti), inviabiliza o cumprimento de compromissos assumidos por Melo durante a campanha eleitoral. A situação gerou um pedido formal de informações por parte do MPF.

Com a maior cobertura florestal do País (97,5% das florestas do Amazonas continuam preservadas), o etado possui 43 Unidades de Conservação, onde vivem 15 mil famílias. Segundo entidades ambientalistas, a reforma administrativa deixa populações tradicionais e uma área de 19 milhões de hectares de floresta vulneráveis a ações criminosas, como grilagem de terra, desmatamento ilegal e violência no campo. “O governo usou o argumento de que havia necessidade de enxugar a máquina para otimizar recursos. Só que afetou dois setores que consideramos extremamente estratégicos para o futuro não só do Amazonas, mas de todo o País. O governo está dando um tiro no pé”, afirma Neliton Marques, diretor da Faculdade de Ciências Agrárias da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).

A proposta de reforma enviada pelo executivo estadual foi aprovada na Assembleia Legislativa do Amazonas em 5 de março, em uma rápida votação, que teve apenas cinco votos contrários. No dia 9 de março, a Lei Complementar n. 152 foi publicada no Diário Oficial do Estado, dando prazo de 90 dias para a reestruturação. A faca afiada de Melo cortou secretarias de interesse social, como a de articulação com movimentos sociais, de políticas para mulheres e de direitos humanos. Levou também pastas consideradas estratégicas para o futuro econômico do Estado, como a de mineração e geodiversidade e de ciência e tecnologia, pegando de surpresa a comunidade científica local. “A Secretaria de Ciência e Tecnologia estava se tornando uma secretaria de referência. Agora voltamos à estaca zero”, afirma Rosangela Bentes, pesquisadora e coordenadora de extensão tecnológica e inovação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Criada em 2003, a secretaria era responsável pela administração da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), do Centro de Educação Tecnológica do Amazonas (Cetam), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) e é considerada por muitos uma das grandes responsáveis pelo “boom” tecnológico experimentado pelo Estado na última década. Apenas um ano depois da criação da Secti, o número de patentes registradas no Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi) pelo Amazonas cresceu 73%. O número de registros passou de 71, no triênio de 2001 a 2003, para 159 no triênio de 2010 a 2012. “O orçamento executado da Secti em 2014 foi de 3,8 milhões de reais, devolvendo em pesquisas 37 milhões de reais. É fato que o governo precisa economizar, mas a economia de menos de 4 milhões de reais não altera significativamente o orçamento do estado”, disse o deputado Vicente Lopes (PMDB), um dos parlamentares que votou contra a proposta.

Com a reforma, as funções desenvolvidas pela Secti serão absorvidas pela nova Secretaria de Estado de Planejamento, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação (Seplanct). A “super secretaria”, como vem sendo chamada, também deve assumir as funções da antiga pasta de mineração, do conselho estadual de energia e da secretaria executiva de orçamento.

Desmatamento

A reforma proposta por Melo na Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS) também é alvo de críticas. A pasta teve oito de seus 12 departamentos extintos e uma redução de 30% no quadro de funcionários, o que levaria a uma economia de 2 milhões de reais ao ano.

Um dos órgãos extintos, o Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc), atuava na gestão das 43 áreas estaduais de proteção ambiental e desenvolvimento sustentável do Amazonas. De acordo com dados do Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), no período de 2003 a 2009, a instituição, sozinha, foi responsável pela demarcação de 16,5% de todas as unidades de conservação (UC) homologadas no mundo, com a proteção de 11,6 milhões de hectares de floresta.

Mas, se com o quadro atual a secretaria já tinha dificuldade de atuar em todas estas áreas – são 19 milhões de hectares, separados por densas florestas acessíveis apenas pelo rio – muitos acreditam que com apenas 60 funcionários a situação deve se tornar crítica. “Isso se refletirá no campo. O Estado não vai ter pessoal para estar em todas as UCs e não tendo gente para cuidar e gerenciar, significa que estes espaços estarão fragilizados para a entrada de infratores ilegais”, afirma o professor Neliton Marques.

Para Marques, os resultados do esfacelamento da SDS podem gerar reflexos em todo o País, já que a preservação da Amazônia é fundamental para o controle dos sistemas hídricos. “Havendo desmatamento para uso alternativo, seja para pecuária ou outra atividade, significa que não teremos os rios voadores que levam água para sul e sudeste do País e isso significa menos chuva. Não quero fazer uma previsão catastrófica, mas tudo aponta para isso”, afirma.

A bióloga Rita Mesquita, pesquisadora do Inpa e integrante do Movimento Ficha Verde (MoFV), alerta ainda para uma possível redução na captação de recursos externos, já que a SDS recebia valores provenientes da compensação de projetos de infraestrutura e, com a nova estrutura, muitos convênios terão que ser refeitos. Outra preocupação entre os ambientalistas é com a situação de vulnerabilidade em que ficarão as populações locais, especialmente no sul do Estado, que já sofre com a ação de madeireiros ilegais e com a pressão do agronegócio. “O desmatamento na Amazônia vem sempre acompanhado de violência contra os povos da florestas”, diz Rômulo Batista, da campanha Amazônia do Greenpeace.

O Centro Estadual de Mudanças Climáticas (Ceclima) também foi extinto e a Agência de Desenvolvimento Sustentável (ADS), que integrava a pasta de Meio Ambiente, passa agora para a Secretaria de Estado de Produção Rural (Sepror), que trata de assuntos relacionados ao agronegócio. Para o MoFV, coletivo criado para discutir e monitorar a atuação política na área ambiental, a reforma representa um “descumprimento dos compromissos assumidos” pelo governador durante a campanha eleitoral. No documento, assinado por José Melo em agosto de 2014, o chefe do executivo estadual se comprometeu, entre outras coisas, a zelar pela integridade das unidades de conservação estaduais, melhorar o monitoramento sobre o uso da terra e promover a produção sustentável.

Este também é o entendimento do Ministério Público Federal do Amazonas, que na terça-feira 17 enviou um pedido formal de informações ao governador. “Em nossa programação, tencionávamos dar um tempo para o governador começar a trabalhar, para depois de uns seis meses pedir informações sobre o andamento dos compromissos assumidos. Mas fomos surpreendidos com essa novidade. Isso gera uma certa perplexidade e agora queremos saber como fica a situação da secretaria e se as promessas serão cumpridas ou não”, diz o procurador da República Rafael da Silva Rocha.

De acordo com o procurador, caso o MPF considere que as promessas foram descumpridas, José Melo poderá ser acusado de estelionato eleitoral.

Apenas um dia depois do envio da carta, a secretária da antiga SDS, Kamila Amaral, entregou o cargo. Para ocupar o comando da nova Sema foi indicado o engenheiro agrônomo Antonio Stroski.

Ainda não está claro se os segmentos de gestão ambiental e de ciência e tecnologia sofrerão grandes cortes orçamentários, além da precarização estrutural. Segundo Thomaz Nogueira, ex-superintendente da Superintendência da Zona Franca de Manaus e nome indicado para assumir a “super secretaria”, uma nova lei orçamentária deve ser apresentada. “Faço parte da comissão determinada pelo governador para fazer estes ajustes. E posso afirmar que o desenvolvimento sustentável e o meio ambiente continuarão entre as prioridades do governo”. Nogueira não informou, entretanto, se haverá redução dos investimentos nestas áreas.

Em nota, José Melo assegurou que as “atividades ligadas ao setor como proteção e monitoramento ambiental continuarão sendo executadas pelo Governo do Estado a partir da integração de órgãos ambientais e as demais esferas de Governo”.

Crime eleitoral

A polêmica gerada pela reforma administrativa não poderia ter chegado em pior momento. Nos últimos dias o nome de José Melo ganhou destaque nos noticiários nacionais por conta de uma denúncia sobre seu envolvimento em um esquema de compra de votos nas últimas eleições, com uso de dinheiro público.

Segundo reportagem do Fantástico, exibida em 8 de março, durante a Copa do Mundo a empresária Nair Queiroz Blair teria recebido 1 milhão de reais do governo estadual, por meio de uma compra emergencial fraudulenta. Dinheiro que teria sido usado para a compra de votos. Na época, José Melo já ocupava o cargo de governador, posto assumido depois que Omar Aziz deixou o governo para concorrer ao Senado.

Durante o período eleitoral, Blair foi presa em flagrante, em uma operação da Polícia Federal, com 7,7 mil reais em notas de 100 reais e diversas notas de serviço em nome de possíveis eleitores. Para a PF, o fato indicava a troca de votos por benefícios e presentes. O irmão do governador, Evandro Melo, também foi citado na denúncia, acusado de ter transportado eleitores ao local de votação.

Ainda durante as eleições, Melo foi acusado pelo Tribunal Regional Eleitoral por abuso de poder político. Na época, foram interceptadas conversas telefônicas nas quais o comandante-geral da Polícia Militar, o coronel Eliézio Almeida, pedia apoio de agentes da PM na campanha de Melo em troca de “benefícios para a corporação em caso de sua reeleição”. Ele e seu sub-comandante, Aroldo da Silva Ribeiro, foram afastados de seus cargos por decisão judicial.

Segundo esclarecimento da Procuradoria Regional Eleitoral no Amazonas, vinculada ao MPF, o órgão não teve acesso às provas colhidas sobre o caso a tempo de apurar e ajuizar uma ação cível eleitoral no prazo previsto por lei, que é de até 15 dias após a diplomação. “Agora de posse de todo o material, a PRE/AM adotou medidas para averiguar o que ocorreu em relação à remessa dos documentos e provas do caso e para dar seguimento, no âmbito criminal, ao trabalho do Ministério Público Eleitoral”, informou em nota. Mas agora, como governador eleito, José Melo tem direito a foro privilegiado. Com isso, o processo foi remetido à Procuradoria-Geral da República e deve ser analisado no Superior Tribunal de Justiça.

Nair Blair, Moisés Queiroz e Karine Brito, presos em flagrantes e liberados sob fiança, respondem atualmente por crime eleitoral. No último dia 10, a PRE/AM pediu a instauração de inquérito policial para apurar o envolvimento de Evandro Melo, citado na documentação, na possível prática de crime de transporte ilegal de eleitores. Por meio de sua assessoria, José Melo afirmou que as denúncias relacionadas a compra de votos “estão sendo tratadas no âmbito jurídico partidário” e que o governo criou uma comissão para apurar as denúncias de irregularidades no contrato de prestação de serviços assinado durante a Copa.

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